(profêtéia)
E
a outro a profecia.
A profecia não é pregação,
pois se fosse, seria um dom igual ao de mestre ou pastor. Paulo nos adverte em
1Co 12.4 que os dons são diversos; portanto, profecia não pode ser igual ao
dom de pastor ou mestre. Ainda em 14.6 (... se vos não falar por meio de
revelação, conhecimento, ou profecia, ou ensino), a profecia é distinta de
conhecimento e ensino, os quais são elementos primordiais da pregação. Isso
acontece porque a pregação é planejada (adquire-se conhecimento) e executada
(ensina-se), enquanto a profecia é dada inesperadamente pela vontade de
Deus, e não do homem (1Co 14.29-32).
A profecia é dada por meio de
revelação (1Co 14.29,30), a pregação é por iluminação. As mulheres foram
proibidas de falar na igreja (1Co 14.34,35), mas podiam profetizar (1Co 11.5).
Parece contraditório, pois quem profetiza fala. Contudo, a proibição do apóstolo
é com respeito ao ensino (1Tm 2.12). Logo, a profecia não pode ser igual ao
ensino, pois seriam proibidas também de profetizar. Na verdade, ensinar é o
exercício da autoridade humana, enquanto a profecia é o exercício da autoridade
divina. Quando as mulheres profetizavam, quem estava falando era Deus; quando
os homens ensinam, são eles que, autoritativamente, falam à igreja.
Uma outra característica da
profecia é o conhecimento de mistério (1Co 13.2). Os termos excludentes mysterion e apokalyptô são usados por Paulo em Ef 3.4,5, onde os termos
profecia e profetas estão relacionados com a revelação do mistério. Essa é
a teologia paulina da profecia. A profecia é o conhecimento da revelação de um
mistério que estava oculto e agora é falado. Paulo aguardava uma cessação da
profecia ainda em seus dias, pois ele se incluiu no processo parcial da
profecia de seu tempo: em parte conhecemos, e em parte profetizamos. O
perfeito de 1 Co 13.10 não é a segunda vinda de Cristo, pois Paulo nunca usa
esse termo para a vinda de Cristo, e sim a vinda do Senhor, ou o Senhor na
sua vinda. Ainda vale salientar que o apóstolo não usa o termo teleion em
seus escritos para escatologia, e sim para maturidade. Também, o apóstolo não
teria dificuldade de chamar a vinda do Senhor em 1 Co 13.10, se esse texto
fosse escatológico. Não há nenhuma evidência exegética para considerar o texto
de 1 Co 13.8-13 como escatológico. O tema predominante ali é a maturidade ou
perfeição da profecia. A profecia perfeita não dependeria mais de profetas que
revelavam verdades parcialmente. Paulo tinha consciência de um cânon que
haveria de se formar com a profecia perfeita. Como um bom judeu, Paulo convivia
com o cânon do AT, e entendia que a Nova Aliança era para os gentios e judeus
da sua época o que a Antiga Aliança foi para Israel. O processo revelatório
culminaria numa extinção do profetismo parcial, dando lugar à profecia perfeita
(ou teleion). Paulo imaginava que
fazia parte do estágio final desse processo ao afirmar: em parte conhecemos, e em parte profetizamos, quando vier o perfeito,
então o que é em parte será extinto.
Ora, se o que será extinto é
em parte, então a profecia e o conhecimento parciais darão lugar à profecia e
ao conhecimento completo. O que Paulo chama de em parte é a profecia e o conhecimento da era apostólica, os quais
dependiam das revelações proféticas. Como haviam profetas e apóstolos
espalhados por toda Ásia, profetizando e revelando conhecimentos do evangelho,
cada um profetizava pedaços da revelação. Paulo revelou partes do conhecimento,
Pedro detinha outra parte na mesma época, Judas, Tiago, João e o profeta de
Hebreus participavam do mesmo processo. Lembremos que nessa época o Novo
Testamento ainda era em parte. O fenômeno profético se encerraria depois que
Deus revelasse toda a sua vontade e a escrevesse nas páginas do Novo
Testamento. Esse é o teleion paulino.
Toda a doutrina do Novo
Testamento era conhecido dos apóstolos e da igreja apostólica apenas em pedaços
(em parte). Pedro, possivelmente, conheceu alguns escritos de Paulo, mas talvez
não tenha conhecido os escritos de João ou de Judas. E assim sucessivamente.
