22 de setembro de 2016

A Corrupção Radical e o Chamado Eficaz em 1 Pedro


A MISSÃO DOS CRISTÃOS NO MUNDO (2.9b-10)

2.9b ... a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; 10 vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançaste misericórdia.

Após descrever quatro características da privilegiada identidade dos cristãos como o povo escolhido de Deus (vs.9a), Pedro termina este capítulo sobre o crescimento espiritual dos cristãos falando da missão deles como igreja. Como na parte anterior do versículo 9, Pedro, nesta segunda parte, também recorre não diretamente, mas implicitamente ao Antigo Testamento, aludindo, desta vez, a Isaías 42.16.

Qual é a missão da igreja no mundo? Evangelizar, que consiste em:

1. Anunciar as obras de Deus realizadas no seu povo

Pedro afirma que os seus leitores históricos e todos os cristãos foram comissionados a propagar as grandezas de Deus em suas vidas. Sendo assim, quais são os feitos que devem ser anunciados?

O chamado das trevas para a luz

Pedro salienta que, em tempos passados, especificamente antes da conversão (1.14, 18), os cristãos viviam em trevas. A palavra virtudes, no grego ρετας (aretes), “era um termo amplamente difundido na época e muito importante na concepção ética e religiosa do helenismo. Estão em vista as grandes obras de Deus na história do seu povo. Esses feitos maravilhosos de Deus tratam da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo como a transformação libertadora do homem e do seu mundo”.46

A ideia do êxodo (libertação) do povo de Deus da escravidão do pecado alude a Isaías 43.20-21. “As grandezas de Deus que Isaías tem em vista são manifestadas na libertação de seu povo do exílio. As grandezas que Pedro tem em vista manifestam-se na salvação e transformação de seu povo e na esperança de que eles venham a consumar essa transformação — a qual foi alcançada pelo ministério, morte e ressurreição do próprio Filho de Deus”.47 Não obstante, também estão patentes aqui as virtudes de Deus, “como poder, glória, sabedoria, graça, misericórdia, amor e santidade. Por meio de sua conduta, os cristãos devem testemunhar que são filhos da luz, e não das trevas (lTs 5.4)”.48

Todavia, Pedro descreve o chamado para a salvação através das figuras trevas e luz, as quais sinalizam um austero contraste (veja Jo 3.19-21; At 26.18; Rm 2.17-19; 2Co 6.14). As trevas ilustram o caminho de perdição; o estado de escuridão moral e espiritual em que os homens não convertidos se encontram. “São o emblema da ignorância, do pecado e da miséria, e refere-se à condição do homem antes da conversão”.49 Destarte, vemos que Pedro, aqui, enfatiza o estado de “ignorância espiritual e depravação moral” em que o homem se encontra: completamente morto em pecado (Ef 2.1-3; Cl 2.13). 

A “corrupção radical” ou “depravação total” é uma das doutrinas centrais da fé cristã. A luz, por sua vez, “representa o estado daqueles que são levados ao conhecimento do evangelho”;50 denota o caminho da salvação neste contexto (veja Cl 1.13; 1Ts 5.4-5). O adjetivo maravilhosa indica que a luz que liberta o homem das trevas é algo “extraordinário, surpreendente, admirável”.

Contudo, Pedro declara implicitamente que os homens, na condição de morte espiritual, são incapazes de se voltarem das trevas para luz, e que somente Deus, pela sua graça soberana, pode chamar eficazmente seus eleitos ainda não convertidos das trevas para a sua inefável luz. O que ele faz é simplesmente lembrar os seus primeiros destinatários e os cristãos em geral que o chamado das trevas da perdição para a luz da salvação é soberano, poderoso e impossível de ser rejeitado por aqueles que tiveram seus corações transformados pela regeneração (veja Ez 36.26-27; At 16.14). Portanto, vemos mais uma doutrina central da fé cristã destacada aqui, a saber, a “graça irresistível” ou “chamado eficaz”.

APLICAÇÃO PRÁTICA

Hernandes Dias Lopes acentua que Somos embaixadores dos atributos de Deus e de seus gloriosos feitos. Não podemos calar nossa voz. Não podemos guardar para nós essa mensagem. Precisamos proclamar em alto e bom som quem é Deus e o que ele fez por nós em Cristo Jesus.51 Uwe Holmer ratifica, dizendo que quem experimentou a intervenção resgatadora de Deus em sua vida não pode silenciar a esse respeito, uma vez que sabe que foi arrancado do âmbito de poder das trevas e transferido para o senhorio libertador do Ressuscitado.52 A nossa missão, como igreja de Cristo, consiste em declarar através do evangelismo as maravilhas que Deus fez e tem feito na vida do seu povo.



NOTAS:

46. Ênio Mueller. 1 Pedro – Introdução e Comentário, pág 137.
47. D.A. Carson. Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. 1 Pedro, pág 1262.
48. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 127.
49. Albert Barnes. Comentário Expositivo online de 1 Pedro, disponível em: http://www.studylight.org/commentaries/bnb/1-peter-2.html
50. Ibid.
51. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 76.
52. Uwe Holmer. Comentário Esperança. 1 Pedro, pág 34.



Autor: Leonardo Dâmaso
Trecho extraído do Comentário Expositivo de 1 Pedro do autor.