Uma
resposta simples para este post seria: Porque a circuncisão é o sinal
da aliança para a descendência de Abraão?
Ora, pode
ser que alguém coce sua cabeça agora, já que essa minha afirmação soa bastante pedobatista.
De fato, boa parte do fundamento do pedobatismo é a ideia de que existe um
pacto da graça abrangente, sob o qual se encontram todas as alianças bíblicas.
Consequentemente, nesse sentido, a Nova Aliança (de certo modo, aparentemente
não levando em conta Jeremias 31 e Hebreus 8, partes nas quais nos é dito que
tal Aliança é completamente diferente) é basicamente o mesmo que a Antiga
Aliança. De acordo com essa teologia pactual, não há uma grande diferença
essencial entre Israel e a Igreja. E assim como o povo israelita circuncidava
seus infantes do sexo masculino, demonstrando, pois, que pertenciam à
comunidade do pacto, assim, devemos batizar nossas crianças, com o intuito de
demonstrar que pertencem à nossa comunidade do pacto.
Aliás,
diga-se de passagem: se há uma ligação direta entre circuncisão e batismo, por
que não limitamos o batismo somente aos homens?
Ora, a
resposta para tal pergunta é precisamente esta: existe uma diferença entre as
alianças. Por um lado, diferentemente de alguns de nossos irmãos
dispensacionalistas (embora eles tenham uns gráficos legais – desculpe-me, Dave
Miller!), não creio que a Bíblia ensine que a Igreja é algo inteiramente novo.
[…] Creio que há uma ligação direta e uma linha contínua que parte da
fiel ekklesia (para citar o termo utilizado pela Septuaginta)
dentro da nação de Israel no Antigo Testamento em direção à ekklesia do
Novo Testamento – um povo redimido composto tanto de judeus quanto gentios.
Por outro
lado, a Bíblia ensina que a Igreja é, em certo aspectos, funcional e
estruturalmente diferente da nação de Israel. E parte disso está relacionado
com a Nova Aliança. Afinal de contas, qual é o propósito da Nova Aliança, à
qual a Igreja claramente pertence? (Lc 22:20, 1Co 11:25, 2Co 3:4). De
acordo com Jeremias 31:31, seu propósito é substituir a aliança feita com
Moisés. Ora, a Nova Aliança não é como aquela que Deus estabeleceu com os
ancestrais do povo quando saíram do Egito, uma aliança de leis gravadas em
pedra, um pacto que transgrediram, embora Deus tenha permanecido fiel a eles.
Pelo
contrário, com a Nova Aliança, a lei de Deus seria gravada nos corações do
povo, que seria Seu povo, ao passo que Ele seria seu Deus; toda
comunidade conheceria o SENHOR, e seus pecados seriam para sempre perdoados. E
nesse ponto nos deparamos com uma mudança definitiva no povo da aliança.
Por um lado, essas pessoas ainda são da descendência de Abraão –pertencem à casa de Israel e à casa de Judá. Por outro, eles são um grupo particular dentro da descendência de Abraão. Em certas ocasiões no livro de Deuteronômio, Moisés apontara para isso. Jeremias tratou dessa questão no capítulo 9, versículos 25-26, de seu livro. Ora, esse grupo é composto de pessoas que tiveram seu coração circuncidado.
Certamente
tais pessoas, o remanescente fiel, existia dentre a nação. No entanto, a
aliança com Moisés não lhes era exclusiva. Deus concedeu todas as facetas da
Lei à nação como um todo. Ainda que se alguém não cresse de fato na palavra de
Deus, havia certa expectativa civil de se guardar a Lei ou, então, encarar as
consequências. Todavia, dado que essas leis estavam escritas na pedra e não no
coração, eles falharam em trazer à tona a retidão; pelo contrário, somente
recrudesceram a injustiça dos infiéis.
Na nação
de Israel, era possível pertencer ao povo da aliança e ainda assim “não
conhecer ao SENHOR”. Sob a Nova Aliança, isso não é mais possível.
Em ambos
os casos, o povo da aliança permanece sendo a descendência de Abraão. Não
somente em Gênesis, mas em toda a narrativa bíblica, percebemos uma realidade
peculiar a respeito da promessa de Deus a Abraão de fazer um grande povo a
partir de sua semente, dando-lhe uma terra como herança e abençoando o mundo.
Ora, a realidade é esta: isso jamais teve a ver com a descendência física de
Abraão.
Ismael
foi o primogênito, no entanto, não era o filho da promessa. Abraão teve vários
outros filhos após a morte de Sara. Quase nada é dito a respeito deles. A
aliança e as promessas passaram a Isaque, o filho da promessa. E nem mesmo toda
a descendência deste último participou dela. “Amei Jacó, mas aborreci a Esaú”,
disse Deus. A aliança e as promessas passaram a Jacó e seus filhos, ao passo
que Esaú permaneceu rejeitado. Gerações depois, Deus chegou mesmo a dizer à
maioria do povo (penso aqui na profecia dada por intermédio de Oséias) – Vós
não sois meu povo. Jesus discutiu com homens que se orgulhavam de serem filhos
de Abraão. Jesus lhes disse: Vós sois filhos do diabo [Jo 8:44].
Todos
eles são descendência física de Abraão, mas existe aqui uma clara distinção.
Alguns pertencem à descendência incluída na promessa, e outros, à descendência
dela excluída.
