Quando eu ensino sobre o
Islamismo, seja no seminário ou em uma igreja, invariavelmente eu recebo perguntas que
começam assim: “O que é um muçulmano”? Minha resposta padrão é
outra pergunta: “Qual muçulmano”?
Imagine alguém fazendo uma
pergunta paralela: “O que um cristão deve pensar em tal e tal?” Bem, que tipo
de cristão? Da Presbiteriana conservadora ou da Batista do Sul? Um liberal
Metodista? Um Pentecostal? Um copta?1 Um membro de uma igreja
plantada em Seattle ou uma igreja batista fundamentalista no sul? Um pastor, um
estudioso ou um leigo? Um americano, um norueguês, um ucraniano, um sírio, um ruandês,
ou um malaio? Tenho certeza de que você compreendeu a questão.
Na realidade, não existe tanta
diversidade no mundo muçulmano como existe no mundo cristão. Assim como não
queremos que os não cristãos não nos classifiquem com “um serve para todas” as
visões do cristianismo, devemos reconhecer e responder adequadamente à
pluralidade de perspectivas, tradições e práticas que existem entre os
muçulmanos contemporâneos. Neste artigo, vamos examinar alguns dos principais pontos
de diversidade encontrados no Islamismo hoje e considerar as implicações de
como nos envolvemos com os muçulmanos.
Decerto, a divisão mais proeminente no mundo islâmico é entre sunitas e xiitas, que remonta a severos conflitos internos nas primeiras décadas do Islamismo. Os sunitas representam cerca de 90 por cento dos muçulmanos hoje. Os únicos países com uma maioria xiita são o Irão, o Iraque, Azerbaijão e Bahrein. Em alguns aspectos, a divisão entre sunitas e xiitas no Islamismo pode ser comparada com a rixa Leste-Oeste no cristianismo que separa a tradição teológica oriental (a Ortodoxia Oriental) a partir da tradição teológica ocidental (o protestantismo e o catolicismo romano), embora a analogia não deva ser pressionada.
A divergência central entre
sunitas e xiitas é mais política do que teológica concernente à liderança
legítima da “umma” (a comunidade muçulmana mundial). Xiitas insistem que a comunidade
deve ser liderada por “imãs” divinamente guiados, cada um dos quais é
descendente de Ali, primo e filho-de-lei de Maomé. Embora Ali tenha servido
como o quarto califa, xiitas acreditam que ele deve ter herdado o manto da
liderança logo após a morte de Maomé. Os xiitas estão divididos em outras
seitas, como a dominante “Twelvers” [Irmãos Doze], do Irã, por conta das discordâncias
sobre como traçar a linha de liderança através dos descendentes de Ali. Em
contraste, os sunitas acreditam que, em princípio, qualquer muçulmano piedoso
pode servir como califa. Xiitas tipicamente se veem como uma minoria
perseguida, mas justos ao longo da história islâmica. É honesto dizer que
sunitas e xiitas veem uns aos outros como não ortodoxos, quando não heréticos.
Outro aspecto importante da diversidade é representado pelo “Sufismo”, a tradição mística dentro do Islã. Grosseiramente falando, Sufis são os “carismáticos” do Islamismo. O sufismo não é um ramo separado ou uma seita do Islamismo ao lado de sunitas e xiitas Islâmicos, mas sim, uma abordagem mais experimental de piedade, que pode ser encontrada em ambos os grupos. O Sufismo foi desenvolvido originalmente no período medieval em reação ao legalismo árido da população Islâmica, que deu pouca atenção à espiritualidade pessoal e ao conhecimento experimental de Deus. No início, o Sufismo enfatizou Deus como uma unidade e flertou com o panteísmo, a visão de que Deus é um com o universo, ideia muito blasfema para os muçulmanos ortodoxos. Séculos mais tarde, o teólogo Al-Ghazali (1058-1111) trouxe o sufismo para imperar, reformulando-o em termos mais ortodoxos, onde a espiritualidade Sufi tem permanecido em um fluxo proeminente da religião islâmica desde então.
