O evento ocorrido em Mateus 3.1-12 também é relatado em Marcos 1.8 [onde é omitido o batismo com fogo] e Lucas 3.16. É entendido, na maioria das vezes, como se o batismo com fogo, no qual João menciona que Jesus batizaria juntamente com o batismo com o Espírito Santo, seja um batismo de “purificação ou revestimento de poder espiritual” (Mt 3.11).
Segundo esse entendimento, que geralmente pentecostais e neopentecostais compartilham, além de alguns estudiosos reformados, o batismo com fogo capacita o crente com “unção ou poder”, para que este possa obter uma vida espiritual mais profunda com Deus em oração, a pregar o evangelho com mais eficácia, curar os enfermos, realizar milagres, exorcismos e triunfar sobre os demônios. Essa é uma das interpretações mais populares do batismo de fogo no cenário evangélico hodierno. Porém, existem outras duas interpretações. Senão vejamos:
1. Alguns acreditam que o “fogo” é um sinal do juízo de Deus sobre os incrédulos, que se dará por ocasião da segunda vinda de Cristo.
2. Outros entendem o “fogo” como purificação ou revestimento de poder espiritual, e que tem relação com o Pentecostes, conforme já vimos.
3. E ainda há aqueles que adotam uma posição intermediária, unindo as duas interpretações anteriores. Sugerem que, por Batismo com o Espírito Santo e com fogo, João Batista estava se referindo ao novo nascimento e, ao mesmo tempo, a purificação e condenação.
Observemos o que diz Mateus 3.11c:
αυτος υμας βαπτίσει εν
πνεύματι αγίω και πυρί (Ele vos batizará en “com” o Espírito Santo e ou “com”
fogo, minha tradução.)
Mateus 3.11 – Eu os batizo com água para arrependimento. Mas depois de mim vem alguém mais poderoso do que eu, tanto que não sou digno nem de levar as suas sandálias. Ele os batizará com o Espírito Santo e com fogo. (NVI)
Para que possamos entender e interpretar o texto em pauta adequadamente, é necessário analisarmos todo o contexto em que Mateus 3.11c está inserido, que começa a partir do versículo 1. Observe atentamente Mateus 3.1-12:
Naqueles dias surgiu João
Batista, pregando no deserto da Judéia. Ele dizia: Arrependam-se, porque o
Reino dos céus está próximo. Este é aquele que foi anunciado pelo profeta
Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparem o caminho para o Senhor, façam
veredas retas para ele. As roupas de João eram feitas de pêlos de camelo, e ele
usava um cinto de couro na cintura. O seu alimento era gafanhotos e mel
silvestre. A ele vinha gente de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a região
ao redor do Jordão. Confessando os seus pecados, eram batizados por ele no rio
Jordão. Quando viu que muitos fariseus e saduceus vinham para onde ele estava
batizando, disse-lhes: Raça de víboras! Quem lhes deu a ideia de fugir da
ira que se aproxima? Deem fruto que mostre o arrependimento! Não pensem que
vocês podem dizer a si mesmos: ‘Abraão é nosso pai’. Pois eu lhes digo que
destas pedras Deus pode fazer surgir filhos a Abraão. O machado já está posto à
raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao
fogo. Ele traz a pá em sua mão e limpará sua eira, juntando seu trigo no
celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se apaga. (NVI)
O contexto da passagem de
Mateus 3.11 ressalta a severa pregação de João Batista conclamando o povo ao
arrependimento, pois o reino de Deus estava próximo (vs.2); em contraste,
ele mostra o resultado daqueles que não se arrependerem: sofrerão a
ira divina no futuro, que se dará na segunda vinda de Cristo, quando ele retornar em glória para julgar o mundo e restaurar a terra, estabelecendo completamente o seu reino (vs.7). João Batista não estava se dirigindo aos discípulos dele ou aos futuros discípulos de Cristo presentes naquela ocasião. Pelo contrário, ele falava diretamente aos “fariseus e saduceus” que estavam querendo se batizar, sem esboçar nenhum arrependimento. A esses ele diz: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura?. Contudo, o tema vigente desta perícope é o
chamado ao arrependimento. A ênfase de João em sua premissa recaí inteiramente
sobre o destino daqueles que não se arrependerem dos seus pecados (vs.10-12).
