Introdução
As igrejas protestantes
organizam-se de acordo com 3 formas básicas de governo:
1) O governo congregacional,
que pressupõe direitos e deveres iguais para todos os membros e autonomia para
a igreja local. A assembleia da igreja é o poder máximo e não se sujeita a
nenhuma outra instância.
2) O governo presbiteriano, no
qual um grupo de presbíteros eleitos forma um conselho que governa a igreja
local por tempo determinado. As igrejas presbiterianas agrupam-se em
presbitérios, sínodos e supremo concílio, numa estrutura hierarquizada onde
cada instância (ou concílio) tem poderes sobre a inferior.
3) O governo episcopal, onde
os bispos têm autoridade sobre uma determinada região. Há vários tipos de governo
episcopal: o bispo pode ser eleito por tempo indeterminado ou determinado; pode
ter mais ou menos poderes (por exemplo, transferir os pastores das igrejas
da sua região com ou sem o aval das igrejas locais). Às vezes pode governar
sozinho, outras, auxiliado por um grupo.
Pode-se acrescentar a estes o “governo monárquico”, onde um líder carismático se proclama como “o ungido de Deus”, muitas vezes alegando que recebeu uma “revelação” divina e detém o poder normalmente de forma incontestável e vitalícia. Igrejas assim estão largamente afastadas dos princípios da Reforma e não creio que devam ser chamadas de protestantes.
Aristóteles2 ao teorizar sobre as formas de governo, citou 3: monárquico (governo de um só, vitalício; de monos, um), aristocrático (governo de uma elite; de aristos, melhor + krateo, dono, governador) e democrático (governo escolhido pela maioria) e alertou para o fato de que todos podem se deturpar: a monarquia pode se transformar em tirania; a aristocracia em oligarquia e autoperpetuação e a democracia em demagogia. Também as igrejas podem se desviar das formas de governo que teoricamente adotam:
1. Uma igreja batista pode
transferir grande parte da autoridade da assembléia para o pastor.
2 .Os presbíteros de uma igreja presbiteriana
podem se tornar meramente um grupo de auxiliares do pastor.
3. Um presbitério pode ser submisso às imposições
de um líder mais carismático.
Um paralelo esclarecedor são
as ditaduras. Em muitas delas os congressos permanecem funcionando, o que lhes
dá uma aparência de democracia. Na prática eles existem somente para endossar
as diretrizes do “homem forte”. Exemplo típico eram os congressos dos países
comunistas onde o mais comum eram as votações unânimes; ai de quem discordasse!
Isso deveria ser suficiente para mostrar aos cristãos que as raízes do pecado
estão ativas em todos nós e que tudo o que fazemos tende a se corromper com o tempo,
até nas igrejas dos santos. Mesmo as comunidades cristãs podem se degenerar a tal
ponto que suas reuniões já não sejam para melhor, e sim, para pior (1Co 11.17).
Penso, como veremos adiante, que a forma de governo endossada pelo Novo
Testamento é o presbiteriano, mas este não se efetiva simplesmente pelo fato de
uma igreja denominar-se como tal. Pode acontecer que uma igreja de governo congregacional
ou até mesmo episcopal encontre-se muito mais próxima dos parâmetros de governo
bíblico do que uma igreja dita presbiteriana.
A
evidência do Novo Testamento
No NT, vemos Paulo, já na sua
1ª viagem missionária, promovendo em cada igreja, a eleição de presbíteros (At 14.23).
Esta prática é confirmada por Paulo em Tito 1.5.3 Em At 15, nos vv.
2, 4, 6, 22 e 23,4 são os presbíteros que se reúnem juntamente com
os apóstolos no 1º Concílio da Igreja. Em At 16.4 somos informados que Ao
passar pelas cidades, entregavam aos irmãos, para que as observassem, as
decisões tomadas pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém. Em At 20.17
Paulo chama os presbíteros da igreja de Éfeso para sua última conversa com
eles. No v. 28 vemos a função dos presbíteros: pastorear a igreja, sobre a qual eles
foram constituídos bispos;5 esta função é confirmada por Pedro, em
sua 1ª epístola, em 5.1-2.6
No cabeçalho da epístola aos
Filipenses, Paulo escreveu em (1.1): Paulo e Timóteo, servos de Jesus Cristo, a
todos os santos em Cristo Jesus, que estão em Filipos, inclusive bispos e
diáconos.
