Nos últimos 30 anos, fatos
importantes aconteceram no cenário evangélico brasileiro. As décadas de 80 e 90
trouxeram a lume muitas novidades religiosas e tendências doutrinárias
inusitadas que ficariam marcadas. Muitos cristãos, especificamente
os desatentos, que presenciaram a chegada dessas novidades e doutrinas no
Brasil, não poderiam sequer imaginar que elas não seriam salutares e que
devastaria, com o passar dos anos, de maneira implacável, uma proporção
abrangente da igreja evangélica, embora os seus adeptos não concordem com isso,
uma vez que são limitados ou praticamente leigos em relação ao conhecimento das
Escrituras.
Dentre as várias novidades religiosas e tendências doutrinárias vigentes no Brasil, quero elencar apenas duas, a saber, o ato de profetizar e determinar. É importante observar que profetizar e determinar não são sinônimos, mas estão relacionados e são similares. Ambos possuem algumas nuances que diferem entre si, o que veremos na análise teológica. Contudo, profetizar e determinar salientam que as mais variadas bênçãos que o cristão requer, pela fé, para si mesmo e para outras pessoas, acontecerá.
A seguir, apresentarei uma
breve análise histórica, teológica e apologética dos populares atos de profetizar e determinar, que se tornaram praticamente uma doutrina no meio
evangélico.
1. Análise histórica
O ato de profetizar e
determinar bênçãos, tais como milagres, curas, provisão financeira, “portas
abertas” e felicidade na vida sentimental têm sua origem na confissão positiva
ou movimento da palavra de fé. Juntamente com a "autoridade espiritual" ou "unção
especial", que Deus concede a alguns, especialmente aos crentes “profetas” e a
libertação das maldições, que incluem a pobreza, doenças e todas as frustrações
ou derrotas na vida, essa “doutrina” é um dos pilares que formam a teologia da
prosperidade.
Não obstante, conforme muitos
acreditam, a teologia da prosperidade não teve a sua origem no movimento
pentecostal clássico da primeira fase, que veio para o Brasil em meados de 1910
e, tampouco, no movimento pentecostal da segunda fase, que sucedeu a primeira
em meados de 1950. Antes, a teologia da prosperidade e suas doutrinas correlatas tiveram
sua origem nas religiões sincréticas da nova Inglaterra, que fica localizada
nos Estados Unidos, no nordeste do país, bem no início do século 20.
Uma vez que a teologia da
prosperidade possui algumas afinidades com a cosmovisão pentecostal, isto é,
com suas doutrinas, como a crença em profecias, revelações, sonhos, visões, foi
justamente no pentecostalismo, e, por conseguinte, no neopentecostalismo, que a
teologia da prosperidade e o ato de profetizar e determinar (confissão positiva
ou movimento da palavra de fé) tiveram boa receptividade e se destacaram, tanto
nos Estados Unidos como no Brasil.
Apesar de Kenneth Hagin
(1917-2003) ser considerado o precursor da teologia da prosperidade por muitos
de seus adeptos, todavia, pesquisas meticulosas realizadas por estudiosos
renomados demonstraram, inequivocadamente, que o verdadeiro originador da
teologia da prosperidade, ou seja, da prática de profetizar e determinar
bênçãos, que faz parte da confissão positiva ou movimento da palavra de fé, foi
Essek William Kenyon. Sendo assim, é importante abordar um pouco da história
desses dois grandes paladinos da teologia da prosperidade: Essek William Kenyon e Kenneth Hagin.
a) Essek William Kenyon, o precursor da teologia da prosperidade
Nascido no condado de
Saratoga, estado de Nova York, Kenyon (1867-1948) mudou-se na adolescência com
os pais para a cidade de Amsterdã, região que fica localizada próximo à
fronteira do Canadá. Nesta época, aos 17 anos, ele conheceu o Evangelho em uma
igreja Metodista, porém, só tornou-se membro da mesma aos 19 anos. Por
conseguinte, foi nomeado um evangelista.