As palavras chaves neste trecho
de Mateus que delimitará a interpretação adequada é batizo βαπτίζω (baptizo) e fogo πυρ (pur). A palavra βαπτίζω (baptizo), no grego, significa mergulho; 1 é o sepultamento da velha vida em contraste com o nascimento de uma
nova vida.2 Sendo assim, vejamos, pois, os seis tipos de batismo [que na verdade se resume em três (batismo nas águas, com o Espírito Santo e com fogo), onde os outros três são ramificações dos anteriores] destacados no Novo Testamento.
1. O batismo com água. É o batismo que demonstrava uma atitude de arrependimento dos pecados. Este batismo de
João simbolizava uma espécie de limpeza espiritual e tinha suas raízes no nos
rituais de purificação do AT (veja Lv 15.13).
2. O batismo com o
Espírito Santo. Todos os crentes verdadeiros são batizados com o Espírito Santo
no momento da conversão. Este batismo é o mesmo que o novo nascimento (veja At 2.38; 1Co 12.13; Ef 1.13).
3. O batismo com fogo (Mt 3.10-12).
4. Simbolicamente, o batismo como o compartilhamento da crucificação de Cristo como a morte para a vida pregressa (Rm 6.3-4).
5. O batismo no sentido de purificação dos pecados passados (At 22.16).
6. O batismo como identificação pactual com a pessoa em cujo nome é batizado (Mt 28.19).
4. Simbolicamente, o batismo como o compartilhamento da crucificação de Cristo como a morte para a vida pregressa (Rm 6.3-4).
5. O batismo no sentido de purificação dos pecados passados (At 22.16).
6. O batismo como identificação pactual com a pessoa em cujo nome é batizado (Mt 28.19).
No grego, o substantivo fogo πυρ (pur), aparece diversas vezes no Antigo e no Novo Testamento. Em cada contexto em que fogo aparece, tem um significado que difere dos demais contextos.
Por vezes, o fogo, na Escritura, refere-se a ira de Deus (Jz 2.12; 10.7; 2 Sm 6.6-7; Is 42.25; Jr 8.19; 44.6; Os 8.5; Na 1.2-3; Sf 2.2; Zc 7.12). Quando esta palavra aparece no Antigo Testamento, geralmente se refere ao fogo literal (veja alguns exemplos, dentre outros, em Êx 12.10; Lv 1.7; 8.32; 10.2; Dt 5.4; Nm 16.35; 1 Rs 19.12; Dn 3.11; Am 2.5; Is 42.25; Jr 49.27). No Novo Testamento, entretanto, nem sempre a palavra fogo tem o significado literal, mas às vezes tem conotação simbólica, como em Mateus 13.40-43; Marcos 9.44-48, 1 Coríntios 3.13-15; Hebreus 10.27; Apocalipse 20.14; 21.8. Em outros lugares, como em Lucas 9.54 e 17.29-30, fazendo referência a Gênesis 19.24-29, o fogo é literal (veja também Ap 20.9). Em outros lugares, como em Isaías 6.6; Zc 13.9; Ml 3.3 e 1 Pe 1.7, o fogo é purificador, representa a graça de Deus. Assim, é o contexto quem vai determinar o significado de fogo.
Uma vez que o batismo de João
é com água, iniciatório e para a purificação, para a entrada no reino de Deus, o batismo de Jesus é “com o
Espírito Santo e com fogo”. “A vida na era vindoura está na esfera do Espírito.
Espírito e fogo estão unidos por uma preposição como se fosse um batismo duplo”.3
Hendriksen enxerga uma conexão
de Mateus 3.11-12 com as “línguas de fogo” no evento do Pentecostes, o qual marcou
o derramamento do Espírito sobre todos os que creem, quer sejam judeus ou gentios
(At 2.3). Segundo ele, baseado na profecia de Joel que foi mencionada no
discurso de Pedro, no pentecostes (Jl 2.30-31/At 2.19), a pregação de João
Batista de fato remete a segunda vinda de Cristo para purificar a terra.
