O dia de descanso foi
instituído por Deus e não pelo homem. O mandamento tem grande importância na
Palavra de Deus. Bênçãos ocorreram, por sua guarda, e castigos severos, por sua
quebra. Isso deveria provocar a nossa reflexão sobre a aplicação dos princípios
bíblicos relacionados com o quarto mandamento nos dias atuais, discernindo, em
paralelo, a mudança para o domingo, na era cristã. O povo de Deus sempre foi
muito rebelde e desobediente com relação a essa determinação, e necessita
convencimento da importância do mandamento, bem como entendimento da visão
neotestamentária, para a consequente modificação do seu comportamento atual.
O quarto mandamento fala de um
dia de descanso e de adoração ao Senhor. Deus julgou essa questão tão
importante que a inseriu em sua lei moral. O descanso requerido por Deus é uma
prévia da redenção que ele assegurou para o seu povo (Dt 5.12-15). Os
israelitas foram levados em cativeiro (Jr 17.19-27) por haver repetidamente
desrespeitado este mandamento.
Gostaríamos de examinar as bases desse conceito de descanso e santificação e de ir até o Novo Testamento verificar como os cristãos primitivos guardavam o dia do Senhor.
Não podemos, simplesmente,
ignorar esse mandamento. Como povo resgatado por Deus, temos a responsabilidade
de discernir como aplicar essa diretriz divina nas nossas vidas e nas de nossas
famílias. Por outro lado, nessa procura, não devemos buscar tais diretrizes nos
detalhamentos das leis religiosas ou civis de Israel, que dizem respeito ao
sábado. Essas leis eram temporais. Ao estudar o sábado, muitos têm se
confundido com os preceitos da lei cerimonial e judicial e terminado com uma
série de preceitos contemporâneos que se constituem apenas em um legalismo
anacrônico, destrutivo e ditatorial. Devemos estudar este mandamento procurando
discernir os princípios da lei moral de Deus. Com esse objetivo em mente, vamos
realizar nosso estudo com a oração de que Deus seja glorificado em nossa vida e
por nosso testemunho.
1. Um dia de descanso
Em nossas bíblias, o quarto
mandamento está redigido assim – Lembra-te do dia de sábado para o
santificar... A palavra que foi traduzida por "sábado", é a
palavra hebraica shabat, que quer dizer "descanso". É correto, portanto,
entendermos o mandamento como ... lembra-te do dia de descanso para o
santificar.
Esse "dia de
descanso" era o sétimo dia no Antigo Testamento, ou seja, o nosso
"sábado". No Novo Testamento, logo na igreja primitiva, vemos o dia
de ressurreição de Cristo marcando o dia de adoração e descanso. Isto é: o
domingo passa a ser o nosso "dia de descanso". Os apóstolos acataram
esse dia como apropriado à celebração da vitória de Jesus sobre a morte (At
20.7; 1 Co 16.2; Ap 1.10). A igreja fiel tem entendido a questão da mesma
maneira, ou seja, não é a especificação "do sétimo", que está
envolvida no mandamento, mas o princípio do descanso e santificação.
Já enfatizamos que essa
questão de um dia especial de descanso, de parada de nossas atividades diárias,
de santificação ao Senhor, foi considerada tão importante por Deus que ele
decidiu registrar esse requerimento em sua lei moral, nos dez mandamentos. Com
certeza já ouvimos alguém dizer: "... não existe um dia especial, pois todo
o dia é dia do Senhor...". Essa afirmação é, num certo sentido, verdadeira
– tudo é do Senhor. Mas sempre tudo foi do Senhor, desde a criação e mesmo tudo
sendo dele, ele definiu designar um dia separado e santificado. Dizer que todos
os dias são do Senhor, como argumento para não separar um dia especial e
específico, pode parecer um argumento piedoso e religioso, mas não esclarece a
questão nem auxilia a Igreja de Cristo na aplicação contemporânea do
mandamento. Na realidade, isso confunde bastante os crentes e transforma o
quarto mandamento, que é uma proposição clara e objetiva e que integra a Lei
Moral de Deus, em um conceito nebuloso e subjetivo, dependente da interpretação
individual de cada pessoa.
