(1) A origem do impulso
artístico humano não pode ser explicado humanamente. Comparando teorias sobre a
origem da arte, Herman Bavinck, teólogo holandês do século XIX, escreveu:
Hoje, existem muitas ideias divergentes, assim como existiam antigamente: alguém explica a arte a partir do teatro, outro a partir do desejo sexual, um terceiro a partir do ritmo, um quarto a partir de sentimentos e ações que também acontecem com animais, e por aí vai. Porém, mais e mais, a convicção que ganha terreno a respeito da arte, assim como da religião, é que devemos aceitá-la como um impulso humano original, e como um desejo que não podemos explicar a partir de outras inclinações ou atividades (Essays, p. 252-253).
Exatamente. Existem muitos fatores que influenciam os artistas, mas nada pode explicar a origem do impulso artístico. Nascemos com ele.
Hoje, existem muitas ideias divergentes, assim como existiam antigamente: alguém explica a arte a partir do teatro, outro a partir do desejo sexual, um terceiro a partir do ritmo, um quarto a partir de sentimentos e ações que também acontecem com animais, e por aí vai. Porém, mais e mais, a convicção que ganha terreno a respeito da arte, assim como da religião, é que devemos aceitá-la como um impulso humano original, e como um desejo que não podemos explicar a partir de outras inclinações ou atividades (Essays, p. 252-253).
Exatamente. Existem muitos fatores que influenciam os artistas, mas nada pode explicar a origem do impulso artístico. Nascemos com ele.
(2) O impulso artístico é
espiritual. Novamente, Bavinck escreve:
Com o senso de beleza, lidamos com um fenômeno que é parte da natureza humana: uma predisposição e suscetibilidade da alma para encontrar prazer e deleitar-se em coisas que preenchem certas condições (Essays, p.251).
Exatamente. O impulso artístico é uma realidade espiritual. E, por “espiritual”, Bavinck não quer dizer que a arte pode salvar pecadores de seus pecados. A arte não tem influência salvífica a parte de um entendimento de Cristo e do Evangelho. É somente à luz do Evangelho que a arte tem algum poder salvífico, por exemplo, no testemunho dramático de Peter Hitchens.
Com o senso de beleza, lidamos com um fenômeno que é parte da natureza humana: uma predisposição e suscetibilidade da alma para encontrar prazer e deleitar-se em coisas que preenchem certas condições (Essays, p.251).
Exatamente. O impulso artístico é uma realidade espiritual. E, por “espiritual”, Bavinck não quer dizer que a arte pode salvar pecadores de seus pecados. A arte não tem influência salvífica a parte de um entendimento de Cristo e do Evangelho. É somente à luz do Evangelho que a arte tem algum poder salvífico, por exemplo, no testemunho dramático de Peter Hitchens.
(3) A expressão artística do
homem é uma reflexão da expressão artística de Deus neste mundo. Abraham Kuyper
celebremente escreveu:
O mundo dos sons, o mundo das formas, o mundo das cores e o mundo das ideias poéticas não pode ter outra fonte senão Deus; e é nosso privilégio, como portadores de sua imagem, ter uma percepção deste mundo belo, para reproduzir artisticamente, para gozá-lo humanamente (Calvinismo, p. 128).
O mundo é povoado por artistas porque Deus é O Artista.
O mundo dos sons, o mundo das formas, o mundo das cores e o mundo das ideias poéticas não pode ter outra fonte senão Deus; e é nosso privilégio, como portadores de sua imagem, ter uma percepção deste mundo belo, para reproduzir artisticamente, para gozá-lo humanamente (Calvinismo, p. 128).
O mundo é povoado por artistas porque Deus é O Artista.
Permita-me acrescentar uma importante
qualificação antes que tratemos da questão. Neste curto post, não posso definir
o que constitui “verdadeira” arte e o que não. Obviamente, por “arte”, eu não
quero falar de arte que glorifica o mal (por exemplo, pornografia). Sem entrar
na estrutura inteira da beleza, o que daria outro post, estou me referindo à
“beleza de bom gosto”, o tipo de beleza manifesta no riff de uma habilidosa
banda de jazz ou nas pinceladas de um pintor francês do século XVII, ou na
prosa reveladora de um escritor russo do século XIX. Em certo grau, penso que
todas elas qualificam-se como arte. Por questão de espaço, estou assumindo que
estamos falando de “bela arte”.
Assim, chegamos ao centro da
questão: Deus deleita-se com a arte, mesmo se for realizada, escrita, ou pintada
por um não-cristão? Ou, colocando a pergunta de outra forma, o fato de um
pecador ser não-redimido e estar debaixo da ira de Deus torna a sua arte
repulsiva para Deus?