A Timóteo Paulo prescreve:
Os presbíteros que
governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os
que trabalham na palavra e na doutrina (1Tm. 5.17 ARC - na ARA: dobrados
honorários).
Tiago instrui:
Está alguém entre vós doente?
Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite
em nome do Senhor (5.14).
Vemos também que pelo menos 2
apóstolos, Pedro (1Pe 5.1: eu, presbítero
como eles) e João (2Jo 1: o presbítero
à senhora eleita e 3Jo 1: o presbítero
ao amado Gaio) chamavam a si próprios de presbíteros.
Uma informação importante que
os textos acima nos fornecem é que as igrejas do Novo Testamento parecem ter
tido um governo plural, um colegiado de presbíteros regendo as comunidades
locais. A palavra aparece sempre no plural, presbíteros, quando relacionada ao
governo da igreja.7
O
Testemunho dos Pais da Igreja
Clemente
de Roma, que viveu entre os anos 30 e 100, escreveu uma epístola à
Igreja de Corinto cujos membros haviam se revoltado contra seus presbíteros.
Clemente, então, instrui os coríntios a obedecerem aos presbíteros, pois estes
foram instituídos pelos apóstolos, que por sua vez foram enviados por Cristo e
este pelo Pai. Clemente também afirma que estes líderes foram democraticamente
escolhidos.8
Esta epístola, escrita no ano
98, é o escrito cristão mais antigo depois do N.T. Interessante notar que
Cairns descreve Clemente como “o presbítero principal da Igreja em Roma”9
(os católicos dizem que ele foi papa). Se Cairns está correto ao chamar Clemente
de “principal”, parece então que na época de Clemente já se davam os passos em
direção ao que se configurou logo a seguir com Inácio.
Inácio
de Antioquia, condenado ao martírio no início do século 2,
escreveu cartas a 7 igrejas por volta do ano 110. Nestas cartas Inácio prescreve
a obediência ao bispo e aos presbíteros como fator de unidade da igreja. Ele é
o primeiro dos pais da igreja a fazer essa distinção, não encontrada no NT,
entre bispo e presbíteros, colocando os últimos em posição de subordinação ao
primeiro.10 Inácio defendia uma hierarquia tripla – bispo, presbítero
e diácono – como elemento fundamental para a existência da Igreja.11
Os defensores dessa ordem
tripla apontam para sua existência desde muito cedo na igreja. Porém, F. Martins
tem razão quando afirma que:
O Novo Testamento é claro ao
relacionar estes dois termos (ancião e bispo) a um mesmo ofício (At 20.17,28;
Fp 1.1; Tt 1.5,7). O fortalecimento do ofício do bispo monárquico só aconteceu
depois do fim da era apostólica, no fim do segundo século.12
Temos então, a partir do
início do século 2, um significado novo para a palavra bispo, diferente do
significado dado à palavra nos primórdios da igreja. No início o corpo dos
presbíteros era igualitário. As palavras “bispo” e “presbítero” eram usadas
para o mesmo grupo de homens sem distinção (1Tm 3.1ss cf. Tt 1.5,7; At 20.17,28). A partir daí haverá uma distinção que se intensificará e que
perdurará com graus variados até nossos dias.
O
modelo atual
A palavra presbítero praticamente caiu em desuso na maior parte das
denominações juntamente com o sistema de governo que era praticado em
correlação com o uso da palavra. Passamos a usar uma nova palavra, seja qual
for o sistema de governo das igrejas protestantes: pastor. Porém, essa palavra não é usada com o mesmo sentido de
presbítero nem o pastor da igreja é imaginado atuando num contexto plural. A
palavra é usada no singular. O pastor
da igreja tem sempre posição destacada. É improvável que o crente comum conceba
“igreja” sem “pastor”. Estas duas palavras são em nossos dias praticamente
indissociáveis. Porém, a que conclusão chegaríamos estudando o N.T.? Nele, a
palavra pastor ocorre 13 vezes,13 sendo que surpreendentemente em
nenhuma ocorrência a palavra se refere a um homem com o atual ofício de pastor
de igreja.
