A doutrina da Trindade é
essencial para a fé cristã ortodoxa. O pensamento trinitariano impregna todo o
Novo Testamento e é pressuposto nas doutrinas centrais da encarnação (Lucas
1:35), expiação (Hebreus 9:14), ressurreição (Romanos 8:11) e salvação (1 Pedro
1:2), bem como nas práticas do batismo com água (Mateus 28:19) e oração (Efésios
2:18). Consequentemente, não pode haver nenhuma dúvida que a falha em aceitar a
Trindade conduzirá a erros fatais no restante da teologia de uma pessoa.
Contudo, a Trindade é frequentemente vista como um conceito difícil, se não
contraditório. A Trindade é incoerente? O presente artigo procura
responder essa pergunta com um enfático “Não”.
A
Doutrina da Trindade
Em essência, a doutrina da Trindade
pode ser esboçada pelas seguintes proposições:
1. Há somente um Deus que é
imutável e eternamente indivisível e simples (Deuteronômio 6:4; João 17:3; 1
Coríntios 8:6).
2. O Pai, o Filho e o Espírito
Santo são cada um plena e co-igualmente Deus (João 20:17; João 1:1; Atos
5:3-5).
3. O Pai, o Filho e o Espírito
Santo são distintos e não um e o mesmo (Marcos 1:10-11; João 15:26; Hebreus
9:14).
Agora, cada uma dessas afirmações é essencial para a doutrina de Deus. Negar (1) é cair no erro do triteísmo. Repudiar (2) é abraçar o subordinacionismo. Rejeitar (3) é concordar com o modalismo. O leitor pode observar que a personalidade dos Três não é explicitamente declarada. Isso ocorre porque a palavra pessoa não é um termo bíblico, mas um de conveniência na teologia. Contudo, a intenção por detrás da palavra “pessoa” está envolvida nessas três verdades. Chamemos do que quiser – pessoas, consciências ou egos – tudo o que o Pai é, o Filho e o Espírito também são.
A
Alternativa Diante de Nós
O único problema é que essas
três proposições parecem ser autocontraditórias ou pelo menos muito embaraçosas.
Como Deus pode ser três e, todavia, um? Ou, como pode um Deus ser três sem ser esquizofrênico?
Parece que temos três alternativas diante de nós:
1) Poderíamos negar uma ou mais das três preposições. Mas como já observamos, repudiar qualquer dessas afirmações leva à heresia do triteísmo, subordinacionismo ou modalismo, respectivamente. Por conseguinte, não podemos negar nenhuma dessas verdades sem cometer suicídio teológico.
2) Poderíamos aceitar todas as
três proposições como necessariamente paradoxais. Isto é, poderíamos manter que
cada uma delas é individualmente verdadeira e, todavia, coletivamente
contraditórias ao mesmo tempo. Mas isso não somente despreza as regras da
lógica, mas é antibíblico também. A doutrina da inerrância bíblica impede a possibilidade
de uma real contradição na Escritura, e a propriedade bíblica de perspicuidade
ou clareza demove a possibilidade de dificuldades insuperáveis na Palavra de Deus. Portanto, deve ser possível reconciliar essas três verdades
trinitarianas.
3) Poderíamos reconhecer humildemente
nossa presente falta de entendimento e procurar uma solução, o que permite que
mantenhamos consistentemente todas as três verdades. Essa é a única abordagem aceitável
e é a que empreenderemos. Assim, embora seja verdade que a realidade da
Trindade é uma questão de fé, sua coerência está aberta à análise racional.
Encontrando
uma Resposta
Agora, a resposta mais
simplista para aqueles que afirmam que é uma contradição dizer que Deus é tanto
três como um é esta: responder que ele é três num sentido diferente de que ele
é um. Contudo, se desejamos ser convincentes, devemos tentar também definir os
sentidos nos quais Deus é três e um e fazer isso de uma forma que preserve todas
as três afirmações trinitarianas. Por exemplo, alguém poderia dizer que Deus é
três Pessoas com uma natureza divina. Mas embora isso seja verdade, se não for
explicado, implica no triteísmo. Três homens claramente compartilham uma
natureza humana comum, mas não são indivisíveis. Um deles pode ser morto sem
necessariamente arriscar a existência e identidade dos outros dois. Assim, deve
haver algo único à natureza divina que impeça tal divisibilidade.
Talvez a melhor solução
oferecida até hoje ao problema da Trindade seja aquela proposta pelo falecido
Gordon H. Clark. Ele definiu uma pessoa como uma série de pensamentos. Isto é,
“um homem é o que ele pensa” (The Incarnation, 1985, 54 e 64; The Trinity,
1985, 105 e 106). Há várias vantagens claras nessa definição. Positivamente,
uma entidade pensante existe pessoalmente (“Penso, logo existo”). Ele pode ter
relacionamentos pessoais. Ele tem uma vontade. Negativamente, uma entidade
não pensante não é uma pessoa. Não nos dirigimos a um cadáver como a pessoa,
mas como o corpo da pessoa. A personalidade sobrevive à morte física e é então
separada do corpo (Tiago 2:26). Assim, claramente a personalidade está relacionada
com a mente e não com o corpo.
