Um dos desafios mais difíceis
de abordar na vida cristã é o nosso relacionamento com os outros cristãos. É
como andar numa corda bamba com pesos pesados em cada extremidade do nosso polo.
Por um lado, é mandamento bíblico se unir com cristãos professos, enquanto no outro,
é exigência bíblica separa-se deles em certos momentos.
“Uni-vos!” “Dividem-se!” Complicado e desafiador, não é? Não seria muito mais fácil se pudéssemos escolher um ou o outro? Alguns fazem. Eles decidem se separar de todos que não concordam com eles em tudo, produzindo dissidência pecaminosa e divisão no corpo de Cristo. Outros, porém, decidem que não há praticamente nada que justifique a separação de ninguém e se unem em aliança profana com qualquer um que se diz cristão, não importando o que ele acredita.
Mas ambos são extremos antibíblicos
que nos tornam desequilibrados, derrubando-nos no pecado. Embora possamos
preferir uma vida mais simples, Deus nos chama para caminhar nesta corda bamba
precária, levando ambos os pesos nas extremidades do nosso polo.
Dito isso, o equilíbrio da
Escritura sugere que o peso maior está no lado da unidade e um pouco na
divisão. Isso faz sentido, porque uma das grandes consequências do pecado tem
sido dividir as pessoas de Deus e as pessoas de pessoas. Nosso padrão de pecado
natural é a separação. É por isso que há tantos versículos na Bíblia que são mencionados
para o fortalecimento do amor e da unidade entre os cristãos. Deus nos chama
para fazer da unidade o nosso ponto de partida, o nosso instinto, o nosso
padrão. Nós procuramos razões para confiar e se unir antes das razões para a desconfiança
e a divisão.
Ao fazermos isso, vamos tomar
decisões diferentes sobre a natureza das nossas relações com outros cristãos. E
não é apenas o nosso relacionamento com os cristãos individuais a si
considerar. Nós também temos que decidir como iremos nos relacionar com igrejas
individuais, denominações, ou associações de igrejas (por exemplo, a Igreja
Presbiteriana na América, a Batista do Sul, e assim por diante), bem como
ministérios cristãos como o “Ligonier”, o Evangelho da Aliança, e outros.
CRITÉRIOS PARA A SEPARAÇÃO
Bem, começamos com o equilíbrio
bíblico, inclinando-se um pouco em direção à unidade e, em seguida, começamos a
entrar em contato com os cristãos, igrejas e ministérios sobre os quais temos
de tomar decisões sobre relacionamento. Antes de olharmos para os diferentes
tipos de relacionamentos e associações que podem resultar, precisamos de alguns
critérios para nos ajudar a decidir qual o caminho devemos percorrer.
Há quatro áreas para se
considerar quando decidirmos a natureza de uma relação com outros cristãos. A
área mais importante é a doutrina. Como a unidade dos cristãos é a unidade na
verdade, devemos perguntar o que este ou aquela igreja cristã acredita.
Contudo, mesmo antes disso,
nós temos que perguntar quais as doutrinas que são fundamentais e inegociáveis?
Devemos insistir em completo acordo sobre cada verdade antes de ter qualquer
tipo de associação com qualquer cristão ou igreja? Se for assim, um vai acabar se
unindo apenas consigo mesmo.
É por isso que precisamos de
uma escala móvel das verdades bíblicas e dos princípios que irão determinar até
que ponto devemos nos unir ou separar. No topo dessa escala, podemos colocar a
infalibilidade das Escrituras, a Trindade, a divindade de Cristo, a
justificação pela fé, Jesus como o único caminho para Deus, e outras verdades
primárias. Sem o fundamento básico de que tais verdades fornecem, não pode
haver relação espiritual de qualquer tipo.
Então, passando para baixo na
lista, nós veremos as questões como o batismo, o papel das mulheres,
escatologia, e outras que, embora importantes, não pode justificar a separação
total. Obviamente, o mais abaixo na lista pode caminhar com alguém, quanto
maior o grau da unidade dos cristãos e quanto mais próximo o relacionamento
pode ser.
Além da doutrina, outra área
que será necessário considerar é a prática. Independentemente do que a igreja
ou a pessoa diz acreditar, o que eles realmente fazem? Uma terceira área de
preocupação é a relação da igreja ou dos cristãos com os outros. Vamos examinar
isso em “separação secundária”, mais adiante; no entanto, pode ser que o
relacionamento de um grupo com outros que negam as verdades basilares e as
doutrinas pode ser a razão de decidirmos não ter comunhão com esta pessoa ou
grupo.
Em quarto lugar, a disciplina
da igreja também afeta se e em como se relacionar com alguém. Se uma pessoa que tem
pecado está sob a disciplina de sua igreja, teremos de decidir a melhor forma de
podermos apoiar a disciplina de nosso relacionamento com o agressor.
SETE RELAÇÕES E ASSOCIAÇÕES
DIFERENTES
Com esses critérios em mente,
aqui estão as principais categorias de relações que podemos ter com outros
cristãos.
