Embora os métodos e as
atividades das pessoas que afirmam possuir o dom de cura não se harmonizem com
a Bíblia, não podemos negar a ocorrência de certos fenômenos nos cultos.
Pessoas “caem no Espírito”, outras saltam de cadeiras de rodas, afirmando terem
sido curadas. Existe alguma explicação para isso?
Talvez você pense que existam muitas
evidências para corroborar as alegações feitas pelos curandeiros. Mas não é
assim. A maior parte das “evidências” citadas por eles como prova não pode ser
comprovada. É uma conjectura ou uma opinião subjetiva.
Certo homem, William Nolen, um médico não evangélico, testou as afirmações de pessoas que curam mediante a fé. Ele escreveu um livro intitulado A Doctor in Search of a Miracle (Um Médico à Procura de um Milagre], incluindo uma seção sobre os curandeiros carismáticos, com ênfase especial em Kathryn Kuhlman, cujo trabalho ele estudou detalhadamente. Nolen apresenta este relato de um culto de cura:
Certo homem, William Nolen, um médico não evangélico, testou as afirmações de pessoas que curam mediante a fé. Ele escreveu um livro intitulado A Doctor in Search of a Miracle (Um Médico à Procura de um Milagre], incluindo uma seção sobre os curandeiros carismáticos, com ênfase especial em Kathryn Kuhlman, cujo trabalho ele estudou detalhadamente. Nolen apresenta este relato de um culto de cura:
Finalmente acabou. Ainda havia longas filas de pessoas esperando para subir ao palco e reivindicar a cura, mas às cinco horas, com um hino e a bênção final, o espetáculo terminou. A senhora Kuhlman deixou o palco, e o público saiu do auditório.
Antes de voltar e falar com a
Sra. Kuhlman, passei alguns minutos observando os doentes que iam embora em
cadeiras de rodas. Todas as pessoas muitíssimo doentes que se encontravam em
cadeiras de rodas permaneciam nelas. De fato, o homem que tinha câncer no rim,
na espinha dorsal e no quadril, o homem a quem ajudei a chegar ao auditório,
que foi levado ao palco e reivindicara a cura, estava agora, outra vez, na
cadeira de rodas. Sua “cura”, ainda que tenha ocorrido apenas devido à
histeria, teve curtíssima duração.
Parei no corredor, observando
os casos sem esperança de deixarem o local, contemplando as lágrimas de pais
que conduziam os filhos deficientes aos elevadores. Eu queria que a Sra.
Kuhlman estivesse comigo. No culto, ela reclamara algumas vezes da “responsabilidade,
enorme responsabilidade” e de seu “coração partido por causa dos que não foram
curados”. Todavia, eu me perguntava com que frequência ela realmente os
observava. Eu desejava saber com sinceridade se a alegria das pessoas “curadas”
de bursite ou artrite compensava a angústia dos que partiam com pernas
atrofiadas, com filhos que tinham deficiência mental, com câncer de fígado.
Eu me perguntava se ela
realmente sabia o dano que estava causando. Eu não podia acreditar que ela
soubesse.
Eis alguns aspectos dos
processos de cura médica sobre os quais alguns de nós não sabemos nada e dos
quais nenhum de nós conhece o suficiente. Comecemos com a habilidade do corpo
de curar a si mesmo. Kathryn Kuhlman diz muitas vezes: “Eu não curo; o Espírito
Santo cura por intermédio de mim”. Suspeito que existem duas razões pelas quais
a Sra. Kuhlman repete continuamente essa declaração: primeira, se o doente não
melhorar, o Espírito Santo, e não Kathryn Kuhlman, recebe a culpa. Segunda: ela
não possui a menor ideia do que seja cura; e, visto que põe a responsabilidade
nos ombros do Espírito Santo, ela pode responder, aos ser questionada sobre
seus poderes de cura: “Eu não sei. O Espírito Santo é quem faz tudo”.16
O Dr. Nolen continuou,
explicando que os médicos, assim como os curandeiros carismáticos, podem
exercer influência sobre o paciente e curar sintomas de doenças por meio da
sugestão, com ou sem a imposição de mãos. Essas curas não são miraculosas;
procedem do funcionamento do sistema nervoso autônomo do paciente.
