Introdução
Tá
amarrado! Ou ainda, Tá
amarrado, Satanás! Ou mesmo, em nome
de Jesus, eu te amarro, diabo, são variações da “magia” do exorcismo do
movimento de batalha espiritual herético no pentecostalismo e
neopentecostalismo. Tais variações, na verdade, são meros clichês estrambóticos
e frívolos que não produzem benefício algum na vida das pessoas.
Nos famosos cultos de
libertação das igrejas aderentes da batalha espiritual, que geralmente
acontecem nas quartas e sextas-feiras, vemos pastores, diáconos e os demais
crentes no momento da oração forte “amarrarem” os demônios que porventura
estejam tentando agir maleficamente em suas vidas, na vida de familiares,
amigos ou quando alguém nestes cultos “supostamente manifesta” um demônio
invocado pelo pastor e seus auxiliares.
A prática de “amarrar” o diabo
através da oração também faz parte da rotina do crente pentecostal e
neopentecostal. Quando se depara com alguma situação em que o demônio talvez
esteja por trás, logo o crente utiliza a “magia” poderosa vociferando a expressão
Tá amarrado! Contudo, o ato de “amarrar” o diabo é bíblico? Em todo o seu
ministério terreno, que durou cerca de 3 anos, Jesus utilizou em algum momento
a expressão Tá amarrado?! Ele amarrou algum demônio de alguma pessoa? Ele
ensinou essa prática? Os apóstolos, por sua vez, utilizaram a expressão Tá
amarrado! em algum exorcismo? Eles “amarraram” Satanás da vida de alguém? Existe
algum ensinamento nos evangelhos e nas demais cartas do Novo Testamento sobre o
ato de amarrar o diabo?
Explanação
Os adeptos do movimento de
batalha espiritual utilizam dois textos nos evangelhos para ratificar a prática
de amarrar Satanás – Mateus 12.29 com paralelo em Marcos 3.27. Vejamos, pois, o
que esses dois textos realmente ensinam.
Análise
exegética/teológica
Mateus 12.29 - Ou como pode alguém entrar na casa do
valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo? (ARA)
Marcos 3.27 - Ninguém pode entrar na casa do valente para
roubar-lhe os bens, sem primeiro amarrá-lo; e só então saqueará a casa.
(ARA)
Nos quatro evangelhos, não
vemos sequer uma menção de Jesus ter “amarrado” algum demônio. Não vemos
também nenhuma ocorrência no livro de Atos e em nenhuma carta do Novo
Testamento os apóstolos utilizando a expressão Tá amarrado! em algum exorcismo
ou, mesmo, ensinando tal prática aos cristãos. Embora Jesus tenha dotado os
apóstolos na época de seu ministério com autoridade para expulsar demônios (Mc
3.14-15; Lc 10.18-19) e, por conseguinte, todos os cristãos, ainda assim não os
instruiu (os apóstolos) a “amarrá-los”.
No mundo antigo, antes da
primeira vinda de Jesus, já era comum a prática de “amarrar” demônios,
especialmente entre os judeus. No livro apócrifo de Tobias, podemos ver o
relato do anjo Rafael que foi enviado por Deus para amarrar o demônio Asmodeu
para libertar Sara – uma mulher virtuosa (Tobias 3.17; 8.3). Já em 1Enoque, outro
livro apócrifo, vemos o evento no qual Deus ordena ao anjo Rafael a “amarrar o
demônio Azazel pelas mãos e pés e lança-lo no inferno” (caps 6-9; 10.4, 11-13).
Em 1Enoque, ainda, é descrito no capítulo 88 a maneira que os anjos caídos
foram “amarrados pelos arcanjos Miguel, Gabriel, Fanuel e lançados no abismo”.
Outro livro apócrifo da mesma época de 1Enoque – o Testamento dos Doze
Patriarcas, relata que um novo sacerdote levantado por Deus amarraria Belial ou
Satanás (Testamento de Levi, 18.10-12).1
Sempre que realizou
exorcismos, Jesus dizia, no caso dos Gadarenos, em Mateus 8.32 – Ide!
No capítulo 17.18 de Mateus, ainda, é relatado que Jesus simplesmente
repreendeu o demônio. No evangelho de Marcos, por sua vez, vemos o caso de um
homem que estava sob o poder dos demônios na sinagoga em que Jesus estava
ensinando (Mc 4.23-24). Quando os demônios começaram a conversar com Jesus,
ele, imediatamente, sem interesse algum de “entrevista-los”, (como fazem os
pastores neopentecostais com pessoas supostamente possessas, mas na maioria dos
casos é fraude) ordena que se calem e os expulsa do homem, repreendendo-os e
dizendo que saem dele, apenas (vs.25).
No capítulo 9.14-27 de Marcos,
Jesus expulsa o demônio que, além de ter causado a surdez e a mudez, fazia com
que um jovem sob o seu poder tivesse convulsões. Tais demônios, por muitas
vezes, tentaram matar esse jovem lançando-o no fogo e na água (vs.22). Mais uma
vez, Jesus expulsa esses demônios do jovem dizendo:
Espírito
mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele e nunca mais entres nele.
(Almeida Século 21)
Em Lucas, no capítulo
13.10-13, é descrito que Jesus estava ensinando em uma sinagoga. Estava ali uma
mulher que andava encurvada por causa de um espírito maligno que lhe causava
esse desvio na coluna. Vendo essa mulher, Jesus a chama e diz:
Mulher,
estás livres da tua enfermidade; e impondo- lhes as mãos, ela se endireitou na
mesma hora... (vs.13) (Almeida Século 21)
Conforme podemos observar,
Jesus, aqui, também não disse Tá
amarrado, diabo!