Como os apóstolos conheceram e entendiam o processo revelatório do AT,
certamente tinham consciência e aguardavam a fase final do mesmo processo para
a Nova Aliança, quando a Igreja conheceria toda a verdade revelada pelos
apóstolos e profetas do NT (Ef 2:20; 3:5). Essa revelação final e escriturada é
o perfeito de 1 Co 13.10.
Na literatura paulina, profeta
era ofício tanto quanto apóstolo (1Co 12.28). Há quem diga que a expressão
apóstolos e profetas de Efésios 2:20 aplica-se ao mesmo grupo, ou seja,
apóstolos que são profetas. Mas essa interpretação está errada porque Paulo
faz distinção das duas classes de dons (1Co 12:28, 29; Ef 4:11), como ofícios
distintos. Um outro argumento seria que profeta não poderia ser ofício porque
está junto com outros dons que não ao ofícios (curar, falar línguas); mas esse
argumento não é válido porque o ofício de apóstolo está na mesma lista também.
O que mais importa é que em 1 Coríntios 14:37, os que profetizam são
considerados profetas, e os que exercem outros dons são chamados de espirituais
(aqueles por meio de quem o Espírito agia sem ofício). Isso é confirmado em Ef
2.20 e 3.5, quando Paulo cita os ofícios de apóstolo e profeta como sendo
responsáveis por lançar o fundamento da fé da Nova Aliança. Sendo Paulo judeu,
a sua visão de profecia é a mesma judaica. Não há no NT diferença de níveis de
profecia. Assim, Paulo destaca a profecia como ofício, diferenciando-a dos dons
em 1 Co 14.37, quando fala de dois tipos de atividade do Espírito: se alguém se
considera profeta (profetên, ofício),
ou espiritual (pneumatikon, dons). Os
últimos são aqueles que exercem dons sem ofício, e os primeiros exercem o ofício
de profeta.
DISCERNIMENTO
DE ESPÍRITO
(diakrisein
pneumatôn)
E
a outro o dom de discernir os espíritos.
A palavra diakrisei (julgar, discernir, distinguir) encontra-se em apenas 03
versos do NT (Rm 14.1; 1 Co 12.10: Hb 5.14). Nesses textos o sentido é sempre
de “distinguir”, “fazer separação”. Contudo, a palavra mais importante para se
entender o dom de “discernimento de espírito” é pneunatôn. Nos versos 8, 9, e
10 de 1 Co 12, a expressão diakriseipneunatôn
está entre os dons de palavra de comunicação direta revelada. Em 1 Jo 4.1,
o termo pneumata está relacionado com profecia, concordando com a mesma ideia
de Paulo, que usa o termo pneunatônno no grupo dos dons proféticos. O termo
pneunatôn, na verdade, é sinônimo de profecia.
O dom de discernimento de espírito
tem a ver com inspiração. Como a
profecia era revelada, autoritativa e inspirada, Deus deu um dom da mesma
natureza do dom profético para julgar os pretensos pneumatikoi de Corinto. Somente um dom profético pode julgar outro
dom profético. Ao povo comum não foi dado julgar profecias, mas somente àqueles
que tinham o dom profético de discernimento de espírito. Como o caráter da
profecia é de trazer revelação de mistério (1Co 13.2), um crente comum nunca
seria apto para identificar a inspiração do profeta e de sua profecia porque
ninguém conhecia o mistério. Somente o dom profético de discernimento seria
capaz de identificar os falsários da revelação.
A razão da existência desse
dom era a novidade da revelação dos princípios e mistérios da Nova Aliança que
ainda estavam sendo dados para formar o corpo da doutrina neotestamentária ou
fundamento apostólico. A igreja ainda não conhecia esses mistérios, mas não tendo tal conhecimento, os crentes comuns não teriam como julgar a
revelação que ainda estava sendo dada em caráter de novidade. Por tratar-se de
um dom profético, possivelmente esse dom era dado exclusivamente aos profetas.
Se aos profetas foi dado o mérito de decidir a ordem de quem profetizaria
primeiro (1Co 14.31), é possível que só os profetas pudessem julgar os
pretensos profetas inspirados naquela época. A menos que existisse um dom
profético para revelar a falsidade de uma suposta profecia ou mistério, toda a
igreja seria enganada. Essa foi a época da formação dos livros apócrifos e
pseudoepígrafos que reivindicavam inspiração. O exercício do dom de
discernimento era aplicável, exatamente, para não permitir que houvesse na
igreja apostólica várias fontes de doutrina supostamente revelada,
reivindicando igualdade no corpo dos escritos apostólicos do Novo Testamento.
Autor:
Moisés Bezerril
Divulgação: Reformados
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