O Conhecimento de Deus
Na discussão teológica sobre o
conhecimento de Deus, precisamos distinguir entre o conhecimento necessário de Deus e Seu conhecimento
livre. A distinção é óbvia e natural. O conhecimento necessário de Deus inclui
muitos tipos de verdades. Este é o conhecimento de matérias como as verdades da
matemática, por exemplo: 2 + 2 = 4.
Este também é o conhecimento de verdades como o todo é maior do que a
parte, e nenhum círculo é um quadrado. O conhecimento necessário de Deus também
inclui o conhecimento de todas as possibilidades, tais como pessoas possíveis,
as possíveis vidas que elas poderiam ter e toda a gama de mundos possíveis.
Deus conhece estas coisas de forma imediata e intuitiva.
O conhecimento livre de Deus,
por outro lado, é o Seu conhecimento do Seu decreto, daquilo que, em Sua
sabedoria, Deus, de forma livre e imutável, ordenou que acontecesse. Aquilo que
Deus decreta é obviamente um subconjunto de todas as possibilidades que Ele
conhece. Seu decreto também tem sua fonte exclusivamente em Sua mente e
vontade.
Conhecimento Médio
No final do séc. XVI, um novo
tipo de conhecimento foi proposto por dois pensadores jesuítas ibéricos, Luis
de Molina (1535-1600) e Pedro da Fonseca (1528-1599). O conhecimento médio ou Molinismo, como veio a ser chamado mais tarde, foi a sua contribuição a uma
controvérsia na igreja Católica Romana sobre graça, livre arbítrio e
predestinação. Em nosso próprio tempo, o Molinismo tem sido proposto por Alvin
Plantinga e por outros com respeito a relação de Deus com o mal. Creio que é
justo dizer que ao passo que teólogos católicos romanos têm discutido por muito
tempo o conhecimento médio em seus livros, o interesse atual nele é devido a
Plantinga e sua discução do tópico em seu livro Deus, a Liberdade e o Mal.
O que é o conhecimento médio?
No centro deste interesse atual está o conhecimento de Deus das possibilidades
envolvendo a escolha humana, as "contingências da liberdade" como
têm sido chamadas. Porque esta inovação? O seus proponentes estão preocupados
em preservar o que consideram ser duas crenças vitais. A primeira é a
providência e total presciência de Deus. A segunda é a ideia que os seres
humanos têm, em um sentido indeterminista, uma liberdade que não pode ser
suprimida. Quando falamos de liberdade indeterminista, queremos dizer que
qualquer ser humano, em um dado conjunto de circunstâncias, tem o poder para
escolher A ou para não escolher A. O problema é óbvio. Como isso pode ser
consistente com o governo providencial universal de Deus e seus propósitos de
redenção?
A forma dos Molinistas
tentarem manter a coesão entre todas estas doutrinas foi sugerir que existia,
ao lado do conhecimento natural de Deus e seu conhecimento livre, um terceiro
tipo de conhecimento. Eles argumentaram que Deus também tinha
"conhecimento médio" - entre os outros dois. O que isto significa
pode ser brevemente explicado. Dado todo um conjunto de mundos possíveis , os
quais Deus conhece , dados mundos nos quais homens e mulheres fossem livres no
sentido indeterminista apropriado, Deus saberia o que eles livremente
escolheriam em toda circunstância possível. Deus tem conhecimento de todas
estas consequências possíveis. Se for colocado em um conjunto de
circunstâncias, Deus sabe o que Jonas iria livremente escolher. Isto é verdade
em relação a todas as pessoas possíveis e todas as circunstâncias possíveis.
Deus tem este conhecimento médio por examinar todas as possibilidades que o
livre arbítrio que cada pessoa pode escolher.
Em Seu poder e sabedoria, Ele
escolhe aquele mundo possível, aquela combinação total de indivíduos e
circunstâncias, cujas expressões de livre arbítrio irão melhor servir Seus
propósitos. Assim, a onisciência de Deus é preservada e o livre arbítrio humano
é preservado. O mal moral que acontece neste mundo escolhido não é a direta
responsibilidade de Deus mas daquelas criaturas que exercitam suas escolhas de
uma forma malevolente.
Quais São as Implicações do
Molinismo?
Precisamos enfatizar que a
visão de livre arbítrio sustentada pelos molinistas tanto antigos quanto
modernos é frequentemente chamada de libertarianismo ou indeterminismo. Em contraste seus oponentes, na Igreja Católica
Romana e nas igrejas da Reforma, têm sustentado visões da liberdade humana que
são deliberadamente consistentes com o decreto divino em relação a todas as
coisas que acontecem e com a irresistibilidade de Sua graça.
