Os arminianos querem que a
vontade seja livre de interferência externa. Frequentemente eles dizem que, em
particular, Deus nunca atropela o nosso livre-arbítrio. Essa liberdade das
causas externas é suposta para salvaguardar a nossa integridade e assegurar a
nossa responsabilidade. Mas o que se entende por isso — que a vontade é livre
de causação? Muitas vezes, esse problema é contornado dizendo-se que a vontade
é auto-causada. Isso não significa que a vontade cria a si própria, mas que
seus movimentos de escolher o curso de uma ação sobre outro são automotivados e
espontâneos. A vontade é auto-movida em resposta ao que a mente conhece e pode
causar tanto a ação em resposta às influências ou igualmente a resistência a elas. A vontade é livre para seguir ou resistir a qualquer que seja a opção que
a mente lhe apresente.
O problema mais sério aqui é
que esse tipo de espontaneidade é indistinguível do acaso. Precisamos apenas
perguntar: O que faz com que a vontade escolha um caminho e não outro?. Se
ela não é causada, ela é puramente acaso. Se ela é causada para agir, então ela
não é livre de causação. Não faz diferença para este argumento se a causa é
interna para a personalidade ou se afeta de fora; contudo, visto que os
arminianos estão oferecendo o livre-arbítrio como uma categoria de explicação
sobre como os seres humanos funcionam, eles são obrigados a decidir sobre o que
eles querem dizer por livre. Se eles admitem que as ações da vontade são causadas,
eles escorregam para algum tipo de determinismo, mas se eles não admitem que a
vontade seja causada, eles ficam num dilema pior, que esboçaremos agora em três
partes.
Em primeiro lugar, os
acontecimentos do acaso não podem ser a essência do caráter. Quando dizemos que
as pessoas possuem um “bom caráter”, queremos dizer que elas são pessoas
moralmente predizíveis — que elas podem ser confiáveis para fazer o que é
certo, mesmo que estejam sob forte influência para fazer o que é errado. Uma
pessoa que age ao acaso, cujas decisões morais não podem ser distintas dos
acontecimentos meramente fortuitos, não somente possui um “mau caráter”, não
sendo confiável, mas de fato pode não possuir um caráter discernível. Uma
personalidade totalmente ao acaso seria indistinguível de uma personalidade
desintegrada ou insana. Em outras palavras, se a vontade é meramente espontânea
em suas ações, caráter algum poderia ser formado.
Em segundo lugar, a menos que
as ações da vontade estejam diretamente presas ao caráter, como podemos ser
considerados responsáveis pelas nossas ações? Como pode uma pessoa ser
considerada responsável por acontecimentos do acaso? Se os atos da vontade não
são causados de modo que eles sejam realmente manifestações do caráter, como
eles podem ser minhas ações mais do que o resultado do tirar a sorte com uma
moeda? O fato é que não podemos ser considerados responsáveis por um
acontecimento do acaso, simplesmente porque não exercemos nenhuma influência
causal. Eu posso ser considerado responsável por tirar a sorte com uma moeda,
visto que eu provoquei a queda da moeda, mas eu não posso ser responsável por
fazê-la cair de um lado ou de outro. Em outras palavras, a verdadeira ideia de
responsabilidade depende da causação. Portanto, a teoria do livre-arbítrio
destrói a responsabilidade em vez de apoiá-la. O caso imaginário que vem a
seguir é pertinente.
Lord Bertrand Russell viveu
como ateu a sua vida inteira desde os 14 anos de idade, até a sua morte, em
1970, aos 98. Com frequência, ele debateu e escreveu contra o cristianismo.
Suponha que ele chegue ao juízo final com o seguinte argumento: “Agora, eu
percebo que estava errado a respeito de não haver nenhum Deus, mas eu não vejo
como tu podes mandar-me para o inferno. Afinal de contas, tu me criaste com um
livre-arbítrio e nunca fizeste qualquer esforço para que eu evitasse agir de
acordo com os seus ditames. Este livre-arbítrio tem sido sempre autônomo de
qualquer causação anterior e de teu controle particular. Embora eu tenha
pensado frequentemente que talvez fosse melhor se o meu livre-arbítrio tivesse
agido de acordo com o meu intelecto, algumas vezes ele o fez, mas outras não.
