As Escrituras ensinam que tudo
relacionado ao evangelho tem o propósito de glorificar Cristo e destruir o
orgulho do homem, ao pensar que pode salvar a si próprio. Por consequência,
alguma coisa que diminui a glória de Cristo é inconsistente com o verdadeiro
evangelho. Então, meu propósito nesta questão não é ser contencioso, mas
glorificar a Deus ao alinhar nossos pensamentos com o dEle. Este pequeno artigo
se propõe a desafiar a posição antibíblica que alguns evangelistas modernos
insistem em pregar: a “presciência da fé”.
Eu gostaria especificamente de confrontar essa posição, sustentada por alguns, que creem que Deus observa de fora os corredores do tempo tentando ver quem crerá, e então os escolhe baseado na sua resposta positiva a Ele. Eu entendo que um dos grandes motivos para alguns cristãos acreditarem neste conceito é que eles desejam preservar o amor irrestrito de Deus a todos e não podem imaginar um Deus que “arbitrariamente” escolhe alguns e condena o resto. Se a eleição incondicional fosse verdade, argumentam, então porque Deus não salvou todo mundo? Escolher alguns e deixar outros não tornaria Deus arbitrário em Sua escolha? Essas são objeções compreensíveis que eu espero responder no que se segue:
Se entendo corretamente a
ideia da “presciência da fé”, os próximos três pontos expressam corretamente o
conceito central que esta posição sustenta:
1. A salvação dos homens é
definitivamente o resultado de suas escolhas ao contrário de uma escolha
divina, unicamente.
2. A eleição é baseada pela
presciência divina da fé de certas pessoas e não somente por estar de acordo
com Seu desejo e misericordiosa vontade.
3. A eleição é condicional,
baseada na aceitação de Jesus Cristo e não na determinação de Deus, mesmo
quando a graça de Deus está certamente envolvida neste processo.
Antes de entrarmos numa
discussão dos méritos da racionalidade (lógica), devemos considerar
primeiramente que o Cristianismo não é algo que nós deduzimos de uma mera
filosofia especulativa. Deus decidiu nos dar faculdades racionais e as
ferramentas da lógica; mas, como cristãos, isto deve sempre ser usado dentro
dos parâmetros bíblicos que Ele graciosamente nos concedeu. Pensar
cristologicamente é reconhecer que podemos saber de Deus somente da forma que
Ele revelou-se a nós nas Escrituras; e as Escrituras não dão evidência da
doutrina da “presciência da fé”. Portanto, sustentar uma teologia apenas numa
inútil lógica humana não é nada mais que tirar os mais profundos fundamentos da
nossa fé de fontes extrabíblicas.
Visão Bíblica do Conhecimento
De fato, as Escrituras dizem
“... aqueles que [Deus] de antemão conheceu, também os predestinou”. Mas seria
uma exegese pobre concluir que isto deve significar uma “fé prevista”. É ir bem
mais além do que o texto realmente quer dizer. Todos devemos admitir que isto é
ler um conceito adicional que simplesmente não está lá, pelo motivo de o texto
em questão não dizer que Deus prevê algum evento (nossa fé) ou as atitudes que
as pessoas tomam. Pelo contrário, ele diz “aqueles que de antemão conheceu...”.
Em outras palavras, Paulo informa que Deus prevê pessoas. As Escrituras, toda
vez que citam Deus “conhecendo” pessoas, referem-se àqueles a quem o Senhor
imputou seu amor. Isto expressa a intimidação do conhecimento pessoal.
Por exemplo, o Senhor diz a
Jeremias: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci”. Deus determinou de
antemão separar certas pessoas por amor, mas não pelas decisões delas (Am 3,2;
Mt. 7.23; Jo 10.14; 2 Tm 1.19). Na verdade, a Bíblia ensina que a graça de
Deus em nos escolher é livre, baseada unicamente em Sua vontade, e não
influenciada por capacidades natas, desejo espiritual (Rm 9.16, João 1.13),
mérito religioso ou a presciência da fé das pessoas que ele escolheu para Si
(Ef 1.5; 2.5,8). Pelo contrário, Deus atua de acordo com Seu supremo propósito,
que é Sua própria glória.