Portanto, acolitando a mesma interpretação de Ridderbos, Hendriksen defende uma
posição intermediária, mesclada, entendendo que o batismo “com” ou “no” Espírito Santo e ou “com” fogo refere-se tanto ao juízo quanto a purificação. Ele escreve:
[...] Não é estranho que esse termo possa ser
usado num sentido favorável como indicativo das bênçãos do Pentecostes e da
Nova Dispensação, e num sentido desfavorável como indicativo dos terrores do
futuro diz do juízo. É Cristo quem purifica os justos e expurga a terra de suas
escórias – os ímpios.4
Carson, que também compartilha dessa mesma posição, declara que a
preposição en (“com”) não é repetida
antes de fogo: uma preposição governa o “Espírito Santo” e o “fogo”, e isso
normalmente sugere um conceito unificado, Espírito-fogo, ou algo semelhante.5
Ora, empregar essa ligação para sustentar que em Mateus 3.1-12 há dois batismos, porém um deles possui duas conotações distintas, isto é, um batismo que denota o novo Nascimento (batismo com o Espírito Santo) e o outro a purificação e o revestimento de poder, juntamente com a condenação (batismo com fogo), é impor ao contexto imediato o que ele não aduz.
Todavia, Lucas relata Jesus mencionando a profecia do Batismo com o Espírito Santo enunciada por João Batista em Mateus 3.11 em Atos 1.5 aos seus discípulos, a qual se cumpriria não muitos dias depois de reafirmá-la. Mas, alegar que o fogo em Mateus 3.11 tem a mesma conotação com o que ocorreu no derramamento do Espírito Santo (onde os discípulos [e outras pessoas que estavam com eles] falaram em línguas e foram batizadas com o Espírito [novo nascimento] pela segunda vez, mesmo já sendo regenerados, por conta da fase de transição da antiga para a nova aliança (veja Jo 13.10; 14.15-17, 26; 20.19-22), e “não” falaram em línguas de fogo, mas “como” de fogo [At 2.1-4]) no Pentecostes, é destoante.
George Ladd atesta:
Para depreendermos o significado correto do batismo com fogo neste contexto, outras informações devem ser elencadas.
Todavia, Lucas relata Jesus mencionando a profecia do Batismo com o Espírito Santo enunciada por João Batista em Mateus 3.11 em Atos 1.5 aos seus discípulos, a qual se cumpriria não muitos dias depois de reafirmá-la. Mas, alegar que o fogo em Mateus 3.11 tem a mesma conotação com o que ocorreu no derramamento do Espírito Santo (onde os discípulos [e outras pessoas que estavam com eles] falaram em línguas e foram batizadas com o Espírito [novo nascimento] pela segunda vez, mesmo já sendo regenerados, por conta da fase de transição da antiga para a nova aliança (veja Jo 13.10; 14.15-17, 26; 20.19-22), e “não” falaram em línguas de fogo, mas “como” de fogo [At 2.1-4]) no Pentecostes, é destoante.
George Ladd atesta:
A unicidade ou singularidade
da ekklesia é ilustrada por dois fenômenos no dia de Pentecostes. O
aparecimento de algo semelhante a línguas de fogo divididas e pousando sobre
cada um (2:3) sugere unidade e diversidade. Essas línguas flamejantes não eram
para serem entendidas como o cumprimento da promessa de João, de que o Messias
batizaria com o Espírito Santo e com fogo, pois o batismo com fogo é o batismo
escatológico do juízo, como comprova o contexto nos Evangelhos. A palha é para
ser queimada com fogo inextinguível (Mt 3.12). Além disso, o fenômeno do Pentecostes
não foi de línguas de fogo, mas línguas como que de fogo, e não há dúvida, no
propósito de sugerir uma maravilhosa teofania, foi algo análogo à experiência
de Moisés na sarça ardente.6
Para depreendermos o significado correto do batismo com fogo neste contexto, outras informações devem ser elencadas.
1. Em seu discurso, João comunica duas coisas intimamente relacionadas: a chegada do reino de Deus por Jesus Cristo (vs.2-3, 11-12) e o juízo final (vs.10, 12).
2. Vemos que a expressão “batizará com o Espírito Santo
e “com” fogo” refere-se a dois batismos distintos para duas classes de pessoas
distintas:
* O batismo com o Espírito é
para o trigo, ou seja, para aqueles que produziram, pela graça de Deus, frutos
dignos de arrependimento. O trigo é recolhido no celeiro por ser
algo valioso (vs.12a).
* O batismo com fogo é para a
palha, isto é, para aquelas “árvores” que não produziram frutos, as quais
serão cortadas e lançadas no fogo. Com efeito, a palha será separada do trigo – os ímpios dos crentes – e será queimada no fogo que nunca se apaga (vs.10, 12).