Não devemos procurar modificar
e "melhorar" aquilo que o próprio Deus especifica para o nosso
benefício e crescimento. Deus coloca objetivamente – da mesma forma que ele nos
indica a sua pessoa como o objeto correto de adoração; da mesma forma que ele
nos leva a honrar os nossos pais; da mesma forma que ele nos ensina o erro de
roubar, o erro de matar, o erro de adulterar – que é seu desejo que venhamos a
separar para ele um dia específico dos demais (Is 58.3).
2. Um dia santificado
Devemos notar que o
requerimento é que nós nos lembremos do dia de descanso para o santificarmos.
Santificar significa separar para um fim específico. Isso quer dizer que além
do descanso e parada de nossa rotina diária, Deus quer a dedicação desse dia
para si. Nessa separação, o envolvimento de nossas pessoas em atividades de
adoração, ensino e aprendizado da Palavra de Deus, é legítimo e desejável. A
frequência aos trabalhos da igreja e às atividades de culto, nesse dia, não é
uma questão opcional, mas obrigatória aos servos de Deus. O Salmo 92, que é de
adoração a Deus, tem o título em hebraico – "para o dia de descanso".
3. Uma instituição permanente
Uma expressão, do quarto
mandamento, nos chama a atenção. É que ele inicia com "Lembra-te...".
Isso significa que a questão do dia de descanso transcende a lei mosaica, isto
é, a instituição estava em evidência antes da lei de Moisés. Semelhantemente,
estando enraizado na lei moral, permanece, como princípio, na Nova Aliança.
Vemos isso, por exemplo, no incidente bíblico da dádiva do Maná. Deus
requerendo o descanso e cessação de trabalho durante a peregrinação no deserto,
quando ele alimentava o seu povo com o Maná, antes da dádiva dos dez
mandamentos. Estes seriam recebidos somente por Moisés no monte Sinai (veja,
especificamente, Êx 16.29-30).
4. Paulo faz um culto de
louvor e adoração, no domingo, em Trôade
Paulo nos deixou, além das
prescrições de suas cartas, um exemplo pessoal – reuniu-se com os crentes no
domingo (At 20.6-12), na cidade de Trôade, na Ásia Menor. O versículo 6 diz que
a permanência, naquele lugar foi de apenas uma semana. Lucas, o narrador que
estava com Paulo, registra, no v. 7: ... no primeiro dia da semana,
estando nós reunidos com o fim de partir o pão... Ele nos deixa a nítida
impressão de que aquela reunião não era esporádica, aleatória, mas sim, a
prática sistemática dos cristãos – reunião periódica no primeiro dia da semana,
conjugada com a observância da santa ceia do Senhor. Estamos há apenas 15 a 20
anos da morte de Cristo, mas a guarda do domingo já estava enraizada no
cristianismo.
Paulo pronunciou um longo
discurso, naquela noite. À meia noite, um jovem, vencido pelo cansaço, adormece
e cai de uma janela do terceiro andar, vindo a falecer (v. 9). Deus opera um
milagre através de Paulo e o jovem volta à vida (v. 10). Paulo continuou
pregando naquele local até o alvorecer (v. 11).
5. O entendimento da Reforma
sobre o dia de descanso
A Confissão de Fé de
Westminster captura o entendimento da teologia reformada sobre o dia de
descanso ordenado por Deus. Nela não encontramos desprezo pelas diretrizes
divinas, nem uma visão diluída da lei de Deus, mas um intenso desejo de aplicar
as diretrizes divinas às nossas situações. O quarto mandamento tem uma
consideração semelhante aos demais registrados em Êx 20, todos aplicáveis aos
nossos dias. Nas seções VII e VIII, do capítulo 21, sob o título – "Do
Culto Religioso e do Domingo," lemos o seguinte:
Como é lei da natureza que, em
geral, uma devida proporção do tempo seja destinada ao culto de Deus, assim
também, em sua palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito
que obriga a todos os homens em todos os séculos, Deus designou particularmente
um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por ele; desde o
princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último dia da
semana; e desde a ressurreição de Cristo já foi mudado para o primeiro dia da
semana, dia que na Escritura é chamado de domingo, ou Dia do Senhor, e que há
de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão.