A palavra pastores (no plural) ocorre em 8 versículos.14 Em 5
ocasiões se refere à profissão (pastor de ovelhas), em 1 (Jd 12) como figura de
linguagem e em apenas 1 ocorrência (Ef 4.11) como homens possuidores de um ofício
na igreja. Na ARC ocorre também em Hebreus 13.7 e 17, sendo a palavra
pastores traduzida na ARA como “guias”.
Quem seriam esses guias ou
pastores? Procurando as palavras apascentar ou pastorear, podemos obter pistas.
Elas aparecem 12 vezes.15 Nosso interesse recai sobre João 21.15,17
(o episódio da restauração de Pedro), Atos 20.28 e 1 Pedro 5.2. Em Atos, o apóstolo
Paulo diz a um grupo de homens que eles foram constituídos bispos para apascentarem
a igreja de Deus. E, no mesmo texto, ele ordena que cuidem do rebanho. O rebanho
é a “Igreja de Deus”. Esses homens, que devem apascentar a igreja, quem são?
Os presbíteros (ou bispos, ou anciãos) da igreja de Éfeso, aos quais Paulo está
dirigindo suas solenes palavras de despedida.
Pedro, a quem o Senhor Jesus
disse: pastoreia as minhas ovelhas, dá a mesma ordem em sua primeira epístola
(5.1-2). A quem? Aos presbíteros.
A igreja mais hierarquizada
que existe afirma que Pedro foi o primeiro papa. Quanto a isso, Justo Gonzáles
afirma:
As origens do bispado romano
se perderam na penumbra da história. A maior parte dos historiadores, tanto
católicos como protestantes, concorda que Pedro esteve em Roma, e que
provavelmente morreu nesta cidade durante a perseguição de Nero. Porém não
existe nenhum documento antigo que diga que Pedro transferiu sua autoridade
apostólica aos seus sucessores.
Além disso, as listas antigas
que enumeram os primeiros bispos de Roma não coincidem. Enquanto algumas dizem
que Clemente sucedeu diretamente a Pedro, outras dizem que ele foi o terceiro
bispo depois da morte do apóstolo. Isto é tanto mais digno de nota por termos
listas relativamente fidedignas de outras igrejas. Isto, por sua vez, levou
alguns historiadores a conjecturar que talvez o bispado de Roma, em seu
princípio, não tenha sido ‘monárquico’ (isto é, com um só bispo), porém um
bispado colegiado onde vários bispos ou presbíteros dirigiam a vida da igreja
em conjunto.16
Como vimos, a palavra
presbítero quase sempre aparece na forma plural no NT. As conjecturas que
Gonzales cita a respeito de uma pluralidade de presbíteros no governo da igreja
primitiva parecem ser confirmadas pelos textos do Novo Testamento. Dessa forma, podemos
estar prejudicando a esses homens que são colocados sozinhos em posição de liderança
na igreja, pois não foi este o modelo provido por Deus para sua igreja. O uso
da palavra pastor, bispo, presbítero ou ancião não é o primordial. O importante
é que, qualquer que seja a palavra que usemos para designar a liderança da
igreja, ela deve ser usada num contexto pluralista, sem privilegiar a ninguém
dentro do grupo.
A
Denominação Presbiteriana
A
aspiração do homem para o bem torna a democracia possível, mas a inclinação do
homem para o mal torna a democracia necessária. É
até questão de coerência aos defensores da Total Depravação, a criação de
mecanismos que permitam que o poder seja efetivamente pulverizado.
