A doutrina da criação em si
mesma exige um alto grau de determinismo. Consistentemente a Bíblia apóia isso
com abundantes preceitos e exemplos. Já observamos que Deus reivindica controlar
as decisões humanas, desde as decisões de um rei até o arremesso de um dado. Um
exemplo disso no Novo Testamento é encontrado em João 19. O salmista havia dito
dez séculos antes que o Messias teria as suas roupas repartidas pelo lançar da
sorte, em conexão com a sua morte (Salmo 22.18). Os soldados responsáveis pela
execução de Jesus Cristo observaram que uma de suas vestes era sem costura,
sendo tecida de alto a baixo, o que a tornava uma peça bastante cara e que havia
sido deixada intacta. Assim, eles decidiram lançar sortes sobre ela, ao invés
de rasgá-la para dividirem-na entre si “para se cumprir a Escritura: Repartiram
entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes”.
Numerosas decisões do livre-arbítrio contribuíram para esse cumprimento, desde a confecção amorosa que alguém fez daquela túnica para que Jesus a usasse, até o fato de Jesus usá-la naquele dia para que os soldados lançassem sortes sobre ela. Inúmeras outras escolhas humanas foram necessárias para que esses detalhes estivessem juntos. A predição também contém muitos outros elementos distinguíveis. Como uma predição, ela exigiu um conhecimento detalhado anterior de um simples momento histórico que se daria num futuro distante. Ou Deus viu uma cópia roubada do filme, ou seu conhecimento detalhado foi realmente um conhecimento de seus próprios planos, incluindo necessariamente todas as decisões do livre-arbítrio que compuseram o evento. Tivesse qualquer uma daquelas escolhas humanas sido diferente naquele dia, a predição teria sido invalidada e todos os anjos, olhando por sobre a beira das nuvens, teriam ficado desapontados (1Pe 1.12).
O arminianismo parece estar
apegado à idéia de que as predições de Deus são simplesmente meras adivinhações
que, de algum modo, sempre tornam-se certas na Bíblia. Mas isso é ou puro acaso
ou predeterminação sem a palavra determinismo. Ninguém escapa de alguma espécie
de determinismo, e postular o livre-arbítrio não ajuda em nada.
Para terminar essa
consideração da negação humanista da determinação divina, voltaremos às duas
narrativas da morte de Jesus em Atos 2.22-36 e 4.27-28. Na primeira passagem,
Pedro diz: “sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de
Deus” (v.23). De fato, “não era possível que ele fosse retido pela morte”
(v.24), porque Deus predisse que ele ressuscitaria dos mortos nos Salmos. Em outras palavras, porque foi
predito, não era possível acontecer de outra forma a ele. Na segunda passagem,
Pedro e João afirmam numa oração que os inimigos de Jesus “se ajuntaram nesta cidade
contra o teu santo servo Jesus para fazerem tudo o que a tua mão e o teu
propósito predeterminaram”.
A Bíblia ensina que, longe de
ser uma espécie de acaso, dependente das vontades livres dos pecadores, a
crucificação, o assassinato judicial mais repugnante e injusto da História, foi
expressamente planejado e levado a efeito de acordo com a explícita
predestinação de Deus, mesmo em todos os seus microscópicos detalhes
envolvidos (não se esqueça da túnica sem costura) e cumprido exatamente como
ele quis. Devemos nos lembrar de que Isaías 53, como parte do grande argumento
para o monoteísmo em Isaías 40-5 5, afirma que “ao Senhor agradou moê-lo,
fazendo-o enfermar” (v. 10). Mas se o maior de todos os males foi predestinado,
o que podemos dizer dos numerosos, mas sérios males menores?
Jó diz que Deus pode fazer qualquer coisa que ele quiser; Isaías diz que Deus realmente faz tudo que ele pretende fazer, e Paulo diz, em Efésios 1.11, que ele “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. Podemos unicamente concluir que “a mente do Espírito” neste assunto é totalmente uniforme por toda a Bíblia (ver 1 Coríntios 2.6-16).
Quando Jesus quis enfatizar
que o controle de Deus sobre os detalhes é total, ele escolheu ilustrações
retiradas dos eventos pequenos e triviais de nossa experiência comum. Ele disse
que Deus conta todos os cabelos de nossa cabeça (Mateus 10.30) e que nenhum
pardal cai do céu sem que o ser de Deus esteja envolvido (Lucas 12.6-7).
Tivesse o Senhor vivido no século XX, ele poderia ter dito: “A soberania
exaustiva de Deus se estende, à posição e à velocidade de cada partícula
subatômica desde o último elétron na unha do seu dedo, até a menor partícula do
pó cósmico sobre a extremidade mais longínqua da mais distante galáxia; ‘Eu, o
Senhor, faço todas estas coisas’ (Is 45.7), mas você vale mais para mim do que
qualquer número de partículas subatômicas”.
A Bíblia não poupa esforços
para incluir no controle de Deus as funções decisórias da mente humana. Em 2
Tessalonicenses 2.11, Paulo diz que Deus manda para os ímpios “a operação do
erro” a fim de prepará-los para o juízo. Em 1 Samuel 16, Deus envia um espírito
mau para atormentar o ímpio Saul e para levá-lo à beira da loucura. Em 1 Reis
22, Deus convida um espírito maligno (ou é apenas um ser angélico perfeitamente
bom que concorda em obedecer a Deus?) para enganar o rei Acabe por mentir-lhe
por meio de seus profetas. O resultado desse engano é a ferida mortal de Acabe
em Ramote Gileade. O escritor observa laconicamente que algum soldado
desconhecido atirou com seu arco “por acaso”, e a flecha achou um buraco na
armadura de Acabe. O soldado não estava nem mesmo mirando diretamente, mas
Acabe sangrou até a morte naquela tarde, como predito. Seu último ato político
havia sido a preocupação de perseguir Micaías, o profeta de Deus. Os ímpios, ao
que parece, morrem do modo que eles vivem.
Falando de um modo mais
categórico, Paulo nos diz que à medida que o cristão cresce em graça, Deus faz
as duas coisas: induz o crente às decisões corretas e causa a feitura delas,
uma vez que elas foram induzidas (Fp 2.13). Sem esse grau de controle e de
interferência, nunca seríamos santificados.
Paulo também diz que a
ausência de revelação pode produzir certos efeitos que Deus quer (1 Co 2.6-8). Ele diz aqui que, se as pessoas que fizeram os arranjos para a execução
de Cristo tivessem tido qualquer noção das revelações feitas a Paulo, “eles
nunca teriam crucificado o Senhor da glória”. Isto é, Deus teria evitado muitos
males simplesmente por fazer revelações diretas, como o próprio Jesus disse em
Mateus 11.21 a respeito das cidades de Tiro e Sidom.
Nossa conclusão de tão pequena
seleção de evidências é que não há qualquer evento físico ou mental na criação
que não seja controlado por Deus. Versos adicionais para serem considerados incluem
Daniel 4.35; Salmos 147.5; Eclesiastes 3.11; João 6.64; Efésios 3.9 e
Apocalipse 1.18.
Autor: R.
K. Mc Gregor Wright
Trecho extraído do livro Soberania Banida, pág 210-213. Editora: Cultura Cristã
Via: Monergismo