16 de agosto de 2016

Quatro Tipos de Fé


Como fenômeno psicológico, a fé, no sentido religioso, não difere da fé em geral. Se a fé em geral é uma persuasão da verdade fundada no testemunho de alguém em quem temos confiança e em quem descansamos, e, portanto, apoia-se numa autoridade, a fé cristã, no sentido mais abrangente, é a persuasão do homem quanto à veracidade da Escritura, com base na autoridade de Deus. Nem sempre a Bíblia fala da fé religiosa no mesmo sentido, e isto deu surgimento às seguintes distinções na teologia.

Fé histórica. Pura e simples apreensão da verdade, vazia de qualquer propósito moral ou espiritual. O nome não implica que ela abrange somente fatos e eventos históricos, com a exclusão das verdades morais e espirituais; nem tampouco que se baseia no testemunho da história, pois ela pode referir-se a fatos ou eventos contemporâneos (Jo 3.2). Expressa mais a ideia de que esta fé aceita as verdades da Escritura como uma pessoa poderia aceitar um relato histórico no qual ela não está interessada pessoalmente. Esta fé pode ser resultado da tradição, da educação, da opinião pública, do discernimento da grandeza da Escritura, e de outros fatores mais, acompanhados pelas operações gerais do Espírito Santo. Pode ser muito ortodoxa e escriturística, mas não está arraigada no coração (Mt 7.26; At 26.27, 28; Tg 2.19). É uma fides humana, e não uma fides divina (fé humana, não divina).

Fé miraculosa. A fé miraculosa, assim chamada, é a persuasão produzida na mente de uma pessoa de que um milagre será realizado por ela ou em favor dela. Deus pode dar a uma pessoa um trabalho para fazer, que transcende os seus poderes naturais, e capacita-la para fazê-lo. Toda tentativa de realizar uma obra dessa espécie requer fé. Isso é bem patente nos casos em que o homem aparece apenas como instrumento de Deus ou como alguém que anuncia que Deus vai fazer um milagre, pois tal homem precisa ter plena confiança em que Deus não o deixará passar vergonha. Em última instância, somente Deus faz milagres, embora possa faze-lo através da instrumentalidade humana. Esta é a fé em milagres no sentido ativo (Mt 17.20; Mc 16.17-18). Não é necessariamente acompanhada pela fé salvadora, mas pode ser. A fé em milagres também pode ser passiva, a saber, a persuasão de que Deus fará um milagre em favor de alguém. Esta também pode ser ou não acompanhada pela fé salvadora (Mt 8.10-13; Jo 11.22 (compare os versículos 25-27); 11.40). Com frequência é levantada a questão sobre se tal fé tem um lugar legítimo na vida do homem hoje. Os católicos romanos respondem afirmativamente, enquanto que os protestantes estão inclinados a dar uma resposta negativa. Eles assinalam que não há base escriturística para tal fé, mas não negam que ainda podem ocorrer milagres. Deus é inteiramente soberano neste aspecto também, e a Palavra de Deus nos induz a aguardar outro ciclo de milagres no futuro.

Fé temporal. Esta é a persuasão das verdades religiosas que vem acompanhada de algumas incitações da consciência e de uma agitação dos afetos, mas não tem suas raízes num coração regenerado. O nome é derivado de Mateus 13.20-21. É a chamada fé temporária porque não é permanente e não se mantém nos dias de provação e perseguição. Não significa que não pode durar a vida inteira da pessoa. É bem possível que só pereça por ocasião da morte, mas então é certo que perecerá. Às vezes esta fé é denominada fé hipócrita, mas isso não é inteiramente correto, pois ela não envolve necessariamente hipocrisia consciente. Os que possuem esta fé, usualmente acreditam que têm a fé verdadeira. Talvez pudéssemos chamar-lhe fé imaginária, aparentemente genuína, mas de caráter evanescente. Ela difere da fé histórica no interesse pessoal que mostra pela verdade e na reação dos sentimentos à verdade. Pode se experimentar grande dificuldade na tentativa de distingui-la da verdadeira fé salvadora. Daquele que crê desse modo Cristo falou: não tem raiz em si mesmo (Mt 13.21). É uma fé que não brota da raiz implantada na regeneração, e, portanto, não é expressão da nova vida entalhada nas profundezas da alma do pecador regenerado. Em geral pode dizer que a fé temporal se baseia na vida emocional e busca satisfação pessoal, em vez da glória de Deus.

A verdadeira fé salvadora. A verdadeira fé salvadora tem sua sede no coração e suas raízes na vida regenerada. Muitas vezes se faz distinção entre o habitus e o actus da fé (entre o hábito e o ato da fé). Contudo, por trás destes acha-se a semen fidei (semente da fé). Esta fé não é primeiramente uma atividade do homem, mas uma potencialidade produzida por Deus no coração do pecador. A semente da fé é implantada no homem quando da regeneração. Alguns teólogos falam disto como habitus da fé, mas outros mais corretamente lhe chamam semen fidei. Somente depois que Deus implantou a semente da fé no coração do homem, é que ele pode exercer a fé. É isto, evidentemente, que Barth tem em mente também, quando, em seu desejo de ressaltar o fato de que a salvação é exclusivamente obra de Deus, afirma que Deus, e não o homem, é o sujeito da fé. O exercício consciente da fé forma gradativamente o habitus, e este adquire uma significação fundamental e determinante para o ulterior exercício da fé. Quando a Bíblia fala da fé, geralmente se refere à fé como uma atividade do homem, mas nascida da obra realizada pelo Espírito Santo. Pode-se definir a fé salvadora como uma certa convicção, produzida pelo Espírito Santo no coração, quanto à veracidade do Evangelho, e uma segurança (confiança) nas promessas de Deus em Cristo. Em última análise, é certo, Cristo é o objeto da fé salvadora, mas Ele nos é oferecido unicamente no Evangelho.



Autor: Louis Berkhof
Trecho extraído da Teologia Sistemática do autor, pág 497-499. Editora: Cultura Cristã