Também mencionou que todas as
pessoas que curam — pela fé ou por meio da medicina — usam, em certa medida, o
poder da sugestão. Ele admitiu que, ao administrar a alguém uma pílula ou uma
injeção, diz com muita frequência que o remédio fará o paciente sentir-se
melhor após 24 ou 48 horas. Obtém resultados melhores, se der ao paciente uma
mensagem vaga. Como destaca Nolen, existe bastante poder na atitude otimista,
especialmente no que se refere a desordens funcionais.17
Explicou a importante
distinção entre doenças funcionais e orgânicas. A doença funcional ocorre
quando um órgão sadio não funciona de maneira adequada. Na doença orgânica, o
órgão encontra-se doente, debilitado, fisicamente prejudicado ou morto.
“Infecções, ataques cardíacos, cálculos biliares, hérnias, hérnias de disco,
cânceres de todos os tipos, ossos quebrados, deformidades congênitas e
lacerações” incluem- se na classe de doenças orgânicas.18 Nolen afirma
que, se alguém recorre à fé para curar doenças orgânicas, não obtém sucesso.
No artigo de uma revista,
Nolen afirmou que a Sra.. Kuhlman não entendia as “doenças psicogênicas” —
doenças relacionadas à mente.19 Em termos simples, um braço dolorido
é uma doença funcional. Já a doença orgânica seria um braço ou uma perna
ressequidos. A doença psicogênica seria pensar que seu braço está dolorido.
Nolen escreveu:
Faça uma pesquisa na
literatura, como eu fiz, e você não achará, documentadas pelos curadores, curas
de cálculos biliares, doenças cardíacas, cânceres ou qualquer outra doença
orgânica grave. Com certeza serão encontrados pacientes que sentiram alívio
temporário de dor no estômago, no peito, problemas respiratórios. Você também
encontrará curandeiros e fiéis que interpretarão o fim dos sintomas como
evidência da cura da doença. Mas uma investigação posterior no paciente sempre
revela que houve apenas “cura” dos sintomas, de curta duração. A verdadeira
doença permanece oculta.20
Quando os curandeiros tentam
curar doenças orgânicas graves, eles são, muitas vezes, responsáveis por enorme
angústia e infelicidade. Às vezes, eles mantêm os pacientes distantes da ajuda
que lhes poderia ser eficiente ou salvar-lhes a vida.
Há muitos anos, preguei uma
mensagem em que afirmei muitas das coisas contidas neste capítulo. Ao final da
mensagem, um jovem aproximou-se e me disse: “O senhor nunca saberá o
significado dessa mensagem para mim. Caí de uma escada e machuquei a cabeça,
sofrendo de dores terríveis. Algumas pessoas oraram por mim e disseram que as
dores estavam curadas e sumiram. No entanto, desde o retorno das dores, eu tenho
me sentido culpado, como se não tivesse aceitado a cura divina. Portanto, eu me
recusei a consultar um médico. No entanto, nesta manhã, o senhor me libertou
para entender que preciso ser examinado por um médico”. O médico conseguiu
encontrar as causas orgânicas das dores de cabeça, e o jovem foi tratado com
eficiência.
O
que nos diz a evidência?
Sem dúvida, muitas pessoas que
creem nos curandeiros carismáticos protestarão afirmando que o Dr. Nolen não
sabe o que fala. Além disso, ele não é evangélico e, talvez, não se sinta
inclinado a crer em milagres. Quão objetiva foi sua pesquisa? O Dr. Nolen recebeu
da Sra Kuhlman um lista de pessoas, vítimas de câncer, que ela “curara”, e isso
foi o que ele descobriu:
Escrevi a todas as vítimas de
câncer da lista — oito no total —, e a única pessoa que decidiu cooperar foi um
homem que a Sra. Kuhlman supostamente curara de câncer na próstata. Ele me
enviou a ficha médica completa de seu caso. O câncer de próstata muitas vezes
responde de forma positiva à terapia hormonal; e, caso se espalhe, também poderá ceder à radioterapia. Esse homem fora submetido a um tratamento intensivo
que incluiu cirurgia, radiação e hormônios. Ele também foi tratado por Kathryn
Kuhlman. Ele preferiu atribuir a cura — ou remissão (é o que parecer ser este
caso) — à Sra. Kuhlman. No entanto, qualquer pessoa que lesse seu prontuário,
leiga ou ligada à medicina, perceberia imediatamente a impossibilidade de