A figura subjacente é aquela
de uma eira onde se dá o ato de separar o grão da moinha. O lugar onde se
processa tal separação pode ser natural ou artificial. No primeiro caso, é uma
superfície de uma rocha lisa no alto de uma colina, exposta ao vento. No segundo
caso, uma área igualmente exposta ao vento de uns nove a doze metros de
diâmetro, a qual é preparada retirando as pedras do solo, umedecendo-o e então
compactando- o para que fique duro e liso, provocando-lhe um declive levemente ascendente
ao longo do contorno e cercando-a com uma mureta de pedras para manter o grão
dentro. Em primeiro lugar, as gavelas de grão (cevada ou trigo) que ficarem
dispersas nessa área são trilhadas por bois que arrastam um trilho, em cuja
base se fixam pedras, por meio das quais os núcleos de grão se separam dos
talos. Não obstante, a moinha (tudo o que fica da casca dura do grão, terra,
lixo, pequenos pedaços de palha) continua presa aos grãos. Então começa o joeirar
a que o versículo 17 se refere. Punhado e mais punhado, o grão trilhado é
lançado ao ar por meio de uma forquilha provida de duas ou mais pontas; a brisa
vespertina, geralmente soprando do Mediterrâneo de março a setembro, arrebata a
moinha. O grão mais pesado em seguida cai sobre a eira. Assim se separa o grão
e a moinha. O trabalho de quem joeira não para até que a eira esteja totalmente
limpa.
Assim também Cristo em seu
regresso depurará totalmente a área onde se consumará o juízo. Ninguém ficará
sem ser percebido. Mesmo agora ele está totalmente provido do necessário para
realizar a tarefa de separar o bom do mau.7
Em outras palavras, em sua vinda, Jesus irá executar duas coisas: Primeiro, reunir o seu povo, guardar no celeiro, que é o batismo com o Espírito Santo; segundo, queimar a palha, a saber, julgar, condenar e lançar os ímpios no lago de fogo. Portanto, batizar com o Espírito Santo é “guardar o trigo no celeiro” (salvação) e batizar com fogo é “queimar a palha” (condenação).
John Gill corrobora:
E como este sentido [o de
julgamento para os ímpios] melhor concorda com o contexto, creio ser ele o
genuíno; visto que João não está falando para os discípulos de Cristo, que
ainda não tinham sido chamados, e que somente no dia de Pentecostes foram batizados
com o Espírito Santo e com fogo, no outro sentido desta frase [no sentido de
fogo como a obra da graça purificadora para os crentes]; mas ele se dirigia aos
Judeus, alguns dos quais tinham sido batizados por ele.8
Isto posto, entendemos que, no presente contexto, o “batismo com fogo” (diferente do batismo nas águas, que é uma cerimônia pública que demonstra a confissão de fé e o arrependimento do batizado para ser inserido na igreja, e o batismo com o Espírito Santo, que é o
nascer de novo) é o batismo para a condenação. No dia do julgamento
final, que se dará na segunda vinda de Cristo, a justiça de Deus se
manifestará em ira e sobrevirá sobre os ímpios costumazes, os quais serão “submergidos”, castigados com a morte e lançados no lago de fogo e
enxofre para sofrerem eternamente (Ap 20.11-15; 21.8).
NOTAS:
1. Dicionário do Novo
Testamento grego James Strong, pág 2108.
2. Fritz Rienecker e
Cleon Rogers. Chave
Linguística do Novo Testamento Grego, pág 5.
3. A. T. Robertson. Comentário
de Mateus e Marcos à luz do Novo Testamento Grego, pág 51.
4.
Veja William Hendriksen em Mateus, volume
1, pág 294-295.
5. Carson. Mateus,
pág 135.
6. George Ladd. Teologia do Novo Testamento, pág 328.
7. William Hendriksen. Lucas, volume 1, pág 290-291.
8. Citação extraída do Comentário Expositivo da Bíblia de John Gil, disponível em http://www.biblestudytools.com/commentaries/gills-exposition-of-the-bible/matthew-3-11.html
8. Citação extraída do Comentário Expositivo da Bíblia de John Gil, disponível em http://www.biblestudytools.com/commentaries/gills-exposition-of-the-bible/matthew-3-11.html
Autor:
Leonardo Dâmaso
Divulgação:
Reformados 21