Em contrapartida, no contexto
da afirmação em Mateus, algumas pessoas trazem até Jesus um homem sob o poder
de demônios. Os mesmos atacaram a saúde desse homem causando-lhe a cegueira e a
mudez. Jesus, porém, cura esse homem, passando a enxergar e a falar (12.22-23).
Desse modo, após esta cura milagrosa, os fariseus, que estavam presentes no
momento em que o homem fora curado, atribuíram a cura a Satanás, isto é, que
Jesus expulsava demônios não pelo poder de Deus, mas pelo poder de Belzebu, o
maioral dos demônios (12.24-25). Após essa declaração caluniosa e blasfema dos
fariseus, Jesus, em seguida, tece uma série de críticas a eles, mostrando o
quão equivocados estavam em afirmar tamanho absurdo (12.25-32). Assim, no
versículo 29, ele diz:
Como
pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro
amarrá-lo?
No texto em pauta, Jesus faz
uso de uma analogia para refutar os fariseus, utilizando como exemplo o caso de
um ladrão que invade uma casa e amarra o dono da casa para roubar-lhe os seus
bens. Jesus simplesmente utiliza essa analogia para demonstrar que não fazia
sentido expulsar demônios agindo sob o poder maligno deles. Seria uma
contradição inelutável! Portanto, invadir uma casa para roubar os bens sem
antes amarrar o dono da casa seria inadmissível, se Jesus fosse um assecla do
diabo.
Na primeira vinda de Cristo, o
mundo estava, de certa forma, dominado pelo maligno (1Jo 5.19). Quando surgiu,
Jesus mostrou a sua proeminência sobre o diabo (Mt 4.1-10), estabelecendo o seu
reino para libertar os oprimidos (Mt 12.28) e destruir as suas obras (1Jo 3.8).
Entrar na casa do “valente”, que representa Satanás, e amarrá-lo para roubar
seus bens, que são pessoas sob o seu domínio, é, simbolicamente, entrar no
mundo, anular a sua atuação e salvar as vidas dominadas por ele. Foi Jesus quem
fez isso! Ele foi quem amarrou definitivamente Satanás por ocasião da sua
vinda, ministério, morte, ressurreição, glorificação e ascensão aos céus. Os
exorcismos que Jesus realizou em seu ministério, portanto, correspondiam a roubar os bens [pessoas] da casa [do poder] do valente Satanás, e não
“amarrá-lo” de uma forma mística como ensina o movimento de batalha espiritual
hodierno.
Uma vez que Jesus já o havia
amarrado é que ele poderia libertar os eleitos de Deus que estavam sob o seu
poder. Destarte, Satanás não podia resistir a Jesus ou aos seus discípulos,
pois o seu poder havia sido anulado. É por esse motivo que o verbo “amarrar”,
tendo Satanás como objeto, é usado na Bíblia somente em referência à obra de
Cristo”.2
Em Judas, no versículo 9, é mencionado um fato interessante. O arcanjo Miguel não ousou repreender ou usar a expressão EU te repreendo contra o diabo, conforme muitos pastores e crentes equivocadamente fazem. Antes, ele usou a expressão e o modo adequado no qual os crentes devem agir quando se depararem com alguma situação em que é necessário realizar o exorcismo: O Senhor te repreenda! Ou em nome de Jesus, seja repreendido! É somente o Senhor Cristo que tem poder para repreender Satanás e os seus asseclas, os demônios.
Augustus Nicodemus Lopes corrobora que o uso do termo amarrar para se referir a uma atuação da igreja hoje contra satanás e seus anjos não se justifica biblicamente, confunde os crentes e esvazia a obra de Cristo. Também priva os crentes do poder e da confiança que existe em saber que Satanás já está atado por Cristo”.3
Em Judas, no versículo 9, é mencionado um fato interessante. O arcanjo Miguel não ousou repreender ou usar a expressão EU te repreendo contra o diabo, conforme muitos pastores e crentes equivocadamente fazem. Antes, ele usou a expressão e o modo adequado no qual os crentes devem agir quando se depararem com alguma situação em que é necessário realizar o exorcismo: O Senhor te repreenda! Ou em nome de Jesus, seja repreendido! É somente o Senhor Cristo que tem poder para repreender Satanás e os seus asseclas, os demônios.
Conclusão
Augustus Nicodemus Lopes corrobora que o uso do termo amarrar para se referir a uma atuação da igreja hoje contra satanás e seus anjos não se justifica biblicamente, confunde os crentes e esvazia a obra de Cristo. Também priva os crentes do poder e da confiança que existe em saber que Satanás já está atado por Cristo”.3
Carson escreve:
O fato de Deus zelosamente
preservar suas prerrogativas de repreender Satanás no papel deste como "o
acusador de nossos irmãos" (Ap 12.10) é por fim estendido, em Apocalipse
12, àqueles que vencem o diabo não em nome deles próprios, mas com base no
sangue do cordeiro.4
Diante de tudo, entendemos que
o ato de amarrar demônios é antibíblico! Os crentes podem realizar exorcismos
em nome de Jesus. Entretanto, dizer Tá amarrado! para o que já foi amarrado por
Cristo Jesus demonstra insipiência acerca da obra redentora.
NOTAS:
1. Augustus Nicodemus Lopes. O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual, pág 80.
2. Ibid, pág 81
3. Ibid.
4. G. K. Beale e D. A. Carson. Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, pág 1313.
4. G. K. Beale e D. A. Carson. Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, pág 1313.
Autor: Leonardo Dâmaso
Divulgação: Reformados 21