Os presbiterianos consideram
que o ofício de presbítero antecede até mesmo o próprio registro histórico das
Escrituras.17 No Antigo Testamento, são designados como anciãos. Assim os vemos executando a
disciplina (Dt. 19.11-12; 21.18-19), como chefes do povo (Dt. 27.1), como
depositários da fé (Js. 24.31), etc… Alguns autores chegam a
comparar a cultura judaica antiga com a nossa prática atual sem cuidar de
estabelecer as necessárias distinções:
“As congregações locais – as
sinagogas – tinham um tribunal composto de três juízes, a quem cabia dirimir as
questões de ganho, perda ou restituição. Era o nosso atual Conselho de
Igreja”.18
Esse mesmo autor afirma que o
ancião podia ainda servir numa segunda câmara de justiça composta de 23 juízes
e também no Sinédrio que “era o mais alto ideal acalentado pelo cidadão judeu
ao encaminhar-se para a velhice”. O assento nessa corte “era o mais sonhado
prêmio de uma vida digna, experimentada nos serviços de outras naturezas,
prestados pelo ancião em qualquer outro lugar do país”. E conclui:
Sendo o ancião o presbítero,
pode-se então afirmar sem erro que a igreja do povo hebreu era governada por
presbíteros antes do Êxodo, no deserto da peregrinação, na época dos juízes,
durante o reino unido e o reino dividido, nos cativeiros e na dispersão, até os
nossos dias. Os judeus, portanto, eram e são presbiterianos na sua forma de
governo eclesiástico.19
Por que a Igreja Presbiteriana
tem este nome: presbiteriana? Porque
não é governada pela congregação nem tampouco por um bispo, mas sim, por presbíteros.
A igreja presbiteriana só reconhece duas ordens de oficiais: os diáconos e os
presbíteros. Divide, porém, estes últimos em docentes e regentes. O presbítero
docente é o chamado “pastor” ou ministro, sendo suas funções a doutrinação, a
pregação e o ensino. Ao regente cabe a administração secular e espiritual da
igreja.
O Rev. Manoel B. de Souza,
então presidente do presbitério de Londrina, em seu livro “Porque somos
presbiterianos”, de 1963, afirma:
Como já deixamos transparecer
claramente, apenas duas ordens de oficiais permaneceram dentro do sistema
presbiteriano: presbíteros e diáconos. Note, ainda, que não houve a mínima
inovação nem por Calvino nem por parte de outros estudiosos do
Presbiterianismo quanto à nomenclatura do oficialato. PRESBÍTERO e DIÁCONO são
os mesmos nomes que se encontram no Novo Testamento! Houve, apenas, para
definição de deveres e responsabilidades, uma divisão na ordem dos presbíteros,
muito lógica e sobretudo bíblica, como veremos mais adiante.20
Mais adiante declara:
Vale anotar que esta distinção
não implica no fato de que o presbítero docente, que é o ministro, não possa e
não deva tomar parte direta na administração da Igreja, e que o presbítero
regente não deva ensinar. Apesar da especificação de funções, os presbíteros
docentes e regentes devem e precisam trabalhar em mútua colaboração.21
Acontece, porém, que esta
divisão dentro da ordem carece de fundamento bíblico e pode tornar-se, como
muitas vezes ocorre, fruto de tensões no relacionamento entre os dois tipos de
“presbíteros”. Quem governa a igreja na
denominação presbiteriana? O pastor auxiliado pelos presbíteros? Como funciona
o sistema conciliar? Parece que a resposta não é clara.
A constituição da denominação
afirma no Art. 1° que a igreja exerce o seu governo por meio de concílios e indivíduos… e o Art. 3°, § 2°, define que a
autoridade é exercida individualmente
na administração dos sacramentos e na impetração da bênção pelos ministros e na
integração de concílios por ministros e presbíteros e é exercida coletivamente por oficiais, em concílios, para
legislar, julgar, admitir, excluir ou transferir membros e administrar as
comunidades.
O art. 4° afirma que o governo
da igreja local reside no Conselho.22
O art. 8° repete: O governo e a administração de uma igreja
local competem ao Conselho, que se compõe de pastor ou pastores e dos
presbíteros.
O art. 50 diz que o presbítero tem nos concílios da Igreja
autoridade igual à dos ministros.
