Um dos argumentos mais usados
para se justificar coisas estranhas que acontecem nos cultos evangélicos
neopentecostais é a declaração de Paulo em 2 Coríntios 3:17:
Ora, o Senhor é o Espírito; e,
onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.
O raciocínio vai mais ou menos
assim: quando o Espírito de Deus está agindo num culto, Ele impele os
adoradores a fazerem coisas que aos homens podem parecer estranhas, mas que são
coisas do Espírito. Se há um mover do Espírito no culto, as pessoas têm
liberdade para fazer o que sentirem vontade, já que estão sendo movidas por
Ele, não importa quão estranhas estas coisas possam parecer. E não se deve
questionar estas coisas, mesmo sendo diferentes e estranhas. Não há regras, não
há limites, somente liberdade quando o Espírito se move no culto.
Assim, um culto onde as coisas ocorrem normalmente, onde as pessoas não saltam, não pulam, não dançam, não tremem nem caem no chão, é um culto frio, amarrado, sem vida. O argumento prossegue mais ou menos assim: o Espírito é soberano e livre, Ele se move como o vento, de forma misteriosa. Não devemos questionar o mover do Espírito, quando Ele nos impele a dançar, pular, saltar, cair, tremer durante o culto. Tudo é válido se o Espírito está presente.
Bom, tem algumas coisas nestes
argumentos com as quais concordo. De fato, o Espírito de Deus é soberano. Ele
não costuma pedir nossa permissão para fazer as coisas que deseja fazer. Também
é fato que Ele está presente quando o povo de Deus se reúne para servir a Deus
em verdade. Concordo também que, no passado, quando o Espírito de Deus agiu em
determinadas situações, a princípio tudo parecia estranho. Por exemplo, quando
Ele guiou Pedro a ir à casa do pagão Cornélio (Atos 10 e 11). Pedro deve ter estranhado
bastante aquela visão do lençol, mas acabou obedecendo. Ao final, percebeu-se
que a estranheza de Pedro se devia ao fato que ele não havia entendido as
Escrituras, que os gentios também seriam aceitos na Igreja.
Mas, por outro lado, esse
raciocínio tem vários pontos fracos, vulneráveis e indefensáveis. A começar
pelo fato de que esta passagem, onde está o Espírito do Senhor, aí há
liberdade (2Co 3:17) não tem absolutamente nada a ver com o culto. Paulo
disse estas palavras se referindo à leitura do Antigo Testamento. Os judeus não
conseguiam enxergar a Cristo no Antigo Testamento quando o liam aos sábados nas
sinagogas, pois o véu de Moisés estava sobre o coração e a mente deles (veja os versículos 14-15). Estavam cegos. Quando porém um deles se convertia ao Senhor
Jesus, o véu era retirado. Ele agora podia ler o Antigo Testamento sem o véu,
em plena liberdade, livre dos impedimentos legalistas. Seu coração e sua mente
agora estavam livres para ver a Cristo onde antes nada percebiam. É desta liberdade
que Paulo está falando. É o Senhor, que é o Espírito, que abre os olhos da
mente e do coração para que possamos entender as Escrituras.
A passagem, portanto, não tem
absolutamente nada a ver com liberdade para fazermos o que sentirmos vontade no
culto a Deus, em nome de um mover do Espírito.
E este, aliás, é outro ponto
fraco do argumento, pensar que liberdade do Espírito é ausência de normas,
regras e princípios. Para alguns, quanto mais estranho, diferente e inusitado,
mais espiritual! Mas, não creio que é isto que a Bíblia ensina. Ela nos diz que
o fruto do Espírito é domínio próprio (Gálatas 5:22-23). Ela ensina que o
Espírito nos dá bom senso, equilíbrio e sabedoria (Isaías 11:2), pois Ele
é o Espírito de moderação (2Tm 1:7).
Além do uso errado da
passagem, o argumento também parte do pressuposto que o Espírito de Deus age de
maneira independente da Palavra que Ele mesmo inspirou e trouxe à existência,
que é a Bíblia. O que eu quero dizer é que o Espírito não contradiz o que Ele
já nos revelou em sua Palavra. Nela encontramos os elementos e as diretrizes do
culto que agrada a Deus.
Liberdade no Espírito não
significa liberdade para inventarmos maneiras novas de cultuá-lo. Sem dúvida,
temos espaço para contextualizar as circunstâncias do culto, mas não para
inventar elementos. Seria uma contradição do Espírito levar seu povo a adorar a
Deus de forma contrária à Palavra que Ele mesmo inspirou.
Um culto espiritual é aquele
onde a Palavra é pregada com fidelidade, onde os cânticos refletem as verdades
da Bíblia e são entoados de coração, onde as orações são feitas em nome de
Jesus por aquelas coisas lícitas que a Bíblia nos ensina a pedir, onde a Ceia e
o batismo são celebrados de maneira digna. Um culto espiritual combina fervor
com entendimento, alegria com solenidade, sentimento com racionalidade. Não
vejo qualquer conexão na Bíblia entre o mover do Espírito e piruetas,
coreografia, danças e gestos. A verdadeira liberdade do Espírito é aquela
liberdade da escravidão da lei, do pecado, da condenação e da culpa. Quem
quiser pular de alegria por isto, pule. Mas não me chame de frio, formal e engessado pelo fato de que manifesto a minha alegria simplesmente fechando meus
olhos e agradecendo silenciosamente a Deus por ter tido misericórdia deste
pecador.