No máximo, há muçulmanos que
não estão empenhados na jihad, na
guerra santa, 100% dos seus dias, como nem todos os cristãos são Cruzados ou
debatedores escolásticos. A diferença é que o islamismo exige isso de todos os
fiéis, enquanto a espada cristã é a defesa contra a tirania daqueles
não-seguidores de um Amai-vos uns aos outros.
A religião da paz, que contra
o “mundo da guerra” pode mentir (taqiyya, a mentira estratégica e permitida
pelo Corão para engabelar o kafir, os não-muçulmanos, e a kitman, a mentira por
omissão), quando estabelece a shari’ah, pode exigir um imposto de não-muçulmanos
(a jizya, que pode chegar a 50% da produção anual, ou a musta’mins, para os
não-residentes) e até passar ao assassinato de infiéis que se recusarem a se
converter, quando tiverem estabelecido uma maioria populacional ou assumido os
tribunais e a obediência jurídica local às ordens da Umma, a comunidade
islâmica internacional, geralmente com referência a um califado – exatamente a
situação que hoje enfrenta a Europa, que desconhece quase na inteireza o que
está vivendo, sem saber que o Estado Islâmico é, justamente, a criação deste
novo califado.
Portanto, não se deve entender
“paz” quando se fala da “religião da paz” no sentido moderno do termo “paz”,
como se muçulmanos pregassem tolerância com “blasfemadores”, como se as leis
tirânicas de países muçulmanos fossem acidentais e desconectadas do Corão (e
como se todas fossem igualmente tirânicas por mera coincidência), como se Maomé
fosse um homem que sentasse ao lado de Benjamin Netanyahu, na ONU, e conversasse
sobre igualdade entre povos e “dois Estados”, e não que tentasse matar cada
judeu do mundo para reconquistar a mesquita de al-Aqsa (Maomé, ele próprio, narra
como degolou 600 judeus em um único dia; e hoje a tomada de Jerusalém, que não
é mencionada no Corão, é prioridade muçulmana, por se tornar a terceira cidade
mais importante para os islâmicos).
Trata-se de “paz” como oposta
ao “caos” de um mundo sem “ordem” – no caso, sem a shari’ah.
É um costume da esquerda
multiculturalista tentar enxergar “luta de classes” entre povos a partir de
“culturas exóticas” (costume muito difundido por livros como Orientalismo, do
totalitário Edward Said), tratando-as como vitrine. É o chamado
“pós-colonialismo”, crendo que tudo o que seja contrário à Inglaterra, à
América e a Israel é válido.
É dificílimo encontrar algum
esquerdista que saiba 10% do que vai nas linhas acima; tampouco atentam para o
fato de que tratar “povos exóticos” como merecedores de um comportamento
fechado, imposta pela shari’ah, é tratá-los como massa de modelar, a divertir
os nobres e seculares esquerdistas protegidos pela distância da civilização
ocidental e de sua liberdade de pensamento.
Mas
o Antigo Testamento não é igualzinho?
Nossa própria visão do que é
uma “religião” deriva de duas religiões (judaísmo e cristianismo) que nunca
impuseram normas sociais, e sim de auto-organização (ver mais nos próximos
artigos). Nosso próprio conceito do que é “secular” nasceu, afinal, de dentro
da segunda religião.
Eric Voegelin, o maior
filósofo político do mundo, em Ordem
& História, sobretudo no primeiro volume, Israel e a Revelação, nota dois grandes “saltos no ser”, dois
grandes eventos na história mundial que colocaram a humanidade num contato
maior com seu próprio ser. Além da filosofia ateniense, um salto noético (do
pensamento), há um mais antigo: a Revelação judaica, um salto pneumático (do
espírito).
Anteriormente à Aliança
Abraâmica, as sociedades da Antiguidade fundavam-se como sociedades
cosmológicas, isto é, não se consideravam apenas o “centro do mundo” (aquele
axis mundi supracitado), mas o próprio mundo. Cultura são os símbolos que
usamos para interpretar a realidade. Nestas culturas, os símbolos do cosmo e do
indivíduo são os mesmos. Eventos como um filho nascendo deficiente, um
casamento fracassado, uma colheita ruim ou um eclipse eram considerados parte
do mesmo todo: uma falha no cosmo que precisava ser consertada pela unidade
simbólica. Daí os sacrifícios humanos, os rituais de sangue, os poderosos
demônios que precisavam ser saciados com o próprio povo.