O art. 83 arrola as funções
privativas do Conselho, dentre as quais:
a) exercer o governo
espiritual e administrativo;
b) supervisionar, orientar e
superintender a obra de educação religiosa, o trabalho das sociedades (e
outras organizações da igreja, bem como a obra educativa em geral e quaisquer
atividades espirituais;
c) resolver caso de dúvida
sobre doutrina e prática;
d) suspender a execução de
medidas votadas pelas sociedades domésticas da igreja (…)
Como se vê, é o exercício do
poder residindo no Conselho.23
Porém, apesar de se afirmar
que não há 3, mas apenas duas ordens de oficiais na igreja, o chamado
“ministro” tem muitas prerrogativas.
O art. 31, por exemplo, lista
o que é privativo do ministro: administrar os sacramentos, invocar a bênção
apostólica, celebrar casamento religioso com efeito civil, orientar e
superintender a liturgia.
O art. 32 diz que o cargo e
exercício de ministro são os primeiros na igreja. De que forma isso se
manifesta? Parece que, nas prerrogativas, nenhum presbítero “regente” pode exercer a presidência do Conselho (art. 78), mas tem poder de exercer as funções de conselho
em casos excepcionais (art. 76, § 2°); da necessidade de sua presença para
admitir, transferir ou disciplinar membros (art. 78); de poder convocar,
individualmente, o conselho (art. 81, b); de não ter suas faltas julgadas pelo
Conselho (código de Disciplina, art. 20); de, nos casos excepcionais em que o
Conselho se reúne sem sua presença, as decisões tomadas necessitam do
“ad-referendum” do Conselho em próxima reunião (art. 78); de presidir as
assembleias da igreja (Modelo de Estatuto, art. 7°).
Dessa forma, há uma
ambiguidade quando ao mesmo tempo em que se afirma a inexistência de uma
“hierarquia” todas estas prerrogativas mostram que, de fato, ela está presente.
Há uma distinção muito clara no tratamento dos presbíteros docentes, que são chamados
de pastores ou ministros e tratados como “reverendos”.24
Embora o autor de “Porque
somos presbiterianos” afirme que esta distinção é “sobretudo bíblica”,
parece-me que os textos bíblicos não confirmam isso. Os textos citados por ele,
1Tm 5.17 (devem ser merecedores de redobrada honra os presbíteros que presidem
bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino) e 1Co 12.28
(… em terceiro lugar, mestres…) são forçados a afirmar bem mais do que dizem.25
O governo episcopal, ao invés
do que se dá no Sistema Presbiteriano, que divide o presbiterato apenas em duas
classes, os presbíteros são divididos em duas ordens bem distintas, a saber:
Bispos e Presbíteros, estabelecendo superioridade de uns sobre os outros.26
Seguindo em sua argumentação,
Souza acrescenta:
Contudo, escudados na Bíblia,
vamos ver que não há muita razão para a distinção que se faz dos presbíteros em
duas ordens: Bispos e Presbíteros. Senão vejamos:
Para designar
estes oficiais, as Escrituras Sagradas apresentam três nomes: ANCIÃO,
PRESBÍTERO E BISPO. Todavia estes três nomes são sinônimos perfeitos, isto é,
têm o mesmíssimo significado!!! Cotejando a mesma Bíblia, especialmente o Novo
Testamento, sem nenhum outro auxílio, comprova-se esta asserção. (…) Logo, no
conceito neotestamentário, as três palavras: bispo, presbítero, e ancião são sinônimos!!!
(…) Só há mudança de nomes, mas o sentido é sempre o mesmo! (…). Por mais que
se queira forçar a interpretação bíblica, não se encontra base para esta
distinção, que se observa no Governo Episcopal, de dignidade entre bispos e
presbíteros. É simplesmente uma questão linguística e nada mais!!! Temos aí
aquilo que no estudo das línguas se chama SINÔNIMO, isto é, palavra de
diferente grafia, mas de significado semelhante.”27
Porém, logo a seguir, afirma:
Segundo nosso sistema de
governo, e muito bíblico como estamos percebendo, não há distinção alguma entre
os oficiais em estudo, no que respeita a sua dignidade. Apenas a ordem dos
presbíteros, à semelhança do que se dava na Igreja primitiva [sic], se desdobra
em duas classes (presbíteros regentes e docentes), para facilitar a consecução
da obra.28
Entendo que Souza ficou devendo as referências bíblicas que comprovam que a Igreja Primitiva dividia os presbíteros em duas “classes”.29 E a aplicação que ele faz dos termos “classe” e “ordem” lembra a sutileza do argumento católico de que não prestam “latria” (adoração) às imagens, mas “dulia” (veneração).
