12 de agosto de 2016

A Tríplice Operação de Deus, do Homem e de Satanás nas Ações Más


Existe outra maneira da ação divina em atos como esses. Para que essa nos evidencie com certeza maior, temos a calamidade infligida pelos caldeus ao santo Jó 41.20: mortos seus pastores, os caldeus saqueiam-lhe hostilmente os rebanhos (Jó 1.17). Destes, o ato ímpio já abertamente se ostenta; nem nesta operação deixa de ter parte Satanás, de quem a história narra provir tudo isso (Jó 1.12). Mas, o próprio Jó reconhece nisso a ação do Senhor, a quem diz haver-lhe tirado as coisas que tinham sido pilhadas pela instrumentalidade dos caldeus (Jó 1.21).

Temos, pois, de atribuir, por seu autor, o mesmo ato a Deus, a Satanás e ao homem, sem escusarmos a Satanás, mercê de sua associação com Deus, ou a Deus qualificarmos de autor do mal? Facilmente, se atentarmos primeiro para o fim, então, para o modo do agir. O desígnio do Senhor é exercitar pela calamidade a paciência de seu servo. Satanás está empenhado em levá-lo ao desespero; os caldeus buscam, fora do direito e da ética, auferir ganho da coisa alheia. Tão grande diversidade nos intentos já distingue sobejamente a operação de cada um.

Não há diferença no modo do agir. O Senhor permite a Satanás que seu servo seja afligido, concede e entrega, para que os caldeus sejam impelidos por ele, a quem escolheu por ministros para que executem isto. Satanás, por outro lado, com seus aguilhões envenenados, espicaça o espírito depravado dos caldeus para que perpetrem esta abominação; estes se arrojam furiosamente à injustiça e atrelam e contaminam nessa perversidade a todos os seus membros. Portanto, diz-se com propriedade que Satanás age nos réprobos, nos quais exerce seu domínio, isto é, o reino da iniquidade.

Também se diz que Deus opera, a seu modo, pelo que o próprio Satanás, como é instrumento de sua ira, por seu arbítrio e império se verga para cá e para lá a executar-lhe os justos juízos. Não estou aqui a considerar a operação universal de Deus, pela qual todas as criaturas são daí sustentadas, portanto donde derivam a capacidade de fazer tudo quanto fazem. Estou falando somente dessa operação especial que se mostra em cada ato.

Logo, vemos que não é absurdo atribuir o mesmo ato a Deus, a Satanás e ao homem; ao contrário, a diversidade no propósito e na maneira faz com que reluza aqui, sem culpa, a justiça de Deus; com seu opróbrio se manifesta a impiedade de Satanás e do homem.




Autor: João Calvino
Trecho extraído das Institutas, volume 2, capítulo 4, pág 77. Editora: Cultura Cristã