Foi durante a leitura de He
Shines in All That’s Fair: Culture and Common Grace, de Richard Mouw, que
cheguei à primeira vez nessa discussão. Mouw diz que Deus pode deleitar-se – e
deleita-se – com a arte não-cristã. Ele escreve:
Penso que Deus deleita-se no
humor de Benjamim Frankilin, nas tacadas de Tiger Woods, e nos parágrafos bem
construídos de Salman Rushdie, mesmo que essas realizações sejam, na verdade,
alcançadas por não-cristãos. Estou convencido de que o deleite de Deus nesses
fenômenos não surge porque levam os eleitos à glória e os não-eleitos à
separação eterna da presença divina. Acredito que Deus se agrada dessas coisas
pelo próprio valor delas.
Aqui está o centro do
argumento:
Os exemplos citados do deleite
de Deus não envolvem necessariamente a aprovação moral das vidas “internas” dos
não-eleitos. Quando um poeta incrédulo faz uso de uma bela metáfora, ou quando
um jogador desbocado faz uma jogada sensacional, podemos pensar em Deus
agradando-se desses eventos sem necessariamente aprovar qualquer coisa a
respeito dos agentes envolvidos – assim como elogiamos a retórica de um
político cuja visão política desprezamos.
Mas, como isso pode ser
verdade? Que provas encontramos na Escritura e na teologia?
Eu pedi a um amigo meu – um
calvinista comprometido terminando sua dissertação sobre um preeminente teólogo
puritano – que explicasse um pouco mais esse conceito. Ele concorda com Mouw
porque sua visão é baseada no entendimento de que todos os homens são criados à
imagem de Deus. Isso significa que, em algum grau, todos os homens refletem a
imagem de Deus. Em um e-mail, ele me explicou mais ou menos assim:
A ideia central aqui, creio,
envolve a imago dei. Deus é o amante mais perfeito de sua imagem. A imagem
reside dentro da humanidade na alma humana substancial. Assim, ela brilha na
cultura de maneiras infinitamente diferentes. É impossível que Deus veja tais
reflexões de sua glória e não se absorva em deleites cognitivos. É ele quem vê
sua própria imagem da maneira mais elevada. É ele quem se deleita nela de
maneira mais profunda.
Assim, em certo sentido, a
arte é o reflexo da imagem de Deus no homem. E onde a imagem de Deus
resplandece na sociedade, podemos presumir logicamente que isso traz deleite
Àquele que valoriza Sua própria imagem. É como um reflexo de Si mesmo.
Portanto, Mouw pode argumentar
extensamente que o fundamento deste deleite não se encontra na grandeza
inerente do atleta, pintor, poeta ou romancista. De fato, temos um impulso de
glorificar o artista humano mais que o Artista supremo. É bem mais possível que
sejamos tentados a louvar a grandiosidade do artista menor. Mouw, pelo
contrário, ensina-nos uma importante lição. O fundamento do deleite de Deus na
arte não-cristã acontece porque ela é um reflexo de Si mesmo.
Para entender isso, precisamos
compreender a dignidade do homem ao lado de sua miserabilidade. De alguma forma
– misteriosamente, me parece – o homem pode refletir a imagem de Deus, ainda
que essa imagem esteja agora “terrivelmente deformada” (Calvino) devido ao
pecado. A morte espiritual não pode apagar completamente a imago dei. De fato,
é difícil não perceber a ironia no fato de que cada um de nós possui uma língua
maliciosa e depravada, que usamos para amaldiçoar nossos semelhantes,
portadores da imagem de Deus (Tg 3.9). O homem é maligno e esplêndido. A
maldade nunca é mais evidente que quando expelimos ódio em direção a um
portador da imagem. É o esplendor dos dons do homem que tornam seu pecado tão
escandaloso. Assim, de alguma forma, homens não-redimidos podem ser
terrivelmente deformados e, ainda assim, serem um reflexo do Criador. Isso é um
mistério, mas eu o enxergo na Escritura.
Em seu livro The Road from
Eden: Studies in Christianity and Culture, John Barber faz alguns ajustes na
posição de Kuyper/Mouw e muitos deles são úteis (p. 445-460). Por exemplo,
Barber discorda de Mouw sobre Deus manter “propósitos divinos múltiplos”, um
propósito para a Igreja antes da queda, e outro propósito estabelecido pela
Criação após a Queda.
Ainda assim, a despeito da
discordância, quando se trata de Deus deleitar-se na arte não-cristã, Barber
concorda com Mouw:
… uma vez que a obra cultural
dos não-regenerados é vitalmente importante para o progresso do mundo e para o
plano redentivo de Deus, e uma vez que esta obra origina-se nos dons que Deus
concedeu, o produto da cultura não-regenerada é agradável a Deus. Entretanto,
essas observações não diminuem a “antítese” de que Kuyper falou – o fato de que
existe, e sempre existirá, uma diferença fundamental entre o agente cultural
cristão e o não-cristão, pelo poder da Cruz. (453)
Assim, Deus realmente
deleita-se com certas obras não-cristãs, argumenta Barber. Ainda assim, se você
estiver lendo cuidadosamente, pode ouvir nessas palavras uma advertência. Isso
acontece porque a habilidade artística dos artistas não-cristãos está limitada
pelo pecado. A respeito de Pablo Picasso, por exemplo, Barber escreve:
Esse potencial total requer um artista vivendo sob o senhorio de Cristo e desenvolvendo obras que procuram glorificar a Deus.