Em 1892, Kenyon
mudou-se para Boston, onde se casou com Eva Spurling, em 1893. Iniciou seus
estudos no “Emerson College”, conhecido por ser um centro do chamado movimento
“transcendental” ou “metafísico”, que deu origem a várias seitas de orientação
duvidosa. Uma das influências recebidas e reconhecidas por Kenyon nessa época
foi Mary Baker Eddy, fundadora da “Ciência Cristã”.1
Mais tarde, Kenyon foi ordenado
pastor na igreja “Free Will Baptist’s” em 1894, onde assumiu uma pequena
congregação em Elmira, depois em Springyville e, ainda, em Concord, Nova York.
No entanto, em 1898, ele se desliga da igreja Free Will Baptist’s. Em seguida,
inicia um novo trabalho na igreja "Tabernáculo", em Worcester, Massachusetts. Em
1900 ele foi transferido para a cidade de Spencer, onde fundou o Instituto
Bíblico Bethel, que dirigiu até 1923. Depois disso Kenyon foi para a
Califórnia, onde fez inúmeras campanhas evangelísticas. Pregou diversas vezes
no célebre Templo Angelus, em Los Angeles, da evangelista Aimee Semple
McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular. Pastoreou igrejas
batistas independentes em Pasadena e Seattle, e foi um pioneiro do evangelismo
pelo rádio, com sua “Igreja do Ar”. As transcrições gravadas de seus programas
serviram de base para muitos de seus escritos.2 Além de sua
teologia, Kenyon também foi o criador de famosos jclichês populares contidos no
triunfalismo, como O que eu confesso, eu possuo”, e uma dos principais
influências dos muitos clichês criados no decorrer dos anos pelos
adeptos do movimento de fé triunfalista.
b) As influências na teologia de Kenyon
Houve muitos debates acerca da
influência de Kenyon na teologia da prosperidade e no movimento da palavra de
fé triunfalista (o ato de profetizar e determinar). Conforme vimos
anteriormente, quando estudou no Emerson College, em Boston, Kenyon,
provavelmente, teve acesso ao conhecimento metafísico. As seitas aderentes a
metafísica ensinavam que a verdadeira realidade está além do âmbito físico. A
esfera do espírito não só é superior ao mundo físico, mas controla cada um dos
seus aspectos. Mais ainda, a mente humana pode controlar a esfera espiritual.
Portanto, o ser humano tem a capacidade inata de controlar o mundo material por
meio de sua influência sobre o espiritual, principalmente no que diz respeito à
cura de enfermidades. Kenyon acreditava que essas ideias não somente eram
compatíveis com o cristianismo, mas podiam aperfeiçoar a espiritualidade cristã
tradicional. Mediante o uso correto da mente, o crente poderia reivindicar os
plenos benefícios da salvação.3
O Norueguês Geir Lie afirmou
em sua tese de mestrado publicada em 1994, intitulada: E.W. Kenyon: Ministro
evangélico ou fundador de culto? que a doutrina de Kenyon foi influenciada
pelos ensinamentos de John Wesley sobre santidade, mas que ele poderia ter sido
influenciado também, de certa forma, por traços da metafísica cultual.4 Entretanto, segundo pesquisas realizadas pelo Dr. Dale H. Simmons, Kenyon, além
de possuir raízes nos ensinos de John Wesley, conforme Geir Lie destacou em sua
tese, também foi influenciado pelo Movimento de Vida Superior e pelo movimento
do Novo Pensamento. Simmons argumenta que Kenyon poderia ter tido conhecimento
de ambos os sistemas.
O Movimento do Novo Pensamento
foi uma onda espiritual que surgiu no final do século 19, nos Estados Unidos,
obtendo grande eclosão. Este movimento consistia em um grupo formado por
instituições religiosas variadas, organizações seculares, escritores, filósofos
e pessoas que compartilhavam das crenças metafísicas, as quais enfatizavam os
efeitos do pensamento positivo na esfera física, da lei da atração, cura
através da força da mente, força vital, visualização criativa e poder pessoal.