O sufismo realça a piedade
pessoal, a experiência mística, as disciplinas espirituais, como recitação,
meditação, ascese, oração e canto, que são pensamentos para conduzir a alma em uma
união mais próxima com Alá. Um dos principais e mais conhecidos grupos sufis é
a ordem “Mevlevi” ou “Derviches”, cujas “danças giratórias” são performances
não só artísticas, mas atos de devoção espiritual. Os sufis foram por muitas
vezes reputados como hereges e perseguidos pela maioria sunita. Ainda hoje,
eles são geralmente vistos com desconfiança e desprezo pelos muçulmanos
tradicionais por causa de suas crenças e práticas idiossincráticas.
Missionários cristãos que
trabalham com muçulmanos em países menos desenvolvidos estão muito
familiarizados com a estirpe diversificada e aberrante do Islamismo conhecida como o
“Povão Islâmico”. “Povão Islâmico” é a
versão islâmica da religião popular, um sistema de crença sincretista que
combina a religião monoteísta tradicional e animista com superstições pagãs. (A
título de comparação, pense das fusões do catolicismo romano e ocultismo
encontradas em partes do Caribe e América Latina.) O “Povão Islâmico” é
tipicamente muito mais preocupado com o aqui e agora, na proteção contra maus
espíritos, e em lidar com o sofrimento diariamente, do que o Islamismo
dominante é com a sua forte perspectiva escatológica.
Os adeptos do “Islamismo Popular”
observam diversas práticas supersticiosas, como repelir espíritos com
encantamentos e amuletos mágicos, e recitar versículos do Alcorão para produzir
curas milagrosas. Maomé tem o status de ser quase divino e invocado para
assistência sobrenatural, semelhante à forma como a Virgem Maria é tratada no
Catolicismo Romano popular. O “Islamismo Popular” apresenta desafios distintos
e oportunidades para missões cristãs. O missiologista reformado Samuel Zwemer
(1867-1952), apelidado de “o Apóstolo do Islamismo”, realizou uma pesquisa sobre a manifestação sincrética nesta ramificação do Islamismo,
observando que o Senhor Jesus aborda as necessidades e medos de muçulmanos populares
de uma forma que Maomé nunca poderia.
Os cristãos nos Estados Unidos
devem estar cientes de outra forma distinta e indígena do Islamismo encontrada
entre os afro-americanos. A assim chamada “Nação do Islamismo” (NOI) foi fundada
em 1930 por Wallace Fard Muhammad (nascido Wallace D. Ford) como um movimento predominantemente
negro. Originalmente, o NOI teve muito pouco a ver com o Islamismo ortodoxo. O
nome foi escolhido principalmente como um contraste com o cristianismo,
caracterizado como a religião do senhor de escravos brancos, combinado com a
visão de que o Islã é a religião Africana original. Os ensinamentos de seus
líderes originais foram tão longe como o Islamismo histórico, o mormonismo e o
Cristianismo ortodoxo.
Todavia, no final de 1970, o
líder do NOI, Wallace D. Muhammad, renunciou suas raízes racistas e trouxe a
organização em linha com a ortodoxa Islamista sunita, com a consequência de que
centenas de milhares de negros americanos entraram para o Islamismo dominante
de um dia para o outro. (Mais tarde, o NOI original foi ressuscitado como um
grupo separatista e continua até hoje sob a liderança de Louis Farrakhan.)
Hoje, um em cada cinco muçulmanos nos Estados Unidos é Africano-Americano, em
comparação com um em cada seis cristãos.
