18 de setembro de 2016

O Pecado Contra o Espírito Santo


A Sagrada Escritura menciona apenas um pecado que, nesta vida e na vida futura, é imperdoável: a blasfêmia contra o Espírito Santo. Não há referência a isso no Antigo Testamento, embora [devamos nos lembrar que] pelos pecados cometidos “com a mão levantada” (Nm 15.30), nenhum sacrifício tenha sido instituído na lei, porque colocava de lado a própria lei (cf, Hb 10.28). Jesus é o primeiro a falar dele (Mt 12.31; Mc 3.29; Lc 12.10). Certa vez, quando curou completamente um endemoninhado que também era cego e mudo, as multidões ficaram tão maravilhadas que reconheceram Jesus como o filho de Davi, o Cristo. Como resultado, os fariseus ficaram tão enfurecidos que disseram não somente que ele expulsava demônios pelo príncipe dos demônios, mas também que ele mesmo estava possuído pelo diabo (Mc 3.22). Essa acusação foi motivada somente pelo ódio, nascendo de uma hostilidade pura, consciente e intencional. Em Mateus 12.25-30, Jesus também demonstra a verdade disso: um reino dividido contra si mesmo não pode permanecer. Satanás não pode expulsar a si mesmo, por isso a expulsão de Satanás é prova de que o reino de Deus veio sobre eles. Jesus expulsou o diabo pelo Espírito de Deus.

A antítese entre Jesus e os fariseus, portanto, alcançou, aqui, seu momento de máxima tensão. Eles disseram que Jesus estava possuído, se surpreenderam pelo poder do diabo, e, assim, estabeleceram o reino do diabo. Jesus declarou que ele é o Cristo, que expulsa o diabo pelo Espírito de Deus, e, assim, traz o reino de Deus sobre eles. Nesse cenário e motivado por essa ocasião, falou sobre a blasfêmia contra o Espírito Santo como o pecado imperdoável. Quer as pessoas pensem que, nesse momento, os fariseus realmente cometeram esse pecado quer neguem isso (entre outras coisas porque o Espírito ainda não havia sido derramado, Jo 7.39), o contexto deixa claro que o pecado contra o Espírito Santo tem de consistir em uma blasfêmia consciente, deliberada e intencional – claramente reconhecida, embora odiosamente atribuída ao diabo – revelação da graça de Deus em Cristo pelo Espírito Santo.

A blasfêmia contra o Espírito Santo, portanto, não consiste simplesmente em incredulidade, nem em resistir e ofender o Espírito Santo em geral, nem em negar a personalidade ou a divindade do Espírito Santo, nem em pecar contra a inteligência divina, mas fazê-lo até o fim sem o mínimo remorso. Nem é apenas um pecado contra a lei, mas também um pecado especificamente contra o evangelho em sua mais clara manifestação. Há muita coisa, portanto, que o precede: objetivamente, uma revelação da graça de Deus em Cristo, a proximidade de seu reino, uma obra poderosa do Espírito Santo; e, subjetivamente, uma iluminação e convicção da mente tão intensas e poderosas que não se pode negar a verdade de Deus e tem-se de reconhecê-lo como ser divino. Nesse caso, ele não consiste em dúvida a respeito da negação dessa verdade, mas em uma negação que contradiz a convicção da mente, a iluminação da consciência e as intuições do coração. Ele, então, consiste em uma atribuição consciente e deliberada daquilo que foi claramente percebido como obra de Deus à influência e atividade de Satanás, isto é, na deliberada blasfêmia contra o Espírito Santo, uma declaração desafiadora de que o Espírito Santo é o espírito do abismo, de que a verdade é uma mentira, de que Cristo é o próprio Satanás. Sua motivação, então, é o ódio consciente e intencional contra Deus e contra aquilo que é reconhecido como divino. Sua essência é pecado em sua manifestação máxima, a revolução completa e consumada, colocando Deus no lugar de Satanás e Satanás no lugar de Deus. Seu caráter não é mais humano, mas demoníaco. Embora os demônios não cometam esse pecado nessa forma particular, já que a graça de Deus não foi revelada a eles, Cristo não assumiu sua natureza, o Espírito Santo não foi derramado sobre eles e o reino de Deus não veio sobre eles, o pecado demoníaco tem o mesmo caráter da blasfêmia contra o Espírito Santo. Também por essa razão, ele é imperdoável. 

A graça de Deus, de fato, não é pequena demais e impotente demais para perdoá-lo, mas também no campo do pecado existem leis e ordenanças que Deus implantou e sustenta. E, a respeito desse pecado, a lei consiste no fato de que ele exclui todo arrependimento, cauteriza a consciência, endurece definitivamente o pecador e, dessa forma, torna seus pecados imperdoáveis.

Fora dos Evangelhos, não há em nenhum lugar da Escritura nenhuma menção direta desse pecado, mas esse ato de blasfêmia contra o Espírito Santo pode ser cometido em várias circunstâncias. Por isso lemos em Hebreus 6.4-8; 10.25-29 (c/ 2.3; 4.1; 12.15-17) que “aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tomaram participantes do Espírito Santo”, retomando ao Judaísmo, desdenham, crucificam e expõem o Filho de Deus à ignomínia, profanam o sangue da nova aliança e afrontam o Espírito da graça, não podem ser renovados para arrependimento. Em 1 João 5.16, semelhantemente, encontramos um testemunho com o propósito de mostrar que há um pecado que, em virtude de sua própria natureza, necessariamente conduz à morte sem conversão e pelo qual João não diz, isto é, não ordena, que se deve orar. Essa oração, se fosse permitida, seria infrutífera. No contexto da carta de João como um todo, é provável que ele esteja pensando em uma firme e deliberada negação de Cristo como o Filho encarnado de Deus. Portanto, em ambas as passagens, estamos lidando com pecados que deixam a pessoa completamente endurecida e são, portanto, inerentemente imperdoáveis. Factual e materialmente, eles coincidem com o pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo.79



NOTA:

79. Sobre a abundância de literatura sobre esse assunto, devo mencionar apenas o seguinte: T. Aquino, Summa theol., II, 2, q. 14, art. 1; P. Lombardo, et. a i, Sent.; II, dist. 43; C. Vitringa, Doctr. Christ., II, 378; J. G. Walch, Bibliotheca theologica selecta, 4 vols. (Jenae: vid. Croeckerianal, 1757-65), I, 8 8,254; P. Schaff, Die Sunde wider den heiligen Geist und die daraus gezogenen dogm atischen und ethischen Folgerungen (Halle: Lippert, 1841); J. Müller, Christian Doctrine of Sin, II, 596; C. Clemen, Die christliche Lehre von der Sunde, I, 89-100; A. von Oettingen, Luth. Dogm ., II, 526ss.



Autor: Herman Bavinck
Trecho extraído da Dogmática Reformada do autor, volume 3, pág 160-161. Editora: Cultura Cristã