Segundo a teologia deste movimento, todas as doenças se originam da mente, e
que o pensamento positivo em face delas produz a cura.
Um dos primeiros e principais
originadores do Movimento do Novo Pensamento foi Phineas Parkhurst Quimby
(1802-1866). Nascido em Lebanon, Nova Hampshire, Quimby era filósofo e
hipnólogo, porém, sofria de algumas doenças. Isso, portanto, o motivou a
estudar sobre o assunto, onde desenvolveu algumas ideias. Ele chegou à
conclusão de que as doenças têm origem na própria mente do homem por conta de
crenças falsas, “e que a mente aberta para a sabedoria de Deus vence a doença”.5
Quimby acreditava que “o corpo era uma casa para a mente do homem. Se havia um
"inimigo" (doença ou alguma outra perturbação negativa, ênfase minha)
instalado no corpo, isso se dava por uma crença errada da mente. Mesmo com o
desconhecimento do portador, a mente é quem adoecia o homem. Desse modo, Quimby
prometia entrar na casa e com o poder da mente expulsar o intruso, corrigindo a
"impressão errada" pelo restabelecimento da "verdade" na
mente.6
Contudo, quando as pessoas
possuíam o entendimento correto, elas desenvolveriam a habilidade de curar suas
próprias enfermidades por meio da força de suas mentes. Esta crença da cura
pelo poder da mente tinha sua origem na teologia de um "Deus" amoroso que deseja
o bem estar e a felicidade de todos, e de uma realidade espiritual mais
profunda e tão real como é a nossa realidade física no mundo. Portanto, de
acordo com as pesquisas realizadas de forma acurada, e as informações em pauta,
a teologia de Kenyon, de fato, possui traços dos ensinos das seitas
transcendentais, metafisicas, do Movimento de Vida Superior e, principalmente, do Movimento do Novo Pensamento.
c) Kenneth Hagin, o propagador da teologia da prosperidade
Se Kenyon foi o pioneiro da
teologia da prosperidade e da confissão positiva, Kenneth Hagin foi o
divulgador. Nascido em McKinney, no Texas, com um problema cardíaco congênito,
Kenneth Erwin Hagin (1917-2003) teve uma infância conturbada. Quando tinha 6
anos, seu pai decidiu abandonar a família. Perto de completar 16 anos, seu
estado de saúde piorou, chegando ao ponto de ficar prostrado numa cama. Foi
neste momento doloroso de sua vida que Hagin teve “experiências espirituais”
marcantes. Depois de alegar que foi ao inferno e ao céu por três vezes, ele
converteu-se a Cristo Jesus.
Hagin afirmou que em 1933 foi
“visitado” por Jesus Cristo e curado de sua doença”.7 O seu
testemunho tornou-se base para muitas de suas pregações de fé. Após refletir no
Evangelho de Marcos 11.23-24, ele concluiu que para a pessoa receber a benção,
era necessário “crer”, em seguida “declarar verbalmente a fé” e, finalmente,
“agir como se já tivesse recebido a benção”. Em outras palavras, como um tipo
de “fórmula mágica”, Hagin acreditava e ensinava que, para receber a benção,
bastava tão somente “crer” e “profetizar, determinar ou decretar” com a boca que aquilo que foi pedido acontecerá.
Em seu testemunho, Hagin
descreve que, apesar de muito debilitado fisicamente por conta da doença, ainda
assim insistia em ir para a escola, mesmo que muitos o recomendassem a não ir
às aulas para permanecer em repouso. Como já havia desobedecido as
recomendações médicas, ele acreditava e declarava a sua cura. Feito isso, pouco
tempo depois recebeu a benção, isto é, a cura de sua doença.
Em 1934, Hagin começou seu
ministério como pregador batista; três anos depois se associou aos
pentecostais, em 1937. Recebeu o "batismo com o Espírito Santo" e falou em
línguas. No mesmo ano foi licenciado como pastor das Assembleias de Deus e
pastoreou várias igrejas no Texas. Em 1949, começou a envolver-se com pregadores
independentes de cura divina e em 1962 fundou seu próprio ministério.