A Aliança, com a abertura da
alma para uma ordem supra-cósmica, tira a ordem de uma tentativa social de
plasmação do ciclo de morte e vida da natureza e refaz a sociedade buscando uma
ordem na própria alma – um pacto com a deidade, e não mais uma comunidade
cósmica.
O futuro povo de Israel, ainda
nômade, pastoreando desprotegido entre impérios poderosíssimos, não possuindo uma ordem cosmológica pronta como os violentíssimos Egito, Assíria e
Babilônia que os assolavam, vive na incerteza, exigindo ações da alma individual
e reincorporações da Verdade n’alma.
Também não sendo mais uma
sociedade cosmológica, o povo de Israel vive na dimensão da História, uma nova
forma de atuação inédita ao mundo. Israel não tem mais uma ordem fixa, mas uma
missão a ser cumprida dentro desta História, observado com diferentes
proximidades pela transcendentalidade de um Deus onisciente que os vigia e os
julga de fora do mundo.
O Antigo Testamento, portanto,
é o primeiro livro de História do mundo. Mais do que isto, é uma compilação de
diversos momentos do povo de Abraão, suas guerras internas entre as 12 tribos,
suas separações e reencontros, seus primórdios com o Criador, sua fuga como
escravos, suas vagações, errando como excluídos por entre impérios assentados e
violentos, sua busca de uma monarquia, seu reino desfacelado, sua
reconfiguração na busca de sua Terra Santa, os diversos ataques e guerras,
muitas delas internas, até o fim do mundo e o julgamento final.
Muito do que é compilado em
suas páginas, incluindo guerras violentíssimas, não é uma prescrição e um
modelo de conduta a ser copiado, como os arquétipos junguianos interpretando
mitos (narrativas): são histórias de fracassos passados (de Efraim a Jó),
alertando sempre os israelitas de que seu futuro é ameaçado e de que o homem é falível.
Vários dos momentos
aparentemente legisferantes, como no Deuteronômio, muitas vezes já eram
passados quando foram redigidos, mostrando que as tentativas anteriores de
estabelecimento de leis humanas (diferentes das leis da Revelação) são falíveis
(Maomé, quando descreve a shari’ah,
acredita estar criando a “verdadeira” lei da Revelação, infalível em impor uma
nova ordem de “paz”).
Trechos como este, do
Deuteronômio, costumam ser citados em discussão de internet para garantir uma
“igualdade” entre religiões, sempre do judaísmo e do cristianismo em relação ao
islamismo:
Deuteronômio 13:6-11 - Quando te incitar teu irmão, filho da tua
mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do teu seio, ou teu amigo, que te
é como a tua alma, dizendo-te em segredo: Vamos, e sirvamos a outros deuses que
não conheceste, nem tu nem teus pais; Dentre os deuses dos povos que estão em
redor de vós, perto ou longe de ti, desde uma extremidade da terra até à outra
extremidade; Não consentirás com ele, nem o ouvirás; nem o teu olho o poupará,
nem terás piedade dele, nem o esconderás; mas
certamente o matarás; a tua mão será a primeira contra ele, para o matar; e
depois a mão de todo o povo. E o apedrejarás, até que morra, pois te procurou
apartar do Senhor teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da
servidão; Para que todo o Israel o ouça e o tema, e não torne a fazer
semelhante maldade no meio de ti.
Para os olhos abobados da
modernidade e sua crença em si mesma, é o mesmo apedrejamento jurídico (da
shari’ah) do islamismo. Mas, na realidade, não se trata aqui de saber se
“judeus e cristãos já não fazem mais isso”, enquanto países muçulmanos fazem. Pelo
contrário, Deuteronômio não fala de uma norma jurídica, e sim de palavras a
serem guardadas no coração do fiel.
