Eu sou a videira verdadeira, e
meu Pai é o lavrador. Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira; e limpa
toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos, pela
palavra que vos tenho falado. Estai em mim, e eu em vós; como a vara de si
mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não
estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele,
esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não estiver em
mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e
ardem.
Aqui lemos que Deus, como
lavrador, amavelmente “limpa” (v.2), i.e., lava, purga e purifica os crentes de
tudo o que não contribui para sua maturidade espiritual (“dar frutos”). Isto
pode ocorrer de várias formas: disciplina, ensinamentos, provações, etc. O
debate centra-se naquilo que Deus faz com as varas infrutíferas, e o que elas
representam. Há geralmente três pontos de vista dessa passagem.
A interpretação arminiana padrão é que as “varas infrutíferas” são cristãos genuínos que, por causa de sua falta de frutos, perdem a salvação. Um exemplo daqueles que apoiam este ponto de vista é Adam Clarke: “como o lavrador removerá toda vara infrutífera da videira, então meu pai removerá todo membro infrutífero de meu corpo místico, mesmo se eles estiveram em mim pela fé verdadeira (porque somente assim eles são varas)”.
Uma variação da posição calvinista é que as
“varas infrutíferas” são cristãos genuínos que, devido a sua falta de frutos,
entram em disciplina divina. Este “corte” e julgamento é a morte física, não
morte espiritual. Eles são e permanecem salvos, mas são levados prematuramente
ao Paraíso como uma medida disciplinar à sua falha de andar em obediência a
Jesus.
A outra opção para aqueles que creem na
segurança eterna é entender que as “varas infrutíferas” são supostos
“discípulos” que experimentam somente uma conexão externa e superficial com
Jesus. Embora eles “creiam” e “sigam” a Jesus em algum sentido, sua ligação
“não se encaixa com uma união interna, espiritual pela fé pessoal e
regeneração” (J. Carl Laney, “Abiding is Believing: The Analogy of the Vine in
John 15:1-6,” BibSac [January March, 1989], 61). Portanto, “as varas sem frutos
são varas sem vida – varas sem Cristo” (62).
Eu acredito que a terceira
opção é a mais consistente com aquilo que lemos no Evangelho de João e no resto
do Novo Testamento. Minhas razões (7 delas) para adotar essa visão e rejeitar
as outras são as que se seguem.
Primeiro, a implausibilidade
do ponto de vista arminiano é visto naquilo que Jesus declarou em João
10.28-29, que aqueles a quem ele dá a vida eterna nunca perecerão. Mais
decisivo ainda é a palavra usada em 15.6. Ali, Jesus diz que as varas
infrutíferas serão “lançadas fora” (uma forma do verbo grego ballo, “colocar”,
“lançar”, junto com o advérbio exo, “fora” ou “do lado de fora”. Mas em João
6.37, Jesus usa virtualmente uma terminologia idêntica e diz: “Todo o que o Pai
me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (
ekballo com exo ). O ponto de vista arminiano pede que Jesus contradiga o que
disse do crente em 6.37 com o que afirma em 15.6. Certamente, nem Nosso Senhor
falando, nem João registrando suas palavras, são culpados da mais óbvia das
contradições teológicas.
Segundo, a fraqueza da segunda
visão citada é que, aquilo que Jesus diz do destino das varas infrutíferas
aparenta mais ser condenação eterna que um castigo temporário. As varas
infrutíferas são “lançadas fora” (v.2). A vara infrutífera é “lançada no fogo”
e “queimará” (v.6; cf. Mateus 3.12; 5.22; 18.8-9; 25.41; 2 Ts 1.7-8; Ap 20.25).
Terceiro, a visão que as varas
infrutíferas são não regenerados é apoiada pelo que o Evangelho de João diz
sobre “crentes” não salvos. Em outras palavras, João frequentemente retrata
pessoas como “crendo” em Jesus, que claramente não são nascidas de novo. Há um
estágio no progresso para crer em Jesus que “fica próximo da crença genuína ou
consumada resultante da salvação” (Laney, 63). Veja João 2.23-25 (em que a “fé”
ou “crença” é claramente superficial em sua natureza); 8.31,40,45-46 (em que os
judeus que “creram nele” mostraram-se escravos do pecado [v.34], indiferentes
às palavras de Jesus [v.37], filhos do diabo [v.44], mentirosos [v.55],
culpados de mobilizar a multidão e tentar assassinar aquele em que eles professaram
crer [v.59]!). Veja também 7.31 e 12.11,37, em que a mesma ideia está presente.
Depois de Jesus ensinar, nós lemos em 6.60 que “Muitos, pois, dos seus
discípulos, ouvindo isto, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir?”