Este sábado é santificado ao
Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado os seus corações e de
antemão ordenado os seus negócios ordinários, não só guardam, durante todo o
dia, um santo descanso das suas próprias obras, palavras e pensamentos a
respeito dos seus empregos seculares e das suas recreações, mas também ocupam
todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto e nos deveres de necessidade
e misericórdia.
6. O Quarto Mandamento Hoje –
Qual o nosso conceito do domingo?
É necessário que tenhamos a
convicção de que o chamado à adoração, o desejo de estar cultuando ao Senhor, e
o descansar de nossas atividades diárias, por intermédio de um envolvimento com
as atividades da igreja, encontra base e respaldo bíblico. É mais do que uma
questão de costumes do que uma posição opcional. É algo tão importante que faz
parte da lei moral de Deus.
Normalmente nos perdemos em
discussões inúteis sobre detalhes, procurando prescrever a outros uma postura
de guarda do quarto mandamento conforme nossas convicções, ou falta delas.
Assumimos uma atitude condenatória, procurando impor regras detalhadas e,
muitas vezes, seguindo restrições da lei cerimonial, em vez do espírito da lei
moral. Antes de nos perdermos no debate dos detalhes, estamos nos aprofundando
no princípio. Temos a postura de tornar realmente o domingo um dia diferente,
santificado, dedicado ao Senhor e à nossa restauração física?
Apêndice: Qual o dia de
descanso – sábado ou domingo?
Sempre que estudamos o quarto
mandamento surge a pergunta: quem está certo? São os Adventistas, que indicam o
sábado como o dia que ainda deveríamos estar observando, ou a teologia da
Reforma, apresentada na Confissão de Fé de Westminster, e em outras confissões,
que encontra aprovação bíblica e histórica para a guarda do domingo? Alguns
pontos podem nos ajudar a esclarecer a questão:
1. Os pontos centrais de
cumprimento ao quarto mandamento são: o descanso, a questão da separação de um
dia para Deus, a sistematização ou repetibilidade desse dia. O dia, em si, é
uma questão temporal, principalmente por que depois de tantas e sucessivas
modificações no calendário é impossível qualquer seita ou religião afirmar
categoricamente que estamos observando exatamente o sétimo dia. Nós usamos o
calendário Gregoriano, feito no século 16. Os judeus atuais usam o calendário ortodoxo,
estabelecido no terceiro século, e assim por diante.
2. Os principais eventos da
era cristã ocorreram no domingo:
• Jesus ressuscitou (Jo 20.1)
• Jesus apareceu aos dez
discípulos (Jo 20.19)
• Jesus apareceu aos onze
discípulos (Jo 20.26)
• O Espírito Santo desceu no
dia de pentecostes, que era um domingo (Lv 23.15, 16 – o dia imediato ao
sábado), e nesse mesmo domingo o primeiro sermão sobre a morte e ressurreição
de Cristo foi pregado por Pedro (At 2.14) com 3000 novos convertidos.
• Em Trôade os crentes se
juntaram para adorar (At 20.7).
• Paulo instruiu aos crentes
para trazerem as suas contribuições (1 Co 16.2).
• Jesus apareceu a João em
Patmos (Ap 1.10).
3. Os escritos da igreja
primitiva, desde a Epístola de Barnabé (ano 100 d.C.) até o historiador Eusébio
(ano 324 d.C.), confirmam que a Igreja Cristã, inicialmente formada por Judeus e
Gentios, guardavam conjuntamente o sábado e o domingo. Essa prática foi
gradativamente mudando para a guarda específica do domingo, na medida em que se
entendia que o domingo era o dia de descanso apropriado, em substituição ao
sábado. Semelhantemente, a circuncisão e o batismo foram conjuntamente
inicialmente observados, existindo, depois, a preservação somente do batismo na Igreja Cristã. O domingo não foi estabelecido pelo imperador Constantino, no
4º século, como afirmam os adventistas. Constantino apenas formalizou aquilo
que já era a prática da igreja.
4. Cl 2.16-17 mostra que o
aspecto do sétimo dia era uma sombra do que haveria de vir, não devendo ser
ponto de julgamento de um cristão sobre outro.
Para um estudo mais detalhado
do assunto, sugerimos o livro de J. K. VanBaalen, O Caos das Seitas.
Autor:
Solano Portela
Fonte:
Monergismo