De fato, a mesma argumentação
que Souza usou contra a distinção entre bispo
e presbítero pode ser usada também
contra a distinção entre pastor e presbítero. Se há divisão na “ordem”, se
há ofícios privativos e prerrogativas de uma “classe”, se há diferença de tratamento,
não há como não concluir que há uma subordinação dos regentes aos
docentes.30 John MacArthur pelo menos foi claro ao admitir que, para
ele, a igreja é governada pelos melhores e presidida pelo melhor entre os
melhores.31 Isso é meramente o retorno à ordem tríplice defendida
por Inácio de Antioquia, com os pastores substituindo os bispos.
Afinal de contas, nossa
terminologia atual é realmente bíblica? Ao inscrever-me para um congresso, a simpática
atendente perguntou: o sr. é pastor
ou presbítero? Esta distinção existe
no NT? As evidências indicam que o termo pastor
nem era usado cotidianamente, mas sim, presbítero.
Porém, a palavra pastor é usada hoje,
mesmo nas igrejas presbiterianas, para criar uma distinção que não havia no NT.
As igrejas do NT tinham um pastor? Ou eram governadas por um colegiado de
presbíteros, sem nenhuma distinção entre eles? Como já vimos, o NT aponta para
a existência de uma liderança pluralista e igualitária:
Lembrai-vos dos vossos guias
(na ARC “pastores”) os quais vos pregaram a palavra de Deus... (Hb 13.7).
Agora, vos rogamos, irmãos, que acateis com apreço os que trabalham entre vós e os que vos presidem no Senhor e vos admoestam; e que os tenhais com amor em máxima consideração, por causa do trabalho que realizam (1 Ts 5.12).
Devem ser considerados
merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com
especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino (1 Tm 5.17).
Está alguém doente? Chame os presbíteros
da igreja… [os presbíteros e não o presbítero ou o pastor] (Tg 5.14).
Já registramos que os termos
que se referem à liderança estão sempre no plural. Não há uma única palavra
sobre qualquer tipo de ascendência de um presbítero sobre os demais. Mesmo em
1Tm 5.17, onde alguns parecem ver uma distinção entre presbíteros que presidem
e os que pregam e ensinam (se bem que essa distinção pode ser ditada pela
aptidão natural que fará uns se destacarem mais na pregação, outros no ensino,
outros na administração, etc.), a única diferença é o honorário.32
Estes textos não suportam o peso da separação tão grande e nítida, como a que é
feita atualmente entre pastor e presbítero. O texto não diz que aqueles
presbíteros que venham a se distinguir por uma maior aptidão à pregação e ao
ensino terão algum tipo de privilégio no governo que os demais não terão, ou
alguma ascendência sobre ou outros presbíteros, nem mesmo algum tipo de
atribuição exclusiva, como batizar ou presidir a ceia.
NOTAS:
1. Presbítero da Igreja
Reformada Presbiteriana em Maricá (RJ).
2. SOBRINHO, João Falcão A
Túnica Inconsútil, apostila de eclesiologia do Seminário Teológico Batista do
Sul, p.57-58, s/d.
3. Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as
coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses presbíteros, como
já te mandei.
4. Tendo havido, da parte de
Paulo e Barnabé, contenda e não pequena discussão com eles, resolveram que esses
dois e alguns outros dentre eles subissem a Jerusalém, aos apóstolos e
presbíteros, com respeito a esta questão (2). Tendo eles chegado a Jerusalém,
foram bem recebidos pela igreja, pelos apóstolos e pelos presbíteros (4). Então
se reuniram os apóstolos e os presbíteros para examinar a questão (6). Então, parecem
bem aos apóstolos e aos presbíteros, com toda a igreja (…) (22). escrevendo,
por mão deles: Os irmãos, tanto os apóstolos como os presbíteros, aos irmãos de
entre os gentios (…) (23).
5. Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos
constituiu bispos, para pastoreardes a Igreja de Deus, a qual ele comprou com o
seu próprio sangue.
6. Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós (…) pastoreai o rebanho de
Deus (…).
7. O termo aparece pela
primeira vez em At 11.30: a nascente igreja de Jerusalém tinha presbíteros. Interessante
que não há explicação para esse surgimento repentino de uma liderança distinta.
Aparentemente foi natural à igreja judaica – que chega a ser chamada de sinagoga
(Tg 2.2) – ser governada por um grupo de anciãos, como nas sinagogas (cf. Mt
9.18 e Lc 8.41 com Mc 5.22; At 13.15; 18.8 e 28.17).
8. “Para nós não seria culpa
leve se exonerássemos do episcopado aqueles que apresentaram os dons de maneira
irrepreensível e santa. Felizes os presbíteros que percorreram seu caminho e
cuja vida terminou de modo fecundo e perfeito. Eles não precisam temer que
alguém os afaste do lugar que lhes foi designado. E nós vemos que, apesar da
ótima conduta deles, removestes alguns das funções que exerciam de modo
irrepreensível e honrado.” “Irei para onde quiserdes, e farei o que a multidão
ordenar, para que o rebanho de Cristo viva em paz com os presbíteros
constituídos.” “Vós que lançastes os fundamentos da revolta, submetei-vos aos
presbíteros e deixai-vos corrigir com arrependimento, dobrando os joelhos de
vosso coração” (Carta de Clemente aos Coríntios 3,44,54,57 em Padres
Apostólicos, ed. Paulus, 2ª ed. 1995, p.55,61 e 63).
9. CAIRNS, Earle E. O
Cristianismo através dos séculos – uma história da igreja cristã Ed. Vida Nova,
2ª ed., 1988. p.59
10. “Convém caminhar de acordo
com o pensamento de vosso bispo (…). Vosso presbitério (…) está unido ao bispo,
assim como as cordas à cítara (…). Tenhamos cuidado, portanto, para não
resistirmos ao bispo(…). Está claro, portanto, que devemos olhar o bispo como
ao próprio Senhor. (Inácio aos Efésios, 4-6, Padres Apostólicos, p. 83,84). “De
fato, eu soube que vossos santos presbíteros (…) como gente sensata em Deus, se
submetem a ele [ao bispo], não a ele, mas ao Pai do bispo de todos, Jesus
Cristo. Por isso vos peço que estejais dispostos a fazer todas as coisas na
concórdia de Deus, sob a presidência do bispo, que ocupa o lugar de Deus, dos
presbíteros, que representam o colégio dos apóstolos, e dos diáconos, que são
muito caros para mim(…)” (Inácio aos Magnésios, 3,6. Padres Apostólicos, p.
92). “Segui todos ao bispo, como Jesus Cristo segue ao Pai, e ao presbitério como
aos apóstolos; respeitai os diáconos como à lei de Deus. Sem o bispo, ninguém
faça nada do que diz respeito à Igreja (…). Sem o bispo não é permitido
batizar, nem realizar o ágape. É bom reconhecer a Deus e ao bispo. Quem
respeita o bispo, é respeitado por Deus; quem faz algo às ocultas do bispo,
serve ao diabo” (Carta aos Esmirniotas, 8,9. Padres Apostólicos, p.118).
11. Há evidências precisas
nestas cartas de que, por esta época, em cada igreja um dos presbíteros tinha
se tornado um bispo monárquico ao qual os outros presbíteros deviam obedecer
(Cairns, p. 60).
12. SILVA, Francisco Martins
da O ofício de presbítero Livraria Almenara Editora, São Paulo, 1959, p. 39
13. Mt 9.36;25.32;26.31;Mc
6.34;14.27; Jo 10.2,11,12,14,16; Hb 13.20; 1 Pe 2.25; 1 Pe 5.4 (ARA).