Os cristãos do Ocidente tendem
a identificar o Islamismo com a religião baseada no Alcorão fundamentalista
encontrada no Oriente Médio, África do Norte e do Sul e Sudeste Asiático – e
com razão. Mesmo assim, o fundamentalismo islâmico representa apenas uma das
várias direções em que o Islamismo está sendo governado hoje. O mundo islâmico
tem enfrentado uma crise de confiança desde a abolição do califado otomano em
1924. Desde então, não houve nenhum califado reconhecível que os muçulmanos considerassem
como líder. As várias dinastias islâmicas que dominavam a maior parte do mundo
civilizado em séculos anteriores caíram, e, consequentemente, os muçulmanos se
perguntam: “O que deu errado, e como podemos corrigir isso?”
Em geral, dois movimentos de
reforma muito diferentes surgiram em resposta a esta crise. O movimento fundamentalista
insiste que o Islamismo precisa retornar às suas raízes; os muçulmanos hoje,
incluindo os líderes dos países de maioria muçulmana, simplesmente não são
islâmicos o bastante. A solução proposta é um retorno a uma adesão firme ao
Alcorão e a Hadith (tradições sobre Maomé e a comunidade muçulmana primitiva).
Em contraste, o movimento progressista afirma que o Islamismo tem tropeçado
porque, ao contrário do Ocidente cristão, ele não foi capaz de chegar a um
acordo com a modernidade. Nesta perspectiva, o caminho a seguir é a reforma e atualizar
o Islamismo, reorganizando-o para o mundo moderno. Claramente, isso exige uma
abordagem mais flexível e seletiva para as origens islâmicas.
Surge a pergunta: Onde é que a
maioria dos muçulmanos hoje estão com respeito a esses movimentos de reforma
conflitantes? Não há uma resposta simples, mas é justo dizer que a maioria dos
muçulmanos encontram-se divididos entre os dois. A perspectiva de viver sob a
interpretação estrita da “Sharia” (lei islâmica) defendida pelos
fundamentalistas tem pouco recurso, e eles estão desiludidos com o ciclo de
violência perpetuada pelo islamismo radical. Até o momento, eles não podem abanar
a sensação de que, quando se trata de representar o “Islamismo verdadeiro”,
baseado no Alcorão e na Hadith, os fundamentalistas têm a melhor pretensão do
que os modernistas.
Além destas várias tradições e
divisões no mundo muçulmano, nós também podemos encontrar uma grande diversidade
cultural, para não mencionar as variações conhecidas na personalidade e
temperamento que caracterizam os seres humanos. Nada disso implica que o Islamismo é
uma entidade amorfa, indefinível. Ainda podemos falar significativamente do “muçulmano
tradicional” como uma religião monoteísta estrita e definida pela submissão à
vontade de Deus, revelada através do seu profeta Maomé, preservada no Alcorão e
na Hadith, enunciada nos “cinco pilares” da prática islâmica. Orbitando o
núcleo, porém, encontramos uma diversidade desconcertante de Islamismo.
O que isso significa para a
batalha do cristão com os muçulmanos? Entre outras coisas, devemos aplicar a “Regra de Ouro”, procurando evitar estereótipos muçulmanos da mesma forma que devemos
resistir a sermos estereotipados como cristãos. Em nossas conversas com
muçulmanos, devemos ter tempo para ouvir e compreender a visão particular deles
do Islamismo e suas implicações, antes de aplicar o bisturi da Palavra de Deus.
Confiando na suficiência das Escrituras, podemos ter certeza que não só o
diagnóstico da Bíblia sobre a condição humana caída aplica-se a todo muçulmano,
como um descendente de Adão, mas também que as maneiras em que Cristo e seus
apóstolos comprometidos com as diversas formas de falsa religião no Novo
Testamento serão um guia inestimável à medida que fornecemos a água da vida aos
nossos vizinhos muçulmanos.
NOTA DO TRADUTOR:
1. Pessoas que fazem parte da
Igreja Cristã Ortodoxa localizada no Egito. Esta igreja é desvinculada do
Cristianismo ortodoxo e do Catolicismo.
Autor:
James N. Anderson
Fonte: Ligonier Ministries
Tradução:
Leonardo Dâmaso
Divulgação: Reformados
21
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