Para muitos, o momento de
música que compreende a parte principal do culto dominical de uma igreja é, de
certo modo, como a escultura de vidro sobre a estante da minha avó: você não
pode mexer ali.
O momento de louvor é quase
uma fixação entre as congregações evangélicas, seja naquelas em que a música é
acompanhada por um coral e orquestra ou por uma banda indie-folk de oito caras.
Entre numa igreja em algum momento entre a saudação inicial e o sermão, e você
provavelmente se achará no meio de uma sessão de 20 a 30 minutos de música.
Então, o que exatamente é o
momento de louvor? Deveria ele ser algo intocável em nossas igrejas?
Em poucas palavras, o momento
de louvor é um grupo consecutivo de cânticos ou hinos de louvor deliberadamente
escolhidos. Ele reflete planejamento e criatividade. É uma opção muito melhor
do que pegar alguns cânticos populares e jogá-los na tela como uma pintura
abstrata.
Assim como uma refeição com
entrada, prato principal e sobremesa, o momento de louvor segue um fio condutor
ou roteiro. O momento de louvor pode começar com uma chamada à adoração ou um
cântico de convite. Esse cântico estabelece um tema específico e convida os
adoradores a louvarem a Deus. Em seguida, alguns outros cânticos desenvolvem o
tema, tanto musical quanto poeticamente. Essa é a porção de “entrada”. Se o
primeiro cântico focava no caráter de Deus, essa sequência pode conduzir a
igreja a considerar o nosso pecado e redenção em Cristo. O último cântico do
momento de louvor é o clímax teológico e musical. Ele pode consistir de uma
celebração da ressurreição, ou um chamado a responder em fé e discipulado, ou
simplesmente uma declaração de louvor. Bob Kauflin defende esse tipo de
desenvolvimento temático deliberado em seu livro Louvor e adoração, e apresenta
uma variedade de esboços de momentos de louvor úteis para serem experimentados.1
Em geral, eu penso que o
momento de louvor é uma ideia maravilhosa, se usada corretamente. Em uma igreja
anterior, servindo como líder de adoração, eu dedicava tempo significativo a
cada semana para elaborar e preparar momentos de louvor. Minha esperança era
que esse processo ajudaria os crentes a responderem a Deus em um robusto louvor
com suas mentes e corações, e eu creio que Deus abençoou esse esforço.
O momento de louvor pode ser
uma abordagem que glorifica a Deus, porque moldar a ordem dos cânticos de uma
maneira deliberada ajuda na “edificação da igreja” que deve caracterizar a
nossa adoração corporativa (1Coríntios 14.26). Ele unifica os cânticos em torno
de um conceito central, o que promove entendimento. Se bem utilizado, o momento
de louvor prepara a congregação para as questões específicas e prioridades que
o sermão abordará. Como uma narrativa com começo, meio e fim, um momento de
louvor pode capturar a nossa imaginação e nos ajudar a sermos atraídos por Deus
por meio da história implicitamente contada na sequência de cânticos.
O
momento de louvor: possíveis armadilhas e soluções
Então, eu não quero declarar
que o momento de louvor seja um conceito de todo terrível. Mas eu quero tirar
aquela escultura de vidro da vovó da prateleira e ver se ela pode ser
melhorada.
Por quê? Embora o momento de
louvor tenha muito de elogiável, ele não está livre de perigos. Aqui estão três
potenciais armadilhas que ele apresenta. Para cada uma delas, eu apontarei
algumas maneiras de pensar e ir “além” do momento de louvor.
1. O momento de louvor pode fragmentar a ordem de culto
Primeiro, o momento de louvor
pode fragmentar a ordem de culto. Se os pastores e demais líderes não forem
cuidadosos, usar um momento de louvor pode, sutilmente, sugerir que o culto de
adoração tenha apenas duas partes: o canto e o sermão. O líder de louvor dirige
a primeira metade, então passa o bastão ao pastor para a mensagem.