A
unidade espiritual
Esta é a união essencial que
cada cristão tem com Deus e com outros cristãos por meio do Espírito de
Cristo. Pode haver muita discordância visível e divisão verbal entre os
cristãos, mas há uma união espiritual invisível e inquebrável que conecta cada
crente no corpo espiritual de Cristo.
Ecumenismo
A palavra grega oikoumene significa “todo mundo
habitado”, e originalmente se referia ao Império Romano. A igreja assumiu esta
palavra, sendo usada para descrever a unidade em todo o mundo visível entre as
igrejas cristãs. É por isso que alguns dos conselhos da igreja primitiva
produziram credos ecumênicos, refletindo a unidade visível na verdade por toda
a igreja no mundo todo.
Mais recentemente, a Igreja
Católica Romana tem promovido o ecumenismo como uma maneira de trazer os
cristãos e as igrejas de volta para a Igreja Católica Romana, geralmente à
custa da verdade.
Contudo, apenas porque a
palavra foi pervertida e abusada, não significa que seja uma má palavra. Cada
cristão e cada igreja tem o dever de procurar e promover a verdadeira “ecumenicidade”
– a unidade visível na verdade. Quando bem feita, é uma testemunha convincente
à natureza e ao poder do evangelho.
Associação
Apesar das valentes tentativas
para promover o ecumenismo bíblico, às vezes as diferenças entre as igrejas são
grandes demais para produzir a união eclesiástica. Porém, mesmo quando as
igrejas decidem não se unir, elas ainda podem desfrutar de algum nível de
relacionamento, muitas vezes chamado de associação. Isso pode variar de aceitar
um ministro de outra igreja trabalhando em projetos conjuntos, apoio
financeiro, e até mesmo um simples reconhecimento e correspondência.
Mas um grande cuidado é
geralmente necessário para navegar nisto, como há sempre o perigo de se ignorar
a divergência fundamental sobre a natureza do evangelho quando nos unimos para
trabalhar em questões menos importantes. Em uma associação formal, todos devem
concordar sobre as grandes verdades, e divergências devem ser limitadas às
áreas menos vitais da doutrina.
Endosso
E se não houver uma base comum
suficiente para se unir ou mesmo se associar formalmente? Isso significa que a
única opção que resta é a separação? Não, pois é possível aprovar alguns aspectos
de uma igreja ou o testemunho de uma pessoa sem concordar com eles em tudo.
Talvez um pastor de uma igreja escreva um excelente livro sobre a
justificação, mas não estamos de acordo com a sua visão acerca do milênio.
Podemos aprovar o livro, ao passo que tomamos cuidado para não oferecermos uma
latente aprovação para todo o resto.
Amizade
Mesmo que não posa haver união
ou associação visível e formal sobre o nível institucional ou organizacional,
isso não significa que não possa haver unidade em tudo em um nível pessoal.
Pelo contrário, relacionamentos e amizades cristãs informais podem ser uma
poderosa advertência sobre a nossa unidade subjacente e o amor prático que
temos um pelo outro.
Separação
Infelizmente, as divergências
doutrinárias e práticas entre igrejas e cristãos são, por vezes, tão sérias e
substanciais que não há realmente nenhuma opção, a não ser a separação, tanto a
nível institucional como pessoal. Não podemos nos unir, não podemos nos associar,
não podemos estar de acordo, e não podemos até mesmo permanecer amigos.
Por exemplo, se uma igreja ou crente nega a justificação pela fé, sozinho, ou as reivindicações exclusivas de Cristo, essas heresias irão de encontro ao coração da fé cristã e não podem ser omitidas. Em tais casos, nós podemos e devemos nos separar completamente. Este tipo de separação, entretanto, deve ser o último recurso, e deve ser reservado para os casos mais graves. Normalmente, será também necessário explicar publicamente as razões para a separação e até mesmo emitir um comunicado sobre o assunto.
Separação
secundária
Em 1963, Billy Graham pediu a
Martyn Lloyd-Jones se ele presidisse o primeiro Congresso Mundial de Evangelismo.
Lloyd-Jones disse que ficaria feliz em fazê-lo, porém se Graham não incluísse liberais, católicos romanos e funcionários em sua plataforma de cruzada. Eles conversaram
por três horas, mas quando Graham recusou-se a concordar com isso, Lloyd-Jones
disse que não poderia dar qualquer apoio ou endosso às campanhas de Graham.
Lloyd-Jones tinha um grande respeito por Billy Graham, mas separado dele
formalmente por causa de suas associações com os outros.
Isso é separação secundária,
e, mais uma vez, deve ser limitada a negação de verdades bíblicas primárias, ou
então vamos acabar em uma igreja única, isolada e completamente sozinha.
Discernimento
piedoso
A natureza de nossas relações
com os outros é uma das áreas mais difíceis na nossa vida e do testemunho
cristão. Precisamos estar em oração examinando as Escrituras para permanecermos
sensíveis ao Espírito da verdade, se queremos atravessar com segurança esse fio
de alta santidade.
Autor:
David Murray
Fonte:
Ligonier Ministries
Tradução:
Leonardo Dâmaso
Divulgação:
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