A todo aquele que é chamado
pelo meu nome, e que criei para minha glória, e que formei e fiz. (Isaías 43.7)
Inconsistências Lógicas
A partir da falta de evidência
bíblica para os defensores da “presciência da fé”, eu também gostaria de
evidenciar a falha fatal e a lógica inconsistente da própria pressuposição
antibíblica. Enquanto alguns retratam a “fé prevista” como uma dádiva de grande
liberdade à livre escolha de todos os homens, após uma reflexão mais profunda,
esta ideia mostra que nenhuma liberdade é dada ao homem no final. Ora, se Deus
pode olhar o futuro e ver que uma pessoa A virá a Cristo e que a pessoa B não
irá crer em Cristo, então esses fatos já estão consumados; eles já foram
determinados. A presciência divina da fé e arrependimento dos crentes implica a
certeza, ou “necessidade moral” desses atos, tanto quanto um decreto soberano.
“Porque aquilo que é certamente previsto deve ser certo” (R.L. Dabney).
Se nós assumirmos que o
conhecimento divino do futuro é correto (ponto pacífico entre todos os
evangélicos), então é absolutamente certo que a pessoa A crerá e a pessoa B não
crerá. Não existe qualquer forma de suas vidas tornarem-se diferente disso. Consequentemente,
é mais que correto dizer que seus destinos já estão determinados, porque não
poderiam ser diferentes. A questão é: pelo que seus destinos são determinados?
Se o próprio Deus os determina, então nós não temos eleição baseada na
presciência da fé, mas na vontade soberana do Senhor. Porém, se Deus não
determina seus destinos, então quem ou o que os determina? É claro que nenhum
cristão diria que existe um ser mais poderoso que Deus controlando o destino
dos homens. Portanto, a única alternativa possível é dizer que seus destinos
são determinados por alguma força impessoal, algum tipo de sorte, operante no
Universo, fazendo todas as coisas agirem como elas agem. Mas, qual o benefício
disso? Trocamos, então, a eleição sacrificial em amor, de um Deus pessoal e
compassivo, por um tipo de determinismo guiado por uma força impessoal; e Deus
deixa de receber a autoridade final para nossa salvação. (Wayne Grudem,
Systematic Theology).
Além disso, ninguém poderia
argumentar consistentemente que Deus previu aqueles que creriam e seriam salvos
e também pregar que Deus está tentando salvar todo o mundo. Se Deus sabe quem
será salvo, então seria um absurdo Ele acreditar que mais pessoas podem ser
salvas que aquelas que Ele previamente sabia que o escolheriam. Seria
inconsistente afirmar que Deus está tentando fazer alguma coisa que Ele já
sabia que nunca aconteceria. Da mesma forma, ninguém pode consistentemente
dizer que Deus previu aqueles que seriam salvos e, em seguida, ensinar que o
Espírito Santo faz tudo que pode para salvar todos os homens do mundo. Por este
sistema, o Espírito Santo estaria perdendo tempo e esforço na tentativa de
converter um homem que Ele sabia desde o princípio que não O escolheria. O
sistema antibíblico desaba por si mesmo.
Alguns poderão responder que
não é nem eleição nem fé previstas, mas alguma coisa no meio. Esta opção é
excluída, por definição, a não ser que você acredite que Deus não conhece o
futuro. Em outras palavras, a única forma da “posição de meio-termo” ser
verdade é o caso de limitarmos a onisciência de Deus (uma impossibilidade). Ou
Deus sabe e decreta o futuro ou não. Se Deus sabe o futuro e sua posição da fé
prevista é verdadeira, então Deus nos deixou nas mãos de um acaso impessoal.
Nossas escolhas seriam pré-arranjadas por um determinismo impessoal. Sua
posição “coluna do meio” poderia teoricamente ser correta se você afirmar a
ignorância de Deus em relação ao futuro, mas então Deus não saberia quem iria
escolhê-lo e a teoria inteira se desmancharia pelo fato da “presciência da fé”
gerá-la. Concluindo, a não ser que você deseje acreditar que uma força
impessoal determina nossa salvação, e que Deus não conhece o futuro (a heresia
do Teísmo Aberto), a posição da fé prevista é, ao mesmo tempo, biblicamente e
logicamente impossível. Com o propósito de honrar a Deus, nós devemos, neste
assunto, originar nossa autoridade das Escrituras e sermos cuidadosos para não nos
apoiarmos meramente naquilo que nos foi ensinado em nossa igreja.
