Erros têm sido cometidos em
ambas as direções na interpretação dessa expectativa neotestamentária do retorno
breve de Cristo. O Novo Testamento não contém absolutamente nenhuma doutrina a
respeito da época do retorno de Cristo. Ele de modo nenhum estabelece como um
fato que o retomo de Cristo ocorrerá imediatamente após a destruição de
Jerusalém. Muitos intérpretes, de fato, inferiram isso a partir de Mateus 10.23;
16.28; 24.34; 26.64 e textos paralelos, mas erraram, pois não há dúvida de que
Jesus falou sobre sua vinda em vários sentidos.
Em João 14.18-24 (cf. 10.16-18), ele fala aos seus discípulos sobre sua vinda no Espírito depois do Pentecostes ou, de acordo com outros intérpretes, sobre sua vinda depois da ressurreição, quando novamente aparecerá aos seus discípulos por algum tempo. Em Mateus 26.64, perante o Sinédrio, Jesus não apenas confirmou seu messianismo sob juramento, mas também afirmou que os convenceria disso porque, daquele momento em diante eles o veriam assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.
Em outra parte, também se faz
menção dessa vinda em glória. Mateus 16.28 (cf. Mc 9.1 ; Lc 9.27) não deixa
lugar para dúvida sobre isso. Jesus diz aqui que alguns dos que se encontravam
ali não passariam pela morte antes de verem o Filho do Homem vindo em seu
reino. Um momento antes ele havia admoestado seus ouvintes a se preocuparem,
acima de tudo, com a salvação de suas almas, enfatizando essa admoestação ao
dizer que o Filho do Homem viria na glória de seu Pai e retribuiria a cada um
segundo o que tivesse feito. Essa vinda não ia demorar muito - como acrescentou
no verso 28 como explicação - pois, antes que todas as pessoas que ali estavam
morressem, o Filho do Homem viria em seu reino, isto é, com o poder e a
dignidade reais que o Pai lhe havia dado, pois, por meio de sua ressurreição e
ascensão, Cristo foi designado pelo Pai como Senhor e Cristo (At 2.33; 5.31) e,
desse momento em diante, na medida em que seu reino é fundado e estabelecido na
terra, ele está continuamente vindo em sua dignidade real. Em Marcos 9.1 e
Lucas 9.27, a frase é, portanto, explicada dizendo que muitos não passarão pela
morte até que tenham visto o reino de Deus ou o tenham visto vir com poder.
Mateus 10.23 pode ser explicado da mesma forma: os discípulos são informados de
que não terão percorrido todas as cidades de Israel antes que o Filho do Homem
venha. Embora essa vinda não seja explicada mais detalhadamente, não é possível
que ela se refira à parousia porque, nesse caso, Jesus estaria se contradizendo.
De qualquer forma, em Mateus 24, ele diz que sua parousia acontecerá depois da
destruição de Jerusalém. Jesus não diz quanto tempo depois desse evento
assustador sua vinda ocorrerá. No entanto, em sua profecia, ele, de fato, a
associa à queda de Jerusalém. A tradução de eutheõs, em Mateus 24.29 por “logo em seguida” em vez de “imediatamente” não acarreta mudança nisso,
pois, nas palavras seguintes, somos claramente informados de que os sinais da
parousia ocorrerão imediatamente (eutheõs) depois da tribulação daqueles dias
(“em seguida à tribulação daqueles dias”, Mc 13.24; cf. Le 21.25-27).9
Isso é confirmado por Mateus
24.34 (cf. Mc 13.30; Lc 21.32), onde Jesus diz que “não passará esta geração
sem que tudo isto aconteça”. As palavras “esta geração” não podem ser entendidas como significando o povo judeu, mas, sem
dúvida, referem-se à geração que estava viva quando as palavras foram
pronunciadas. Por outro lado, está claro que as palavras “tudo isto” não
incluem a parousia em si, mas referem-se apenas aos sinais que a precedem e a
anunciam, pois, depois de predizer a destruição de Jerusalém e os sinais de seu
retorno e até mesmo a reunião de seus eleitos pelos anjos e, portanto,
efetivamente terminar seu discurso escatológico, Jesus começa, no v. 32, a
oferecer uma aplicação prática. Aqui, ele afirma que, assim como no caso da
figueira brotar das folhas anuncia o verão, assim também “tudo isto” são sinais
de que o fim está próximo ou de que o Messias está às portas. Aqui, a expressão
claramente se refere aos sinais da parousia vindoura, não à parousia em si,
pois não faria sentido dizer que quando “tudo isto” ocorrer, o fim está
“próximo”. No verso 34, as palavras “tudo isto” têm o mesmo
significado. Jesus, portanto, não diz que sua parousia ocorrerá dentro do tempo
de vida da geração que estava viva quando essas palavras foram pronunciadas. O
que ele diz é que os sinais e portentos da parousia seriam visíveis na
destruição de Jerusalém e eventos concomitantes começariam a ocorrer durante o
tempo de vida daquela geração. Jesus está tão seguro disso que diz que o céu e
a terra podem passar, mas suas palavras não passarão.
