2 de agosto de 2016

Nós nos conheceremos uns aos outros lá?


1. O desejo de reencontrar entes queridos é correto?

Nós nos reconheceremos no céu? Com que frequência esta pergunta é feita. Alguns expressam livremente suas saudades para renovar aquelas felizes associações interrompidas pela  morte  de um ente querido. Outros, porém, são um pouco mais hesitantes ao falar sobre este assunto. Eles querem saber se o desejo de um reencontro é mesmo correto. O fim principal do homem não é "glorificar a Deus e gozá-lo para sempre"? E o salmista não exclamou quem mais tenho eu no céu (Sl 73.25)?

A resposta poderia ser esta: Todos esses anseios pelo reconheci­mento mútuo e uma nova associação, os quais são de um caráter meramente sentimental, que não levam em conta principalmente a honra de Deus em Cristo, devem ser condenados. Mas o desejo do próprio wiedersehen, para que, em companhia daqueles que nos precederam e com os que virão depois de nós juntos possamos louvar ao nosso Redentor, é completamente legítimo. De fato, nós fomos criados para a comunhão. Por isto, eu estou de completo  acordo com o Dr. H. Bavinck que diz (em Gereformeerde Dogmatiek , 3ª ed., Vol. IV, pp. 707, 708, minha tradução): 

A esperança de reencontrarmo-nos no outro lado do sepulcro é completamente natural, genuinamente humana e também está em harmonia com as Escrituras. Esta última não ensina sobre um tipo de imortalidade que seja despojado de todo o conteúdo e próprio de almas fantasmagóricas, mas sobre esta vida futura que pertence a indivíduos reais e humanos... Portanto, é verdade que a alegria no céu consiste principal­mente na comunhão com Cristo, mas também consiste em comunhão entre os crentes. E assim como a comunhão terrena entre os crentes, apesar de ser sempre imperfeita, não diminui a comunhão dos crentes com Cristo, antes a fortalece e enriquece, assim também será no céu. O desejo de Paulo era partir e estar com Cristo (Fp 1.23; lTs 4.17), e o próprio Jesus mostra a alegria do céu no simbolismo de um banquete onde todos se sentarão à mesa com Abraão, Isaque e Jacó (Mt 8.11; cf. Lc 13.28). De acordo com isso, a esperança de nos revermos não está errada, se for considerada do ponto de vista da comunhão com Cristo.

2. As Escrituras ensinam que haverá tal alegre reconhecimento e a restauração da comunhão?

Neste mesmo grande trabalho de Doutrina Reformada, o Dr. H. Bavinck fala com uma precaução recomendável sobre muitos assuntos controversos. Com respeito à questão do reconhecimento na vida futura ele é, porém, muito definido e franco. Diz ele: (op. cit., p. 688) "sem dúvida alguma, os que morreram reconhecem aqueles que eles conheceram na terra".

Aqueles que, como o Dr. H. Bavinck, aceitam esta ideia do reconhecimento e restauração da comunhão, normalmente apelam às passagens seguintes, embora, nem todas elas forneçam uma evidência direta. 

a) De acordo com Isaías 14.12, os habitantes do Sheol reconhecendo imediatamente o rei da Babilônia como ele desceu a eles, com zombaria o saudaram e exclamaram: "Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as nações!"; b) de acordo com Ezequiel 32.11, do meio do Sheol, os poderosos heróis serão enviados contra o governante e as pessoas do Egito; c) de acordo com Lucas 16.19-31, o homem rico reconhece Lázaro; d) de acordo com Lucas 16.9, os amigos que fazemos por meio da doação de nossos bens materiais nos darão boas-vindas nas mansões do céu. O enfermo que nós visitamos, o despojado a quem apoiamos, o pagão para quem nós fomos instrumentos de salvação, vão se posicionar nos átrios do céu para receber os seus benfeitores em seu círculo, para juntos glorificarmos aquele que é a fonte de toda bênção. Isto seguramente implica no reconhecimento e na restauração da comunhão; e) 1 Tessalonicenses 2.19, 20 (cf. 2Co 4.14) indica que, na vinda do Senhor Jesus Cristo, os missionários verão a última realização de sua esperança e sentirão a alegria suprema quando virem os frutos de seus esforços missionários estando lá, com alegria, ação de graças e louvor, ao lado direito de Cristo. A restauração da comunhão quebrada não é indicada também em 1 Tessalonicenses 4.13-18?

3. Objeções respondidas

Objeção ao primeiro ponto. Algumas das passagens listadas em defesa da teoria do reconhecimento e restauração da comunhão fazem referência aos eventos que anunciam a segunda vinda de Cristo, e não ao estado intermediário. Depois do retorno de Cristo, nós teremos corpos por meio dos quais o reconhecimento poderá ser conseguido. Mas isto de maneira nenhuma prova que agora mesmo no céu as almas desincorporadas dos crentes se reconheçam.

Resposta. Há um pouco de mérito neste argumento, ou seja, há mérito no fato de que aponta para a existência de uma distinção. Seguramente, depois do retorno de Cristo, quando nossos corpos glorificados ressuscitarem ou forem transformados, nossa capacidade de reconhecimento e nossa comunhão serão necessariamente mais abundantes. Não obstante, o contraste entre o estado intermediário e o estado final não é tão grande a ponto de que o que é dito aqui sobre o estado final não possa ser aplicado ao estado intermediário. Além disso, algumas das passagens claramente fazem referência à alma imediatamente após a morte. E também, se é possível para anjos que não têm nenhum corpo reconhecerem-se uns aos outros (Dn 10.13), por que deveria ser julgado impossível para as almas desincorporadas dos crentes agirem igualmente?

Objeção ao segundo ponto. Se nós pudéssemos de fato reconhecer esses amigos os quais nós encontraremos no céu, nós também sentiríamos falta dos amigos terrenos, conhecidos ou parentes que nunca chegarão ao céu. Isto nos faria muito infelizes até mesmo no céu.

Resposta.  O Nosso Senhor Jesus  Cristo  não  perdeu  muitos  há quem ele sinceramente admoestou? Você diria,  então,  que Jesus está infeliz no céu ? Não seria a resposta mais no sentido de que quando nós entrarmos no céu todas as relações com os que não estavam em Cristo (incluindo até mesmo relações familiares) perderão o sentido? E Mateus 12.46-50 claramente não aponta nesta direção?

Objeção ao terceiro ponto. De acordo com Mateus 22.23-33, todas as relações  terrenas serão completamente  apagadas na vida futura. Portanto, não haveria sentido qualquer o reconhecimento destes que nós conhecemos nesta vida.

Resposta. Isso não é tudo o que Mateus 22.23-33 ensina. Ensina que, desde então, na vida futura não haverá mais nenhuma  morte, nem qualquer relação matrimonial, nem qualquer necessidade disto. Neste aspecto nós seremos como os anjos no céu. A passagem não afirma a extinção de toda relação com aqueles que nós conhecemos no Senhor enquanto estávamos vivendo na terra. A crença no Wiedersehen na vida futura está firmemente baseada nas Escrituras.




Autor: William Hendriksen
Trecho extraído do livro A Vida Futura Segundo a Bíblia, pág 77-80. Editora: Cultura Cristã