Há Argumentos Bíblicos para o
Molinismo?
A medida que seus proponentes
buscaram suporte bíblico evidente para o conhecimento médio, eles usaram o
exemplo de Davi em Queila registrado em 1 Samuel 23. A este ponto na narrativa
bíblica, os Filisteus estavam atacando Queila. Davi perguntou ao Senhor se
deveria ir à Queila para guerrear com os Filisteus e o Senhor disse que ele
deveria. Os companheiros de Davi estavam com medo e então Davi perguntou uma
segunda vez. Em Queila, com medo de que Saul o atacaria lá, Davi perguntou ao
Senhor se Saul iria à Queila. A esta altura, lemos a seguinte conversa: E
o Senhor lhe disse: Ele virá. E Davi, novamente, perguntou: Será que os
cidadãos de Queila entregarão a mim e a meus soldados a Saul? E o Senhor
respondeu: Entregarão'. Então Davi e seus soldados, que eram cerca de
seiscentos, partiram de Queila, e ficaram andando sem direção definida (1Sm 23.11-13).
Na concepção dos Molinistas, o
incidente demonstrou o conhecimento médio na prática, pois mostra que o Senhor
sabia o que aconteceria se certa ação livre acontecesse, eles suporam que Davi
e os outros participantes estavam agindo com livre arbítrio no sentido libertariano.
Deus sabia que se Davi escolhesse ficar em Queila, então os cidadãos de Queila
escolheriam o entregar. Então Davi escolheu tomar uma ação evasiva e Saul
escolheu desistir da expedição contra Davi quando soube o que Davi tinha feito.
Deus sabia de tudo isso, e também muito mais, por Sua presciência.
O Que Há de Errado com o
Molinismo?
Dado que os reformados
sustentavam que tudo o que acontece é decretado por Deus de forma incondicional
e que os homens e mulheres são responsáveis por suas ações, eles não viam como
necessário um terceiro tipo de conhecimento divino, um conhecimento médio, que
dependesse da previsão divina do que possíveis pessoas fariam de forma livre em
certas circunstâncias. Os reformados interpretavam o incidente de Queila de forma
diferente. Deus não apenas viu que Saul faria. Ele ordenou que Saul desceria à
Queila se Davi permanecesse lá. Ele ordenou que Davi sairia de Queila depois de
ouvir o que Saul faria. E Ele ordenou que Saul mudaria de ideia.
O conhecimento médio não é apenas
desnecessário para um Deus que tudo conhece e decreta, mas a concepção
molinista de livre arbítrio torna impossível que Deus exerça controle
providencial sobre sua criação. Por quê? Porque os homens e mulheres seriam
livres para resistir o Seu decreto. Deus apenas pode fazer com que as ações de
agentes livres aconteçam através do seu conhecimento médio daquilo que eles
livremente fariam se...
Além disso, tendo em mente a
visão molinista de liberdade, é impossível que Deus cause a conversão de certa
pessoa pelo exercício de Seu chamado efetivo, pois na opinião dos Molinistas um
indivíduo tem sempre a possibilidade de resistir a graça de Deus. Homens e
mulheres têm que cooperar de forma livre com aquilo que Deus diz e faz se
querem tornar-se cristãos. A graça de Deus é sempre resistível. Cristãos
reformados não têm razão alguma para aceitar o conceito especulativo de
conhecimento médio e têm fortes razões para rejeitá-lo.
Conclusão
Concluindo, podemos dizer que
há algo de interessante e enigmático em relação ao Molinismo, mas a resposta
reformada tem sido – e deveria continuar sendo – que não há apenas dificuldades
sem resolução na ideia do próprio conhecimento médio, mas que este também é uma
especulação desnecessária. A Escritura quase nunca menciona algo que possa ser
usado para dar suporte ao Molinismo, ao passo que ensina de forma perfeitamente
clara que Deus age em todas as coisas, até mesmo as ações más de pessoas que
agem com completa responsabilidade, de acordo com o conselho de Sua própria vontade.
Para saber mais sobre
Molinismo, leia a seção relevante no livro do Dr. Helm, A providência de Deus. Editora: Cultura Cristã
Fonte:
Ligonier Ministries
Tradução:
David Cecilio
Via:
Fireland, sob o título: Molinismo Para
Iniciantes