Agora, eu modificaria
ligeiramente a definição do Dr. Clark para dizer que uma pessoa é distinta por
como ela pensa, e não por o que ela pensa. O motivo é que o conteúdo dos
pensamentos humanos muda dia após dia sem destruir a personalidade. Eu não
cesso de ser Joel Parkinson quando aprendo algo novo, nem me torno outro alguém
quando minha memória falha. Todavia, concernente a Deus, tal sutiliza é
irrelevante. Seus pensamentos são todos abrangentes e imutáveis. Portanto, como
Deus pensa e o que ele pensa são uma e a mesma coisa. Dessa forma, adotaremos a
definição de Gordon Clark para os propósitos dessa proposta.
Clark continua para mostrar que
as três Pessoas divinas são distintas devido aos seus pensamentos diferentes.
“Visto que as três Pessoas também não têm precisamente a mesma série de pensamentos,
elas não são uma Pessoa, mas três” (The Trinity, 106-107). Tal distinção pode
parecer estranha superficialmente, visto que cada uma das Pessoas divinas
conhece todas as verdades (1 João 3:20; Mateus 11:27; 1 Coríntios 2:11). Alguém
poderia então ficar inclinado a concluir que as três Pessoas têm os mesmos
pensamentos. Mas o Dr. Clark está se referindo ao que eu chamo de “conhecimento
subjetivo” das Pessoas, enquanto a onisciência delas concerne ao “conhecimento
objetivo”.
Agora, o “conhecimento subjetivo”
consiste de fatos concernentes à experiência pessoal de uma pessoa, enquanto o
“conhecimento objetivo” é a verdade com respeito à experiência. Dizer “eu estou
escrevendo este artigo” é uma proposição subjetiva: somente eu posso dizê-la.
Por outro lado, a declaração “Joel Parkinson escreveu este artigo” é objetiva,
pois pode ser conhecida e dita por qualquer um. (Certamente, Deus não conhece
algo por causa da sua experiência, visto que seu conhecimento é eterno e
imutável. Mas isso não significa que ele não conheça suas obras terrenas. A
terminologia usada aqui simplesmente tem o objetivo de distinguir concisamente
entre proposições de primeira pessoa e de terceira pessoa).
Assim, os pensamentos
subjetivos das três Pessoas divinas e seu conhecimento objetivo não são uma e a
mesma coisa, embora ambos sejam todo abrangente. O Pai não pensa “eu morrerei
ou morri numa cruz”, nem ele pensa “eu habitarei ou habito nos cristãos”.
Somente o Filho pode pensar da primeira forma e a última é única ao Espírito Santo.
Mas todos os três sabem que “o Filho morrerá ou morreu numa cruz” e “o Espírito
Santo habitará ou habita nos cristãos”. Assim, os pensamentos subjetivos
distinguem as Pessoas, embora o conhecimento objetivo delas seja compartilhado
e completo.
Experiência
Aplicar essa definição de
“pessoa” à Trindade leva-nos à noção da triunidade intelectual de Deus. Essa
afirma que Deus tem três pensamentos subjetivos e um conhecimento objetivo. Tal
visão de Deus mantém as distinções pessoais dentro da Deidade, evitando o erro
do modalismo. Ela também evita o subordinacionismo, visto que cada um dos três
permanece igualmente onisciente. Em adição, o conhecimento objetivo
compartilhado e idêntico que os três possuem mantém uma unidade que é única dentro
da Deidade e nega o triteísmo.
Contudo, há aqueles que discordam
dessa avaliação. Cyril Richardson declarou que: “Se há três centros de consciência
em Deus, há três deuses; e não importa o que possamos tentar declarar em favor
da sua unidade... eles ainda são três” (The Doctrine of the Trinity, 94). Mais recentemente,
John O’Donnell afirmou que se há três consciências em Deus, isso é “obviamente
o mesmo que tristeísmo” (The Mystery of the Triune God, 103). Mas essas
afirmações estão erradas. Triteísmo requer três deuses separáveis. Isto é, deve
ser possível eliminar um enquanto deixando os dois restantes intactos, ou deve
ser possível conceber um independente dos outros. Mas três Pessoas oniscientes
não podem ser divididas ou separadas.
A indivisibilidade das três
Pessoas oniscientes pode ser demonstrada da seguinte forma:
1. Onisciência significa
conhecimento de todas as verdades, sem exceção, quer passadas, presentes ou
futuras. Isso é verdade por definição.