afirmar que tratamento atuara para prolongar sua vida. Se a Sra. Kuhlman se
apegasse a esse caso, para provar que por intermédio dela o Espírito Santo
“curou” o câncer, ela estaria em maus lençóis.21
O Dr. Nolen acompanhou 82 casos
de curas atribuídas a Kathryn Kuhlman, valendo-se dos nomes apresentados por
ela. Das 82 pessoas, apenas 23 responderam e foram entrevistadas. A conclusão
de Nolen, ao findar toda a investigação, é que nenhuma das supostas curas era
legítima.22
A falta de conhecimento médico
de Kathryn Kuhlman é o ponto crítico. Não creio que ela seja mentirosa,
charlatã ou conscientemente desonesta; acredito que ela creia, sinceramente,
que os milhares de pessoas doentes que vêm aos seus cultos e reivindicam curas,
por meio de suas ministrações, são curadas de doenças orgânicas. Também creio —
e minhas pesquisas confirmam — que ela está errada. O problema — sinto dizê-lo de
forma tão abrupta — é ignorância. A Sra. Kuhlman não conhece a diferença entre
doenças psicogênicas e doenças orgânicas. Embora use técnicas hipnóticas, ela
não sabe nada a respeito de hipnose e do poder da sugestão. Ele não sabe nada
sobre o sistema nervoso autônomo. Caso saiba disso, aprendeu a ocultar muito
bem seu conhecimento.
Existe outra possibilidade:
talvez a Sra. Kuhlman não queira saber que seu trabalho não é tão miraculoso
quanto parece. Por essa razão, ele treinou a si mesma para negar, de forma
emocional e intelectual, qualquer coisa que ameace a validade de seu ministério.23
Recentemente, James Randi, mágico
profissional conhecido como “o Incrível Randi”, escreveu um livro no qual
examina as alegações de pessoas que curam por meio da fé.24 Randi
foi o homem que expôs a farsa do televangelista Peter Popoff, em 1986, no
programa de televisão The Tonight Show. (Popoff afirmava receber “palavras de
conhecimento”, da parte de Deus, sobre pessoas presentes, e os detalhes eram
incrivelmente precisos. Randi descobriu que ele apenas repetia informações
recebidas de sua mulher, por meio de um receptor escondido no ouvido. Ela lia
para ele informações obtidas das pessoas, de modo informal, antes do início das
reuniões.)
Randi é um antagonista do
cristianismo.25 No entanto, ele conduziu sua investigação de modo
completo e justo. Pediu aos principais líderes do movimento de cura pela fé que
lhe enviassem “evidências diretas e comprováveis” de curas verdadeiras.26
Randi escreveu: “Estava disposto a aceitar um só caso de uma cura miraculosa,
para afirmar neste livro que pelo menos em uma ocasião um milagre acontecera”.27
Mas nenhuma das pessoas que curam pela fé apresentou-me sequer um caso de cura
comprovado pela medicina, um caso que não poderia ser explicado como
convalescença natural, melhora psicossomática ou fraude. Qual a conclusão de
Randi? “Reduzida à sua base, a cura pela fé hoje — e como sempre — é simplesmente
magia. Ainda que os pregadores neguem com veemência qualquer ligação com essa
prática, suas atividades satisfazem todas as exigências da definição de magia.
Todos os elementos da magia estão presentes, e a intenção é idêntica”.28
Evidentemente, muitos dos que
curam pela fé equivocam-se quanto às suas alegações. Alguns até negam que
afirmam curar. “Eu não curo”, eles dizem, “o Espírito Santo cura”. No entanto,
todas as representações, bravatas e truques negam essa afirmação. Se não
alegassem realizar curas, por que tantas pessoas esperançosas se dirigiriam às
reuniões deles? E por que continuam narrando histórias fantásticas de pessoas
supostamente curadas nessas reuniões?
E as curas sobre as quais
ouvimos? Alguma delas é genuína? Talvez não. Onde estão as curas de ossos
esmagados? Quando ouvimos que um desses curandeiros esteve em um acidente
automobilístico e curou uma face lacerada ou endireitou um crânio esmagado?
Onde estão as curas de doentes terminais? Existem membros amputados, posteriormente
restaurados ou ex-tetraplégicos que agora andam normalmente? Em vez disso, o
que vemos, de modo geral, são doenças imaginárias, curadas de modo imaginário.