Havia muitos “discípulos” de Jesus que “não criam” (v. 64). Carson explica:
Discípulos devem ser
distinguidos dos “Doze” (cf. 6.66-67). Mais importante, assim como há fé e fé
(2.23-25), também existem discípulos e discípulos. Em um nível mais elementar,
um discípulo é alguém que até certo ponto segue a Jesus, seja literalmente por
entrar no grupo que o seguia de lugar a lugar, ou metaforicamente ao entendê-lo
como uma autoridade ensinando. Um “discípulo” assim não é necessariamente um “cristão”,
alguém que creu salvificamente em Jesus e recebeu uma união com ele, dada pelo
Pai ao Filho, planejada pelo Pai e nascido novamente do Espírito. Jesus deixará
isso claro no apropriado momento que aqueles que continuam em sua palavra são verdadeiramente
seus “discípulos” (8.31). Os ‘discípulos' descritos aqui não permanecem em sua
palavra (300).
Jesus claramente reconhece o
que nós chamamos de “fé volátil” e a distingue da verdadeira, a fé salvífica,
baseada no permanecer em Jesus e em seus ensinamentos. Perseverança é a marca
ou sinal da fé salvífica verdadeira. Quando uma pessoa “permanece” ou “habita”
na “palavra” de Jesus, isto é, a pessoa “obedece, procura entendê-la melhor, e
a acha mais preciosa, com mais autoridade, precisamente quando outras forças
opõem-se a ela. É aquele que continua no ensinamento que tem o Pai e o Filho (2
Jo 9; cf. Hb 3.14; Ap 2.26)” (Carson, 348).
Existe no Evangelho de João,
portanto, uma “fé” ou “crença” superficial, transitória, que pode ser baseada
unicamente em milagres vistos, mas não é fundamentada no fruto de um
entendimento salvífico e a confiança em que Jesus realmente é. Pessoas como
essas estão, de alguma forma, conectadas ou unidas a Jesus, o bastante para que
elas possam ser chamadas de “discípulos”, ainda assim não são discípulos cristãos.
Estas, acredito, são as varas infrutíferas de João 15.2,6.
Quarto, devemos tomar nota da
frase “em mim” no v.2. É possível que “em mim” refere-se a “dar frutos” ao invés
de “toda vara”. Em outras palavras, ao invés de interpretar o verso como
“Toda a vara em mim, que não dá fruto”, deveria ser lido “toda vara que não dá
fruto em mim...” A frase “em mim” ocorre outras cinco vezes em 15.1-7, e em
todos os casos refere-se ao verbo. Portanto, pode muito bem significar que a
frase “em mim” enfatiza “não o lugar da vara, mas o processo de dar frutos”
(Laney, 64).
Quinto, o contraste entre os
v.2 e v.3 suporta esse ponto de vista. Ao “falar simplesmente do corte de varas
infrutíferas, Jesus explicou aos discípulos que Ele não tinha eles em vista
(v.3). Eles já estavam “limpos” por causa da resposta à Pessoa e mensagem de
Cristo (cf. 13.10-11). Jesus estava dando a Seus discípulos instruções que não
representavam a situação espiritual deles, mas tinham aplicação primária para
aqueles a quem eles iriam ministrar, aqueles que clamariam ser de Cristo, mas
não estavam dando frutos” (Laney, 64).
Sexto, esse ponto de vista
traz o melhor sentido da relação no Evangelho e nas epístolas de João sobre
“crer” e “permanecer”. A verdadeira fé salvífica em Jesus estabelece a relação
de permanecer e, nos escritos joaninos, torna-se virtualmente sinônimo da crença
genuína. Veja especialmente João 6.40-54 e 56; 1 João 2.24; 3.23-24; 4.15.
Permanecer em Cristo é crer em Cristo.
Sétimo, Carson destaca que “a
proposta transparente do v.2 é insistir que não existem verdadeiros
cristãos sem algum tipo de fruto. Frutificar é a marca infalível do verdadeiro
Cristianismo; a alternativa é a madeira morta, e as exigências da metáfora da
videira faz necessário que cada madeira esteja conectada com a videira. (Ramos
mortos provenientes de alguma outra árvore, vivendo ao redor do campo da
videira, quase nos passam essa ideia). Não existe vida neles; eles nunca deram
frutos, ou então eles seriam limpos, não cortados fora. Porque Jesus é a
videira verdadeira, em contradição com a videira de Israel em que não nasce fruto
ou nasce frutos estragado, é impossível pensar que algum ramo que não dê fruto
possa ser considerado parte dele: suas próprias credenciais como a videira
verdadeira poderiam ser questionadas tão fundamentalmente quanto as credenciais
de Israel” (515). Nesta ideia, veja especialmente Mateus 7.15-23 e 1 João 2.19.
Minha conclusão, então, é que
esta passagem não ensina que um cristão verdadeiro, nascido de novo, possa
apostatar da fé e perder sua salvação. Ela ensina que é impossível dar frutos
fora da união doadora de vida salvífica com Jesus (v.4), e é impossível não
frutificar quando esta conexão com Jesus realmente existe (v.5). Também ensina
que alguns (muitos) que professam estar “unidos” com Jesus, que afirmam “crer”
nele, e que mesmo o “seguem” como “discípulos”, serão revelados pelo tipo de
fruto, como falsos e, portanto, sujeitos ao julgamento eterno.
Autor: Sam
Storms
Fonte:
Monergismo