De fato, ele não parece agir segundo qualquer padrão. Pelo fato de que ele é
uma causa não causada de minhas ações, ele parece fazer todas as coisas ao
acaso, sendo, portanto, imprevisível. Eu não tive nenhum real controle sobre
ele, visto que tu o criaste autônomo. Simplesmente eu não sou responsável pelos
acontecimentos fortuitos que eu não posso controlar ou prever. Como podes tu
enviar-me para o inferno por causa de ações surgidas de um livre-arbítrio que,
pelo fato de ele ser livre, não está também sob o meu controle?”. Deixaremos
aos arminianos a tarefa de encontrar a solução para esse problema.
Em terceiro lugar, a pergunta a ser
enfatizada é: como pode uma vontade puramente espontânea (automovida) dar
início a uma ação? Se a vontade é neutra e não predeterminada para agir de um
modo ou de outro, o que faz com que ela aja? Se ela parte do neutro, como ela
pode sair desse centro morto? Se é dito que a vontade é “induzida” ou “levada”
ou “influenciada” para agir, devemos insistir que essas são meramente palavras
para diferentes tipos de causação. Somos novamente forçados a enfrentar o
problema do que realmente se quer dizer pela vontade ser livre de causação. Ou
ele age puramente por acaso, ou parece que não o faz de maneira alguma. Isso,
naturalmente, destrói totalmente a possibilidade de crescimento em santidade,
que foi uma preocupação especial dos arminianos posteriores.
Há outros problemas associados
com o que influência realmente significa. A persuasão moral e o argumento
baseado na razão são causas da ação ou da direção da vontade? Alguns
evangelistas arminianos seguem Finney na crença de que a vontade pode e deve
ser movida à fé em Cristo pelo uso do raciocínio e dos exemplos morais.
Portanto, eles fazem o uso total das evidências e usam outros argumentos
apologéticos para convencer o pecador a crer, arranjando histórias morais e
frequentemente emocionais para induzir a vontade à fé. O livre-arbítrio é,
aparentemente, ainda capaz de fazer uma escolha livre entre a crença e a
incredulidade.
Mas, se a vontade age porque é
convencida pela razão e induzida pela emoção ou pelo exame moral, como isso
realmente difere de ser causada por um ato ou manipulação exterior? Se é
objetado que ela ainda age livremente quando as evidências lhe são apresentadas
(i.e., as persuasões não foram causais), por que as evidências e as razões são
ainda necessárias? Seria melhor deixar a vontade autônoma decidir por si mesma,
sem ser influenciada por qualquer momento. De fato, parece que, mesmo o fato de
apenas ouvirmos um argumento seria uma ameaça explícita à nossa autonomia, à
nossa neutralidade moral. Se eu sou dominado ou empurrado por um argumento,
decidindo ir com a correnteza, o empurrão se torna uma causa da minha direção —
o argumento causou a minha escolha. O fato de que eu cooperei não faz nenhuma
diferença para o fato da causação.
A Bíblia deixa claro em muitas
passagens que a vontade não é moralmente neutra. Em Romanos 14.23, Paulo
conclui a sua explicação da razão pela qual nós sempre devemos agir de acordo
com a nossa consciência declarando que “tudo o que não provém da fé é pecado”.
Para Paulo, todos os movimentos morais brotam do princípio da fé ou, à revelia,
da carne — meros atos da natureza pecaminosa. Portanto, não pode haver tais
ações moralmente neutras, incluindo os atos da vontade. Em Hebreus 11.6, é-nos
dito, de modo semelhante, que “sem fé é impossível agradar a Deus”, mas isso
parece novamente levar à conclusão de que todos os atos humanos são ou não
motivados pela fé. Jesus diz no evangelho de João que qualquer que não crê “já
está julgado”, e que se uma pessoa continua a rejeitar Cristo, “permanece a ira
de Deus [continuamente] sobre ele” (3.18, ênfase minha). Isso não é o mesmo que
dizer que a situação do pecador é neutra até que ele decida por Cristo, mas que
ela já está estabelecida — cada pessoa é justificada ou está presentemente
debaixo de condenação. Como pode haver qualquer território de neutralidade
moral num universo criado por um Deus justo?
Autor: R.
K. MacGregor Wright
Trecho extraído do livro A soberania banida, pág 49-52.