Antecipando o contra argumento
que isto faria Deus “arbitrário”. Primeiramente, eu gostaria de
desafiá-lo a confrontar a seguinte passagem. Paulo encontrou a mesma
argumentação contra a eleição – que isto faria Deus injusto e arbitrário.
Romanos 9.18-23
18 Portanto, Deus tem
misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer. 19 Mas algum de
vocês me dirá: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua
vontade?” 20 Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que
é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?” 21 O oleiro
não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para
uso desonroso? 22 E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o
seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a
destruição? 23 Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de
sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória.
Para começar, Paulo não faria
esta questão hipotética a não ser que ele acreditasse que a determinação final
da salvação estava apenas nas mãos de Deus. Paulo está dizendo que Deus tem o
direito supremo de fazer conosco o que Ele quiser. Você irá condená-lo por este
direito? Além disso, como nós conhecemos a personalidade de Deus, nós não
devemos pensar que, a Seu modo, Deus não tinha razões ou causas para salvar a
alguns e outros não – “o propósito divino sempre conspira com a sabedoria de
Deus e nada ocorre sem motivos ou despropositadamente, apesar destas razões e
causas não terem sido reveladas a nós. Nos Seus conselhos e obras nos quais
nenhum propósito é perceptível, este propósito ainda está oculto com Deus.
Logo, o que Ele decretou nunca está fora de uma justa e sábia concordância com
Seu beneplácito, fundamentado em Seu gracioso amor que nos envolve”
(Heppe, Reformed Dogmatics). Apenas não saber o porquê de Ele escolher alguns
para a fé e outros para a descrença não é razão suficiente para rejeitar isto.
Na falta de dados relevantes, nós não temos razão, ou o que for,
para assumir o pior; portanto, não há base legítima para duvidar da benignidade
de Deus aqui. Consequentemente, duvidar que Deus pode escolher-nos baseado
somente no seu bel consentimento não é duvidar da bondade de Deus. Os
defensores da “presciência da fé” estão, na verdade, dizendo que são incapazes
de crer na escolha de Deus e preferem dá-la a seres decaídos, como se eles
pudessem tomar uma decisão melhor que Deus. Vamos resumir então a resposta à
acusação de Deus ser arbitrário:
As coisas encobertas pertencem
ao SENHOR, o nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos
para sempre, para que sigamos todas as palavras desta lei. (Deuteronômio 29.29)
A eleição é baseada nas
qualidades morais de Deus (por exemplo, bondade, compaixão, empatia,
integridade, não-fingimento, imparcialidade, justiça, etc.)
Deus tem “causas e razões”
para Suas escolhas, mesmo que estas sejam “íntimas” dEle (ou seja,
desconhecidas nas criaturas). Nós sabemos que o Senhor é bom e, portanto, podemos
confiar que Ele faria uma escolha melhor que as nossas.
Deus não faz nada sem razão.
Ele não faz nada despropositadamente. Ele simplesmente não nos revelou estas
razões e causas, apesar de elas certamente existirem. Como elas não foram
reveladas, estamos proibidos de tentar adivinhá-las. Porém, como conhecemos a
fidelidade de Deus, podemos nos regozijar em Sua sabedoria. Deus não falta com
razões justas para Seus atos. Estas “razões justas” estão simplesmente ocultas
para nós.
Salvação não é condicionada
por algo que Deus vê em nós e que nos torna dignos de Sua escolha. NENHUM dos
Seus decretos são feitos sem justiça e sabedoria.
Devemos sempre ter em mente
que Deus não é obrigado a salvar ninguém e que todos nós somos justamente
merecedores de Sua ira. Assim, se Deus salva alguém, é puramente um ato de Sua
misericórdia. Todos os evangélicos concordam que seria justiça de Deus pôr toda
a humanidade em julgamento. Por que, então, seria injustiça de Sua parte julgar
alguns e ter misericórdia do resto? Se seis pessoas me devessem certo valor,
por exemplo, e eu perdoasse quatro deles, mas ainda quisesse o pagamento dos
outros dois, eu estaria totalmente dentro de meu direito. Quanto mais Deus
está?! (Leia A Parábola dos Trabalhadores na Vinha – Mateus 20.1-16).
Portanto, isso não depende do
desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus. (Romanos 9.16)
Autor: John
Hendryx
Tradução:
Josaías Cardoso Ribeiro Jr.
Fonte: Monergismo