Quanto ao mais, porém,
Jesus se abstém de todas as tentativas de especificar o momento de sua volta.
Seu intento não é informar seus discípulos sobre o momento preciso de sua
parousia, mas incentivá-los a serem vigilantes. Por essa razão, ele não diz
quando virá, mas quais são os sinais dos tempos que anunciarão sua vinda. Tomar
conhecimento dos sinais dos tempos é uma obrigação dos discípulos de Jesus, mas
a estimativa do tempo preciso de sua vinda é proibida e até mesmo impossível.
Tomar conhecimento dos sinais dos tempos requer que Jesus lance sua luz sobre
os eventos que ocorrerão e ele faz isso, assim como fizeram todos os profetas
antes dele e todos os apóstolos depois dele.
Por essa razão, ele também não
diz que muitos séculos se passarão entre a destruição de Jerusalém e sua
parousia. Isso teria feito com que a admoestação à vigilância fosse
completamente inútil. Assim como a profecia fez em todas as épocas, Jesus
também anuncia a aproximação do fim nos eventos de sua época. Os apóstolos
seguem seu exemplo quando, em heresia e fraude, provações e juízos, na queda de
Jerusalém e no Império Romano, descrevem os primeiros mensageiros do retorno de
Cristo e o cumprimento inicial de sua profecia. Todos os crentes devem, em
todas as épocas, viver como se a vinda de Cristo estivesse às portas. “A
proximidade da parousia é, por assim dizer, apenas uma forma de expressar sua
certeza absoluta”.10 No entanto, pela mesma razão, o cálculo do
momento preciso da parousia também é inapropriado para os cristãos, afinal,
Jesus deliberadamente deixou essa informação em aberto. Sua vinda será
repentina, inesperada, surpreendente, como a de um ladrão na noite (Mt 24.43;
Lc 12.39; cf. “como um laço”, Lc 21.35).
Muitas coisas têm de acontecer
antes que venha o fim (Mt 24.6). O evangelho deve ser pregado a todo o mundo
(Mt 24.14). O noivo tarda e o mestre dos servos permaneceu em um país distante
por muito tempo (Mt 25.5, 13, 19). O trigo e o joio devem crescer juntos até a
colheita (Mt 13.30). A semente de mostarda deve crescer até se transformar em
uma árvore e o fermento deve levedar toda a massa (Mt 13.32-33). De fato, certa
vez, ao tratar do assunto da parousia, Jesus afirmou, expressamente, que o dia
e a hora de sua vinda não são conhecidos por ninguém, nem por anjos nem por
seres humanos, aliás, nem mesmo pelo Filho do Homem (Mc 13.32). Mesmo depois de
sua ressurreição, Jesus ainda testifica que o Pai por sua própria autoridade
fixou os tempos e as épocas para o estabelecimento de seu reino (At 1.7). Todos
os apóstolos repetem essa linguagem. Cristo vem como um ladrão na noite (lTs
5.1-2; 2Pe 3.10; Ap 3.3; 16.15). Ele só aparecerá depois que o anticristo tiver
vindo (2Ts 2.2ss.). A ressurreição está planejada para acontecer em uma
sequência fixa, primeiro a de Cristo, depois a dos crentes em sua vinda (1Co 15.23).
Esse futuro tarda porque o Senhor usa um padrão para medir o tempo que é
diferente do nosso e deseja, em sua paciência, que todos cheguem ao
arrependimento (2Pe 3.8-9).
NOTAS:
9. Nota do organizador:
Bavinck está sugerindo que eutheõs é paralelo a “logo em seguida [...] daqueles
dias”. Portanto, que o termo seja traduzido por “repentinamente” ou “imediatamente”,
isso não afeta a dimensão temporal do que Jesus está dizendo. Não resolvemos o
problema do texto traduzindo eutheõs como “repentinamente” em vez de
“imediatamente”.
10.“Die Nahe der Parusie ist gewissermassen nur ein
anderer Ausdruck für die absolute Gewissheit derselben”. Baldensperger, in H.
J. Holtzmann, Lehrbuch der
neutestamentlichen Theologie (Freiburg i. B. e Leipzig: Mohr, 1897), 1,312.
Autor: Herman Bavinck
Trecho extraído da Dogmática Reformada do autor, vol 4, pág 694-697. Editora: Cultura Cristã