Eu temo que, por causa disso,
muitos evangélicos tenham uma imagem bifurcada da adoração pública: a parte
musical do culto é apropriada para aqueles que se relacionam com Deus por meio
de experiências emocionais, ao passo que o sermão existe para envolver os
intelectuais, os do “lado esquerdo do cérebro”. Na pior das hipóteses, essa
falsa dicotomia pode também perpetuar o equívoco comum de que o louvor por meio
do canto é o louvor da igreja, o que leva a comentários do tipo: “O louvor (leia-se:
a música) hoje foi incrível, mas o sermão foi um pouco seco” – como se a
pregação não fosse doxológica também.
Independente de como nós
estruturamos nossos cultos, precisamos nos esforçar para transmitir a ideia de
que tanto a música quanto a pregação (e os demais elementos – vide o ponto 2)
são propriamente “louvor” a Deus, e que eles são essenciais para todos os
cristãos.
Aqui estão algumas sugestões
para evitar esse perigo. Primeiro, se os seus cultos geralmente caem na fórmula
“30 minutos de música e 30 minutos de pregação”, então mude a sua ordem de
culto regularmente. Considere quebrar o momento de música com oração, leitura
bíblica ou reflexão silenciosa. Tente ocasionalmente colocar o sermão mais
próximo do início do culto, deixando a maior parte do canto para depois da
mensagem.
Faça com que outro indivíduo,
que não seja o líder de louvor nem o pregador, de preferência um presbítero,
conduza todo o culto. Chame esse homem de “anfitrião”, “dirigente”, “líder de
culto” (este é o termo que usamos na minha igreja), ou como preferir. Mas
assegure que ele não seja o líder de música nem o pregador. Se esse indivíduo
faz a saudação e dá os avisos, introduz as músicas, dirige o ofertório, conduz
as orações, e assim por diante, então ele pode trazer unidade a todo o culto.
Escolha um tema para o culto
baseado no tema do texto do sermão. Assegure-se que os cânticos, as orações e
até os avisos se relacionem com esse tema. Quando a congregação perceber que
todo o culto é sobre “a fidelidade de Deus” ou “conhecer a Cristo no
sofrimento”, isso diminuirá a sensação de que o culto é meramente uma
apresentação musical seguida de uma palestra sem qualquer relação entre si.
2. O momento de louvor pode levar uma igreja a menosprezar os elementos de
culto não musicais
Outro perigo do momento de
louvor é que ele pode levar uma igreja a menosprezar os elementos de culto não
musicais. Paulo disse a Timóteo:Dedique-se à leitura pública da Escritura (1Timóteo 4.13, NVI). Ele instruiu o jovem pastor a conduzir a sua igreja a
oferecer súplicas, orações, intercessões, ações de graças (1Timóteo 2.1). A
sua expectativa era de que os membros da igreja de Corinto separassem a sua
oferta “no primeiro dia da semana (1Coríntios 16.2), passagem da qual muitos
inferem que a oferta era uma parte integral da adoração pública da igreja do
Novo Testamento. Jesus ordenou seus seguidores a batizarem novos discípulos
(Mateus 28.19) e lhes deu a sua Ceia para que eles pudessem proclamar a sua
morte até que ele venha (1Coríntios 11.26). Há muito mais a fazer na igreja do
que cantar e pregar.
O perigo do momento de louvor
é que esses outros elementos da adoração bíblica podem ser deixados em segundo
plano. Se a congregação espera (ou até mesmo exige?) experimentar uma
progressão musical criativa e bem ensaiada, isso pode eliminar essas outras
expressões ordenadas de adoração. Decerto, eu não estou sugerindo que ninguém
intencionalmente ponha de lado os elementos bíblicos de culto. Eu apenas desejo
enfatizar um padrão que tenho observado: quando uma igreja privilegia a
adoração por meio do canto, dando-lhe a maior porção de tempo e foco, esses
outros elementos de culto tendem a se tornar fracos e superficiais.
Como os pastores e aqueles que
lideram o louvor por meio de canto podem trabalhar contra essa tendência?
Se você usa o momento de
louvor, resista à ideia de que esse momento deva conter apenas música a fim de
ter máximo impacto. Isso não é um show. Intercale orações e leituras entre os
cânticos.
Promova uma cultura de
adoração por meio de oração vigorosa em seus cultos. Se você dedicar tempo
significativo à oração durante o culto público, não deve surpreender que os
membros de sua igreja aprendam a priorizar a oração em suas vidas particulares. Como nós encorajamos nossas
orações públicas? Saturando-as com verdades bíblicas: “Não é da Bíblia que
aprendemos a linguagem da confissão e da penitência? Não é da Bíblia que
aprendemos as promessas de Deus nas quais crer e pelas quais clamar em oração?