2. Deus tem tal conhecimento
universal e é onisciente (Isaías 46:10; Hebreus 4:13; 1 João 3:20). Há alguns
que tentam limitar o conhecimento de Deus a todas as verdades do passado e do presente,
mas nem todas as verdades futuras, em defesa do livre-arbítrio (por exemplo,
veja Richard Rice, God’s Foreknowledge & Man’s Free Will, 39, 54). Mas tal
tentativa fracassa em face das Escrituras que afirmam que Deus conhece as
palavras de antemão (Salmo 139:4) e até mesmos os pecados (Deuteronômio 31:21; Jeremias
18:12) dos homens. Portanto, se aceitamos a Bíblia como verdade, somos forçados
a admitir a onisciência total de Deus.
3. Deus é imutável também
(Salmos 102:27; Malaquias 3:6; Tiago 1:17; Hebreus 13:8). Esse é novamente o
testemunho inescapável da Bíblia.
4. Para Deus ser imutável e onisciente,
ele deve também ser imutavelmente onisciente. Isso parte necessariamente das premissas
2 e 3. De outra forma, ele poderia aprender algo novo em violação de sua imutabilidade,
e não teria conhecido previamente todas as coisas, contradizendo sua
onisciência.
5. Uma Pessoa onisciente que conhece
todas as verdades também possui conhecimento abrangente dos pensamentos de outras
Pessoas oniscientes. Se, por exemplo, o Filho não conhece os pensamentos do Pai
em inteireza, ele não conheceria todas as coisas.
6. Tal conhecimento penetrante
interpessoal existe dentro da Deidade. Isso é necessariamente verdade, visto
que as três Pessoas são Deus e Deus é onisciente. Mas ele é o ensino explícito da
Escritura também: Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o
Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar (Mateus 11:27). Aqui, o conhecimento que o Filho tem do Pai é colocado no mesmo nível do conhecimento
que o Pai tem do Filho. Essa paridade de conhecimento é demonstrada pela antítese
entre o Pai conhecendo o Filho e o Filho conhecendo o Pai: (a) nenhum deles
obtém esse conhecimento por revelação (como os homens), mas simplesmente
conhecem inerentemente (b) cada um deles “conhece” (grego: “epignoski”, significando “conhecer plenamente”) o outro. Similarmente, o Espírito Santo conhece
os pensamentos do Pai. Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o
seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus,
ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus (1 Coríntios 2:11). Novamente,
esse conhecimento é intrínseco ao Espírito Santo, visto que é independente de
qualquer revelação (1 Coríntios 2:10). Por conseguinte, cada uma das três
Pessoas conhece eterna e imutavelmente o pensamento das outras duas
completamente.
7. Sendo esse o caso, a
separabilidade entre os três é absolutamente impossível. Se houvesse uma
fissura dentro da Deidade, então cada uma das Pessoas não mais poderia
imediatamente conhecer os pensamentos das outras. Mas isso poderia ocorrer
somente se esses pensamentos nunca tivessem sido conhecidos (negando que eles
foram alguma vez oniscientes), ou se eles tivessem esquecido algo (negando a
onisciência imutável deles). Assim, vemos que o caso único da onisciência
divina é possível somente para as três Pessoas se elas forem totalmente
inseparáveis. Ou, para colocar de outra forma, o fato da onisciência divina
torna a divisibilidade entre as três Pessoas pensantes metafisicamente
impossível.
Objeção
Nesse ponto alguém poderia perguntar
por que ou como as três Pessoas divinas são oniscientes. Mas um cristão não
está obrigado a explicar por que ou como Deus existe. Ele está
obrigado somente a demonstrar a consistência interna do que é revelado sobre Deus
na Bíblia. A natureza de Deus é simplesmente uma realidade eterna sem uma causa
anterior. Não podemos apontar para alguma razão pela qual ele é e como é, pois
fazer isso implicaria algo além de Deus e esvaziá-lo-ia de sua autoexistência.
Alguém poderia objetar também
que eles ainda não podem imaginar como pode haver três Pessoas em um Deus. Isso
parece muito complexo e complicado para captar. Em resposta, precisamos simplesmente
lembrar que foi a intenção desse artigo demonstrar a coerência lógica da
triunidade intelectual de Deus, não imaginar essa triunidade. Pode ser mostrado
matematicamente que um milhão vezes um milhão é igual a um trilhão. Mas quem
pode imaginar um milhão, muito menos um trilhão? Deus é inimaginável. Esse é o
porquê as imagens de Deus são proibidas pelo segundo mandamento. Contudo, podemos
demonstrar que a Trindade é uma doutrina racional por uma examinação minuciosa
das Escrituras.
Objeção
Anulada
Portanto, concluímos que o
conceito da triunidade intelectual de Deus ajuda a mostrar a coerência da
Trindade. Por um lado, há três pensamentos subjetivos na Deidade que não podem
ser reduzidos a uma personalidade. Por outro lado, há um corpo comum de conhecimento
objetivo às três Pessoas. O conteúdo onisciente desse conhecimento
compartilhado torna o Pai, o Filho e o Espírito Santo indivisíveis de modo
único. Se eles são indivisíveis, então eles são um Deus. Mesmo assim, não
confundimos as Pessoas.
Autor: Joe Parkinson
Via: Monergismo