Nenhum dos curandeiros da
atualidade é capaz de apresentar uma prova irrefutável dos milagres que alegam
ter realizado. Muitos deles são fraudadores, e suas curas, suspeitas.
Entretanto, milhares de pessoas inteligentes continuam a recorrer a eles. Por
quê? Por causa do desespero que, de modo geral, acompanha a doença. A
enfermidade pode levar as pessoas a fazerem coisas extremas e insensatas que,
em outra situação, elas não fariam. Pessoas que são comumente racionais,
inteligentes e equilibradas, tornam-se irracionais. Satanás sabe disso; por
essa razão, ele disse: Pele por pele, e
tudo quanto o homem tem dará pela sua vida (Jó 2.4).
Os casos mais desesperadores e
dolorosos envolvem pessoas que sofrem de doença orgânica incurável. Outras não
estão verdadeiramente doentes. Possuem problemas psicossomáticos ou doenças
funcionais sem gravidade. Outras encontram-se tão cheias de dúvidas, que vão a
diferentes reuniões para terem sua fé reforçada, mediante a contemplação do que
consideram miraculoso. A tragédia é que nenhum bem ocorre a essas pessoas — a
fé não é fortalecida, tampouco as doenças são curadas. Multidões voltam para
casa arrasadas, desconsoladas, sentindo que falharam para com Deus, e Deus,
para com eles.
Existe muita confusão, culpa e
dor entre carismáticos e não carismáticos por causa do que lhes foi dito a
respeito da cura. A angústia da doença e da enfermidade é intensificada quando
as pessoas sentem que não foram curadas por causa de pecados pessoais, falta de
fé ou indiferença de Deus para com elas. Acham que, se a cura está disponível a
todos e elas não a obtêm, a falta é delas mesmas ou de Deus. Portanto, os
curandeiros que se valem da fé alheia têm deixado muitos destroços em seu
caminho.
Deus
cura — à maneira dEle
Será que Deus cura? Creio que
sim. Não desprezo automaticamente todas as alegações de curas sobrenaturais porque algumas são falsas. No entanto, estou convencido de que a intervenção
divina, dramática, miraculosa e imediata, é muito rara — e jamais depende de
qualquer pessoa supostamente dotada que atua como agente da cura. Curas
genuínas podem resultar da oração, e a maior parte delas envolve, de modo
geral, processos naturais. Em outras ocasiões, Deus agiliza os mecanismos de
recuperação e restaura o doente à saúde de uma maneira que a medicina não
consegue explicar. Às vezes, Ele passa por cima dos prognósticos médicos e permite
que alguém se recupere de uma doença debilitante. Curas como essas procedem da resposta
à oração e da vontade soberana de Deus e podem ocorrer a qualquer momento. Todavia,
o dom de cura, a capacidade de curar outras pessoas, unções especiais para
ministérios de cura, curas das quais se “toma posse” e outras técnicas típicas
do movimento de cura pela fé não possuem sanção bíblica nesta era
pós-apostólica.
Sem dúvida, Deus cura. Ele
cura em resposta à oração, a fim de revelar sua glória. Entretanto, existe uma
enorme diferença entre as curas realizadas nos dias de Jesus e dos discípulos e
a “curas” oferecidas hoje na televisão, no rádio, nas correspondências e nos
púlpitos. Um exame nas Escrituras ressalta perfeitamente a diferença.
NOTAS:
16. Nolen, William. Healing: a doctor in search of a
miracle. New York, Random House,
1974. p. 60, 239.
17. Ibid. p.
256-257.
18 Ibid. p. 259.
19. Nolen, William. In search of a miracle. McCall’s, p.
107, Sept. 1974.
20. Healing: a doctor in search of a miracle. New
York, Random House, 1974. p. 259-260.
21. Nolen, William. In search of a miracle. McCall’s, p.
107, Sept. 1974.
22. Ibid. p. 106.
23. Ibid. p. 107.
24. Randi, James. The
faith healers. Buffalo: Prometheus, 1987.
25. Lembre-se, porém, que os mais veementes críticos de
Jesus eram incapazes de refutar ou negar os milagres que Ele realizava.
26. Randi, James. The faith healers. Buffalo:
Prometheus, 1987. 27 Ibid. p. 25.
28. Ibid. p. 35.
Autor: John
MacArthur
Trecho extraído do livro Caos Carismático, pág 271-279. Editora: Fiel