Enquanto da perspectiva
humana, seu conjunto da obra pode ser considerado ‘grandioso’, o pecado o
reduziu a mero vestígio da imagem de Deus, o que significa que sua obra nunca
alcançou todo seu potencial (452).
Esse potencial total requer um artista vivendo sob o senhorio de Cristo e desenvolvendo obras que procuram glorificar a Deus.
Porém, a despeito dessa falta
de potencial total, o dom artístico de Picasso encontra sua origem em Deus.
Artistas não-cristãos nos mostram, nas palavras de Calvino, “quão longe os
raios da divina luz têm brilhado” e nos revelam “os excelentes dons do Espírito
que estão espalhados por toda a raça humana” (Comentário em Gn 4.20).
As implicações de tudo isso
são explicadas nas palavras de Anthony Hoekema em Criados à Imagem de Deus:
Nós, como cristãos crentes,
portanto, podemos aprender muito de grandes obras da literatura escritas por
incrédulos, mesmo que não compartilhemos o compromisso último deles. Podemos
apreciar o que foi produzido por não-cristãos em diferentes áreas de esforço
artístico, como arquitetura, escultura, pintura e música, uma vez que seus
dons vêm de Deus. Podemos, assim, desfrutar dos produtos culturais de
não-cristãos de uma maneira que glorifiquemos a Deus através deles – mesmo que
tal louvor a Deus não fosse parte da intenção consciente desses artistas.
O que torna possível aos
cristãos deleitarem-se nesses dons artísticos de não-cristãos é um entendimento
da origem desses dons. Eles vêm de Deus. Eles refletem o caráter de Deus. E,
quem melhor para reconhecer a origem de dons artísticos em não-crentes que o
próprio Deus?
Artistas cristãos devem buscar
o serviço à igreja pelo uso de seus dons artísticos. Mas, isso não significa que
a arte desconectada da vida da igreja não reflete a Deus. Pode refletir. E é
por isso que podemos deleitar-nos nas belas expressões artísticas de artistas
não-cristãos, pois, como tentei mostrar a partir de teólogos confiáveis, é um
fato que o próprio Deus assim o faz. Como Deus, podemos separar o dom refletido
da depravação do espelho, podemos enxergar além da língua e do coração ímpio e,
ainda assim, reconhecer o caráter de Deus no reflexo da beleza.
Conclusão
Me parece que, a não ser que
estejamos abertos à ideia de que Deus deleita-se na manifestação de belas artes
pelos não-cristãos, encontraremos dificuldade em glorificar a Deus através da
arte que vemos. Isso é especialmente verdade em artífices que não são cristãos,
que portam as marcas de seu Criador, enquanto permanecem sob a culpa de seu
pecado, e estão em desesperada necessidade de um Salvador.
Aqui está um breve resumo do
que aprendi em meses de leitura sobre o assunto:
1. O dom artístico no homem é
intrínseco.
2. A criatividade artística de
Deus manifesta-se em sua criação.
3. O impulso artístico humano
é, pelo menos em parte, um reflexo da imagem de Deus.
4. Deus deleita-se em Si mesmo
e, portanto, deleita-se no reflexo de seu próprio caráter, sendo a beleza
artística uma reflexão dEle em nossa cultura.
5. Artistas não-cristãos,
enquanto permanecem em um estado de inimizade contra Deus, nunca alcançarão o
mais alto de seu potencial artístico.
Essa perspectiva oferece ao
cristão um grande fundamento para a apreciação da arte não-cristã das seguintes
formas:
1. Abre nossos olhos para a
graça comum de Deus na arte ao nosso redor.
2. Lembra que, em cada artista
presenteado com dons, vemos um reflexo do Artista, a fonte de toda bondade,
verdade e beleza.
3. Ajuda a apreciar os dons de
artistas não-cristãos e a beleza da arte não-cristã.
4. Protege-nos de glorificar
os espelhos brilhantes ao invés do Sol.
5. Lembra que o potencial
artístico dos não-cristãos, por maior que seja, é tragicamente limitado.
6. Lembra que, enquanto há
beleza para ser apreciada na arte não-cristã, a arte não é um “território
neutro” que pode ser acompanhado sem uma preocupação a respeito de Deus e da
verdade.
7. Finalmente, lembra que o
propósito maior de Deus para a arte é uma bela obra, que nasce de um artista
que vive e labora sob o temor de Deus e sob o senhorio de Jesus Cristo, e que
expressa este talento artístico com o objetivo de trazer glória ao Artista.
Autor: Tony
Reinke
Fonte: tonyreinke.com
Tradução: Josaías
Jr.
Via:
Reforma21