6 de novembro de 2015

Se o amor de Deus é livre, então o calvinismo está errado?


Eu escutei várias vezes uma objeção ao calvinismo bastante semelhante ao título deste post. O argumento é que a graça irresistível vai contra a natureza de Deus, já que Ele deseja que O amemos livremente. Paul Manata apresentou uma resposta sucinta a esse tipo de argumento.

Gostaria de apenas complementar algumas reflexões sobre os pontos apresentados pelo meu amigo Paul. Frequentemente ouvimos que o ensino calvinista da graça irresistível é, de certo modo, equivalente a um estupro divino. Essa analogia é necessariamente equivocada. Primeiramente, porque o estupro envolve violação da vontade da vítima. Contudo, a graça eficaz de Deus não viola a vontade do homem, antes, a transforma. O ato da regeneração, que procede de Deus e muda completamente o homem, não é uma coerção da vontade (como no caso do estuprador), nem é um engodo da vontade (como o faz um hipnotista). Deus efetivamente muda os desejos de uma pessoa de forma que ela deixa de odiar a Deus e de imaginar que O ama, passando a amá-Lo verdadeiramente.
 
Em segundo lugar, em adição ao fato de que Deus ordena o amor (que é justamente o ponto abordado de forma bastante competente pelo meu amigo Paul), Deus também ameaça com a punição aqueles que não amam. Roger Olson tecnicamente pode sustentar a posição de que "para que possa haver um relacionamento de amor, é necessário ser factualmente possível para ambas as partes a possibilidade de dizer não para o outro", mesmo em face de uma ordem. Afinal de contas, as pessoas de fato dizem não para os mandamentos divinos de amar a Deus e amar ao próximo. Todavia, se essa saída é empregada, a analogia do estupro automaticamente cai por terra. Afinal, ainda consideraríamos como vítima de um estupro uma pessoa que desse seu consentimento somente após ter uma arma apontada para sua cabeça, mesmo se tecnicamente dissesse sim. Contudo, o poder coercitivo da mensagem de Jesus é mais forte ainda: Eu, porém, vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno. Sim, digo-vos, a esse deveis temer (Lc 12:5). 
    
Logo, por um lado, a graça irresistível não é uma coerção, e, por outro, Deus (inegavelmente) emprega a coerção. Então a objeção levantada por Olson não pode se sustentar porque ela perde de vista a questão e porque ela se depara com um ponto que Olson deve aceitar como verdadeiro. Olson (e outros não-calvinistas) deve admitir que Deus emprega a coerção por meio das ameaças de castigos sobre aqueles que não fazem o que lhes é ordenado. Todavia, a graça irresistível é um meio usado por Deus que, em si mesmo, não envolve coerção, mas sim, transformação.



Tradução: Fabrício Tavares