Mas como
isso se aplica à vida da igreja como a comunidade da Nova Aliança? Nesta, o
povo do pacto ainda é descendência de Abraão; todavia, nos deparamos com o fato
de que ela não diz respeito à linhagem física. Além das palavras de Jesus ao
grupo de judeus no capítulo 8 de João, Paulo escreveu em Romanos 2:28-29:
Porque
não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é somente na
carne. Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão, a que é do
coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos
homens, mas de Deus.
Para ser
contado entre a descendência de Abraão, a circuncisão ainda conta – mas não a
circuncisão da carne. O que está em voga aqui é a condição do coração, a
verdade expressa no Antigo Testamento, que apontava para o tempo em que existiria
uma comunidade da aliança que incluía crentes e descrentes [no sentido de
gentios].
Paulo
posteriormente identificou a descendência de Abraão para as igrejas da Galácia,
que se encontravam numa região predominantemente gentílica, e que começaram a
abandonar o verdadeiro por um falso Evangelho que exigia, para a salvação, a
circuncisão da carne. Paulo levantou vários pontos: 1) Por meio de Cristo e da
fé nEle, a benção de Abraão chegou aos gentios (Gl 3:14); 2) As promessas de
Deus a Abraão, embora tenham beneficiado a nação que se formou a partir de sua
descendência, não se focavam de fato numa nação. Antes, focavam-se num
indivíduo, isto é, Cristo. Em última análise, Jesus é o filho da promessa a
quem pertence a aliança (Gl 3:16-17); e 3) tendo isso em vista, nós, que fomos
“batizados em Cristo de Cristo nos revestimos”. Portanto, não há mais distinção
espiritual, nem distinção de promessas entre judeus e gregos, escravos ou
livres, homem nem mulher, etc., pois se sois de Cristo, também sois
descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa (Gl 3:27-29).
Essa
mesma ideia é também descrita em Romanos 9:11. As promessas de Deus a Israel
jamais falharam, ainda que vários israelitas tenham sido rejeitados, porque a
palavra de Deus a Abraão jamais foi a respeito da carne, mas acerca dos
“filhos da promessa” que “são contados como descendência”. Novamente, uma
promessa que, em Cristo, se estende a judeus e gentios – isto é, todo aquele
que crê. Embora os judeus pertençam a ela como ramos naturais, Deus enxertou
os gentios crentes na oliveira de Israel, a descendência de Abraão, em lugar dos
judeus descrentes.
Com essa
explanação mais profunda relacionada àqueles que pertencem aos filhos de
Abraão, e sobre a realidade que é derradeiramente pela promessa e fé em Cristo,
podemos entender a estrutura da Nova Aliança – na qual todos aqueles que estão
sob o pacto conhecerão o SENHOR, e seus pecados lhe serão perdoados.
Isso nos
leva ao sinal do pacto. Em Gênesis 17, Deus ordenou a Abraão que ele e seus
filhos e todos os homens que lhes nascessem fossem circuncidados. Esse
despojamento da carne se tornou o sinal e selo das promessas de Deus. Como
Moisés, Jeremias e Paulo relembram, o que de fato importava era o despojamento
da carne morta do coração rebelde. Assim, em Colossenses 2:11-14, Paulo
escreve:
Nele [em
Cristo], também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no
despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo, tendo sido
sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes
ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos.
E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela
incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos
os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e
que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente,
encravando-o na cruz.
Nas
palavras de Paulo, encontramos a linguagem da Nova Aliança no perdão de todas
nossas transgressões. Posteriormente, na mesma carta, Paulo deu continuidade ao
tema da morte do velho homem e da vida do novo homem, repetindo a ideia de
Gálatas 3: No qual não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem
incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos.
Vemos,
desse modo, que ao pertencer a Cristo – portanto, pertencendo também à linhagem
de Abraão por virtude da descendência –, também somos
circuncidados. Isto se dá mediante a circuncisão de Cristo. Ele cumpriu
perfeitamente o papel da descendência de Abraão. A Ele pertence a terra (o
mundo); as nações se achegam por meio dEle (o povo de Deus constituído de toda
tribo, língua e nação), e mediante Ele advém a benção para o mundo (salvação e
restauração). Ademais, Ele alcançou isso através do cumprimento perfeito da
justiça descrita na Lei. Jesus foi circuncidado ao oitavo dia, e em virtude de
pertencermos a Ele, fomos circuncidados nesse mesmo dia. E com a
circuncisão de Cristo aplicada a nós, também vemos a circuncisão do coração. O
corpo da carne (do pecado) foi despojado, e nós fomos vivificados. A marca da
Nova Aliança é, pois, um sinal dessa circuncisão aplicada à totalidade do
corpo. Somos batizados. Ao descer às águas, demonstramos que a natureza
pecaminosa de nosso velho homem foi sepultada com Cristo. Com efeito, ela é
circuncidada, despojada e removida. Ao sairmos das águas, demonstramos que
fomos ressuscitados para uma nova vida em Cristo. Somos lavados e perdoados.
Indubitavelmente,
portanto, nas declarações da Nova Aliança, na real definição da descendência de
Abraão, e no significado do batismo, este de modo algum é passível de ser
aplicado naqueles que não pertencem a Cristo (e, assim, a Abraão) pela fé. A
comunidade pactual consiste somente daqueles que se desviaram do pecado e se
voltaram para Cristo. Temos esperança de que um dia nossos filhos também
pertencerão a ela mediante a obra do Evangelho. Contudo, é totalmente
inapropriado batizá-las como se já pertencessem, antes de terem realmente feito
o compromisso de seguir Cristo em fé.
Sou um
credobatista, e para mim é impossível ser um pedobatista porque a circuncisão é
o signo da aliança para a descendência de Abraão.