Finalmente, em 1966, fez da cidade de Tulsa, em Oklahoma, a sede de suas
atividades. Ao longo dos anos, o Seminário Radiofônico da Fé, a Escola Bíblica
por Correspondência Rhema, o Centro de Treinamento Bíblico Rhema e a revista Word of Faith (Palavra da Fé) alcançaram um imenso número de pessoas. Outros
recursos utilizados foram fitas cassete e mais de cem livros e panfletos. Hagin
dizia ter recebido a unção divina para ser mestre e profeta. Em seu fascínio
pelo sobrenatural, alegou ter tido oito visões de Jesus Cristo nos anos 50, bem
como diversas outras experiências fora do corpo. Segundo ele, seus ensinos lhe
foram transmitidos diretamente pelo próprio Deus, mediante revelações especiais.
Todavia, ficou comprovado posteriormente que ele se inspirou grandemente em
Kenyon, a ponto de copiar, quase palavra por palavra, livros inteiros do antecessor. Em uma tese de mestrado na Universidade Oral Roberts, D. R.
McConnell demonstrou que muito do que Hagin afirmou ter recebido de Deus não
passava de plágio dos escritos de Kenyon. A explicação bastante suspeita dada
por Hagin é que o Espírito Santo havia revelado as mesmas coisas aos dois.8
d) Os reflexos da
influência dos ensinos de Kenneth Hagin no Brasil
Os ensinos de Hagin não
somente influenciaram muitos pregadores norte-americanos, como Kenneth
Copeland, Benny Hinn, Frederick Price, John Avanzini, Robert Tilton, Marilyn
Hickey, Charles Capps, Hobart Freeman, Jerry Savelle, Paul David Yonggi Cho,
dentre outros, mas também muitos pastores e pregadores brasileiros. Assim, no
início dos anos 80, a teologia da prosperidade e o movimento da palavra de fé
triunfalista chegaram ao Brasil por meio de conferências, literatura e vídeos.
Rex Humbard, Marilyn Hickey, John Avanzini, Robert Tilton, dave Robertson e
Benny Hinn foram os seus divulgadores. Estes pregadores participaram das várias
conferências promovidas pela Associação de homens de Negócios do Evangelho
Pleno (Adhonep).
Alguns dentre os muitos
pastores e pregadores que abraçaram os ensinos de Hagin no Brasil foram a
“apóstola” Valnice Milhomens, líder do Ministério Palavra da Fé, o Missionário
R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, o bispo Edir Macedo, da Igreja
Universal do Reino de Deus, o “apóstolo” Renê Terra Nova, do Ministério
Internacional da Restauração, o “apóstolo” Miguel Ângelo da Silva Ferreira, da
Igreja Evangélica Cristo Vive, o pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de
Deus vitória em Cristo e o pastor André Valadão, da Igreja Batista Lagoinha.
Através desses líderes religiosos e de muitos outros, a
teologia da prosperidade foi se difundindo ao longo dos anos pelas igrejas pentecostais e neopentecostais de
todo o Brasil através do impacto de sermões, livros, blogs/sites e redes sociais.
NOTAS:
1. Alderi de Souza Matos. Artigo: Raízes históricas da
teologia da prosperidade.
2. Ibid.
3. Geir Lie. E. W.
Kenyon: cult founder or evangelical minister? (2003).
4. Phineas Parkhurt
Quimby.
5. The Quimby
manuscripts.
6. Alderi de Souza Matos. Artigo: Raízes históricas da
teologia da prosperidade.
7. The new
international dictionary of Pentecostal and charismatic movements. Michigan,
2003, pág 687.
8. Alderi de Souza
Matos. Artigo:
Raízes históricas da teologia da prosperidade.
Autor: Leonardo Dâmaso
Divulgação: Reformados 21
Autor: Leonardo Dâmaso
Divulgação: Reformados 21