14. Mt 8.32; Lc 2.8,15,18,20;
Lc 8.34 (traduzido como “porqueiros” na ARA-2ª ed.); Ef 4.11; Jd 1.12.
15. Mt 2.6;Mc 5.14; Lc 15.15;17.7; Jo 21.15,17; At
20.28; 1 Co 9.7; 1 Pe 5.2; Jd 12; Ap 7.17.
16. GONZÁLES, Justo. A Era dos Mártires Uma história ilustrada do
cristianismo, vol.1. Ed. Vida nova.
17. F. Martins, p.39
18. F. Martins, p.44
sublinhado meu. Não me parece correto afirmar que um tribunal de recursos de
uma sinagoga seja a mesma coisa que o atual Conselho de uma Igreja Presbiteriana.
Mais adequado, talvez, seria considerar essa instituição como um embrião ou um
fator de influência judaico no estabelecimento da forma de governo na igreja
primitiva.
19. Idem, p.46
20. SOUZA, Manoel B. de Porque
somos presbiterianos Edições Princeps, Rio de Janeiro, 2ª ed. 1963, p 112. Na
realidade Calvino concebia a igreja sendo governada por um ministério
quádruplo: o pastor, o doutor (ou mestre), o presbítero (ou ancião) e o
diácono, sendo o pastor o responsável pela congregação. Ele organizou as 4
igrejas de Genebra com base nessa concepção (Enciclopédia Histórico-Teológica
da Igreja Cristã, Edições Vida Nova, 1990. vol. 2, p.214).
21. Souza, p. 115.
22. O Conselho na igreja local
é a reunião do pastor e dos presbíteros. As reuniões do conselho são fechadas (art.72
da Constituição): os membros da igreja não podem participar. A evidência do NT
mostra a liderança reunida na presença dos demais membros. Atos 15 mostra os
apóstolos e presbíteros da igreja de Jerusalém reunidos para tomar decisões
cruciais para a vida dos gentios na presença de toda a igreja. Sabemos o que
disseram Pedro, Barnabé, Paulo e Tiago e que foi de Tiago a decisão que foi
aceita por todos. Havia uma multidão participando dos debates (vv. 7 e 12).
23. De fato, o membro comum
pouco pode influir nas decisões da igreja. Mais uma vez Atos 15 mostra indícios
que havia mecanismos pelos quais toda a igreja aprovava a decisão da liderança:
“pareceu bem aos apóstolos e aos presbíteros, com toda a igreja…(v.22). Que
mecanismos eram esses é algo a ser estudado.
24. A constituição da Igreja
Presbiteriana Conservadora é menos ambígua: Art. 37 - O ofício de ministro é o
primeiro da Igreja em dignidade e utilidade. Art. 45 - São atribuições do
pastor: (…) juntamente com os presbíteros, exercer a autoridade coletiva de
governo (a Constituição da IPB diz “outros presbíteros”). Art. 52,§ 3º - Se uma
igreja permanecer vaga por mais de dois anos consecutivos, por motivo de recusa
de pastores comissionados, o Presbitério deverá convertê-la em congregação presbiterial,
dissolvendo o seu Conselho e dando-lhe um pastor, a seu critério. Art. 101 - “O
presidente do Conselho é o pastor da Igreja, e tem votos de quantidade e de
qualidade.” Também a constituição da Igreja Presbiteriana Independente diz:
“Art. 34 - O ofício de ministro é essencial à vida da igreja... (silencia quanto
ao ofício de presbítero); “Art. 52 – São atribuições do pastor... h) juntamente
com os presbíteros, exercer a autoridade coletiva de governo.”; “Art. 90 – o
presidente do Conselho é o pastor da igreja, e tem votos de quantidade e
qualidade, sendo este último obrigatório.”
25 Embora use 1Tm. 5.17 como
base para fazer separação entre o presbítero que preside e o que ensina, vemos
que a prática da Igreja Presbiteriana junta as duas funções em um só: no
ministro. Além de ensinar, só ele pode presidir.
26. Idem, p. 118.
27. Idem, p.119-121.
Autor:
Túlio Cesar Costa Leite1
Fonte:
Monergismo