Pior: fala de prescrições
humanas, falhas (diferentes das Leis do Sinai, ou da shari’ah islâmica), muitas
sendo tomadas como maus exemplos. E no caso em questão, fala do comportamento
das ainda nômades tribos israelitas diante da sedução de deuses (e demônios)
das sociedades cosmológicas. Por exemplo, adorar o deus amonita (povo contra
quem os israelitas vivem em banhos de sangue pelo Antigo Testamento) Moloch
significa adorar um deus que exige constantes sacrifícios de bebês num fogo
sagrado (sacrificador) para não despejar sua fúria cósmica sobre seus
adoradores. É uma espécie de deus das feministas. Os bebês eram atirados no
ventre de sua estátua, com corpo humano e cabeça de boi ou leão.
Quando o Deuteronômio fala, em
termos antigos, de apedrejar aqueles que cultuam outros deuses, não se trata de
mero barbarismo “igual ao islâmico”, com precisão legislativa para punir
adúlteras nem da fúria de um Deus ciumento; trata-se de uma norma
não-jurídica, mas de uma prescrição tribal (violenta que seja) contra quem é
seduzido por sociedades capazes, por exemplo, de sacrificar bebês. É o próprio
Deuteronômio que proíbe o culto a Moloch (Dt 18:10) e, entre outros, a famosa
passagem aberta de Levítico 18:21 (E da tua descendência não darás nenhum para
fazer passar pelo fogo perante Moloch; e não profanarás o nome de teu Deus. Eu
sou o Senhor).
Trechos como este seriam
escritos hoje como: “Quem incitar seu povo a cultuar outras crenças, como a do
nazismo, não deixe que ande junto de sua família, mas o denuncie sem medo às
autoridades” (a autoridade, na sanguinária época tribal do Deuteronômio, ainda
é o apedrejamento, sem uma cidade fixa com tribunal assentado). Nada
surpreendente.
Já o Corão, como vimos, não é
uma narrativa escrita por diversas mãos por mais de 800 anos, narrando diversas
inglórias de um povo (a única sociedade nômade que sobreviveu no mundo, campeã
de Prêmios Nobel, de tecnologia e vítima de ódio progressista até hoje). Não é
um conjunto de diversos preceitos, muitos contraditórios entre si, que não
perfazem um sistema jurídico, mas contam uma história errante coletiva. Não é
a narrativa histórica de diversos momentos de um povo (de escravos a
monarquistas), suas desventuras e as lições que devemos extrair de suas raras
glórias temporárias e de seus recorrentes fracassos.
O Corão é o livro de um homem
só, tentando utilizar as diferenças igualmente violentas entre tribos do deserto
para a instauração de um jin, de uma visão única de mundo, que significa tanto
“religião” quanto “visão de mundo”, quanto “partido político”, etc. Tais coisas
não são distintas umas das outras, como acontece na simbólica e linguagem
judaico-cristã (hoje, Israel é, afinal, uma república). Mesmo as narrativas das
conquistas militares de Maomé, de seus falsos tratados de paz e trégua, das
decapitações que promovia ele próprio são prescrições ou um modelo de
conduta a ser copiado.
É inútil tentar entender o
islamismo à luz de alguma artificial igualdade de situações, ou mirar textos
apenas através de sua camada exterior, como encontrar a palavra apedrejar em
textos completamente distintos (quando não opostos), e salpicar a conclusão com
a visão progressista – de que todo o cristianismo e todos os judeus são ruins,
mas os muçulmanos, se são inimigos da América, da Inglaterra, de Israel e de
suas consequentes proteções das minorias, devem ser tratados apenas como um
exotismo, e cada ato de violência como um “extremismo” que não paga nenhum
tributo à religião.
O politicamente correto e a
manipulação linguística da moderna análise do discurso estão cegando o Ocidente
para perceber que os ataques em Paris significam não outra coisa do que o
início da Terceira Guerra Mundial. Da civilização contra a religião mais
assassina inventada desde as sociedades cósmicas anteriores à Revelação.
Autor: Flavio Morgenstern
Via: sensoincomum.org