Não é na Bíblia que aprendemos a vontade de Deus, os mandamentos de Deus e os
desejos de Deus pelo seu povo, pelos quais nós devemos suplicar em oração? Uma
vez que estas coisas são assim, as orações públicas devem repetir e ecoar a
linguagem da Bíblia do começo ao fim”.2
Há também uma correlação entre
tempo de ensaio e valor. Se a sua igreja valoriza música bem elaborada, é
provável que a sua banda ou coral gaste horas em ensaios. Por que não gastar o
mesmo tempo e esforço ao preparar orações públicas?
Por fim, promova uma cultura
de adoração por meio da leitura bíblica em seus cultos. Se nós cremos que a
Palavra de Deus é “mais cortante do que qualquer espada de dois gumes” (Hebreus
4.12), vamos tirá-la da bainha e deixá-la fazer o seu trabalho. Leia de tal
modo que as majestosas verdades da Escritura ecoem nos ouvidos da sua
congregação. Considere treinar um número de congregantes para que leiam bem a
Escritura com significado, ênfase, gravidade e alegria. Nós distribuímos o
excelente artigo de Tim Challies sobre como ler a Escritura em público a todos aqueles
que fazem a leitura em nossa igreja.
3. O momento de louvor pode fomentar uma cultura de entretenimento
Terceiro, o momento de louvor
pode fomentar uma cultura de entretenimento. Esse perigo é irônico, é claro,
porque um dos propósitos do momento de louvor é unificar um grupo de cânticos
em torno de um conteúdo teológico. Mas eu temo que, com frequência, o que a
congregação experimenta ao cantar durante um momento de louvor não é uma nova
apreciação de um tema bíblico, mas uma jornada semelhante à de um show através
de uma sequência empolgante de cânticos.
Embora eu não seja contra a
criatividade e a emoção na adoração pública, eu creio que é possível priorizar
a resposta emocional que advém da música de tal modo que a verdade bíblica é
negligenciada, em vez de iluminada. Uma implicação de Colossenses 3.16 é que,
se a palavra de Cristo não habitar ricamente em nós à medida que cantamos,
então alguma coisa deve mudar na maneira como cantamos.
Como Neil Postman defendeu em
Amusing Ourselves to Death[“Distraindo-nos até a morte”, sem tradução em
português], o entretenimento tornou-se o discurso dominante de nossa época.
Embora a igreja deva reconhecer esse fato, ela não deve capitular a ele. Nossos
cultos não devem parecer com um show ou programa de TV, ainda que esses modos
de discurso definam a maneira como o homem pós-moderno experimenta o fluxo de
ideias. Em vez disso, nós temos a oportunidade, em nossos cultos, de moldar um
tipo diferente de discurso, um que comece com a auto revelação de Deus. O nosso
culto – seja contemporâneo ou tradicional, mais ou menos litúrgico – deve fugir
do experiencialismo centrado no homem e abraçar o Deus transcendente.
Então, se o momento de louvor
puder ajudar as pessoas a adorar, entesourar e entender mais do nosso santo
Criador, então use-o sem pestanejar. Mas se em sua igreja o momento de louvor
tende a pôr mais ênfase na habilidade da banda do que na excelência do Redentor,
alguma coisa precisa mudar.
Como podemos resistir à
tendência de o momento de louvor, lentamente, levar a igreja a um
“entretenimentismo”?
Faça tudo o que puder para
assegurar que a congregação seja capaz de ouvir o canto uns dos outros. Esse é
um princípio bíblico básico, dado que Paulo exorta os crentes a falarem “uns
aos outros” com salmos, hinos e cânticos espirituais (Efésios 5.19). Mas também
há um longo caminho para cultivar uma atmosfera de alegria e envolvimento com
as letras. A consciência da presença de
outros no culto corporativo, e de como o volume e a expressão do seu próprio
canto efetivamente encoraja outros, ajuda a impedir o egocentrismo. Na prática,
isso pode envolver e diminuir o volume da banda ou orquestra, e instruir os
músicos a focarem em um acompanhamento simples e de bom gosto, em vez de uma
exibição complexa ou cheia de técnica.
Proporcione uma estrutura que
ajude a interpretar o louvor por meio da música. Por exemplo, em vez de começar
o culto com as luzes apagadas e um solo de guitarra cheio de efeitos (o que soa
demais como um show), comece com um chamado à adoração extraído da Palavra de
Deus ou uma breve oração.
Antes de a música começar,
faça com que o líder de culto dê algumas palavras de instrução ou exortação de
modo a colocar o(s) cântico(s) em contexto. Essa interpretação do que está por
vir é de grande valor não apenas para os crentes, mas também para os
incrédulos, que podem não saber o que fazer com a música que estão prestes a
escutar. (Veja 1Coríntios 14.24 acerca da prioridade em tornar o culto
compreensível aos visitantes incrédulos). Sim, pode parecer um pouco travado e
estranho ter esses pequenos comentários antes do canto. Mas até mesmo essa
quebra de ritmo no culto é uma coisa boa, porque envolve a mente da congregação
e inibe a passividade que a cultura de entretenimento promove.
Semelhantemente, mantenha as
luzes acesas. Penumbra, máquinas de fumaça e holofotes, todos gritam que o foco
deve estar nos músicos à frente. Em contraste, a luz acesa e uma plataforma
modesta – até mesmo colocando os músicos fora dela, na lateral, se possível –
transmite a ideia de que o que realmente importa aqui não é o coral ou o grupo
de louvor, mas o conteúdo dos cânticos e a participação de toda a congregação.
Veja o silêncio como um amigo,
não um adversário. Se houver alguns momentos de quietude entre um cântico e uma
oração, ou entre o ofertório e o sermão, isso não é um desastre. Afinal, este é
um encontro de cristãos para o louvor, não uma produção de TV. De fato, permitir
momentos de silêncio nas transições pode renovar o paladar mental das pessoas e
permitir que a igreja reflita no que já aconteceu no culto. Além disso, use
momentos planejados de silêncio para reflexão e oração. Sentar-se em um salão
com dúzias ou centenas de outros crentes e, simplesmente, ficar quieto perante
o Senhor é fortemente contracultural em nossa época barulhenta e distraída.
Mais ferramentas na caixa
Em tudo isso, eu não estou
tentando fazer do momento de louvor um bicho papão. É uma ferramenta útil. Mas,
por essas três razões, eu não penso que ele deva ser a única ferramenta em
nossa caixa. E, se nós de fato usarmos o momento de louvor, nós devemos fazê-lo
de um modo que unifique a ordem de culto, em vez de dividi-la; que enfatize os
demais elementos de culto, em vez de menosprezá-los; e que promova temor diante
de Deus, em vez de uma experiência de entretenimento.
No que se refere ao
planejamento de um culto de adoração, há muita liberdade com respeito às formas
e circunstâncias nas quais a congregação lê a Palavra, canta a Palavra, ora a
Palavra, ouve a Palavra pregada, e vê a Palavra nas ordenanças. Eu oro para
que, à medida que pastores e líderes de música pensem além do momento de
louvor, Deus nos dê sabedoria para liderar nossas congregações de modo que
ofereçam um apropriado sacrifício de louvor. Eu oro para que nossas igrejas,
cheias do Espírito de Deus, deleitem-se cada vez mais no Filho de Deus, aquele
que se entregou por nós para que pudéssemos ser adoradores seus.
NOTAS:
1. Bob Kauflin. Worship Matters: Leading Others to
Encounter the Greatness of God (Wheaton, IL: Crossway Books, 2008), 114. Publicado
em português com o título Louvor e adoração (Curso Vida Nova de teologia básica
- Vol. 11. São Paulo: Edições Vida
Nova, 2011).
2. Terry Johnson, Reformed Worship: Worship That Is
according to Scripture (Greenville, SC: Reformed Academic Press, 2000), 35. Publicado
em português com o título Adoração reformada: a adoração que é de acordo com as
Escrituras (São Paulo: Os Puritanos, 2001).
Autor: Matt
Merker
O
autor
Matt Merker é assistente
pastoral na Capitol Hill Baptist Church, onde suas responsabilidades incluem a
preparação da música e do culto.