Quero expressar o problema em
termos ainda mais incisivos do que isso. Há pessoas que advogam o jejum como
uma das melhores maneiras ou métodos de se obter bênçãos da parte de Deus. Uma
porção de recente literatura parece culpada dessa distorção. Algumas pessoas
têm escrito acontecimentos notáveis sobre suas vidas, e então testificam: “A
minha vida cristã sempre me pareceu vinculada a fracassos e derrotas, e nunca
me senti verdadeiramente feliz. Minha vida parecia uma série de altos e baixos.
Eu já era crente, mas parecia-me não ter recebido certas coisas que outras
pessoas, a quem eu conhecia, possuíam. E isso se prolongou durante vários anos.
Eu já havia frequentado todas as convenções, eu já lera os livros recomendados mas
jamais recebera a grande bênção. Então aconteceu-me encontrar o ensino que
enfatiza a importância do jejum; e jejuei, e recebi a bênção”. E então, a
exortação é: “Se você quer uma bênção, então jejue”. Isso me parece uma
doutrina extremamente perigosa.
Nunca deveríamos falar desse modo, no que tange à vida espiritual. As bênçãos celestiais jamais se tornam automáticas. No momento em que começarmos a dizer, “Porquanto faço isto, obtenho aquilo”, isso significará que teremos começado a controlar a bênção divina. Isso é um insulto a Deus, violando a grande doutrina de Sua soberania final. Não, jamais deveríamos defender a prática do jejum como um meio de se receber alguma bênção.
Consideremos uma outra
ilustração acerca desse ponto. Tomemos a questão dos dízimos, por exemplo. Esse
é um outro assunto que também está voltando à proeminência. Ora, existem certas
bases bíblicas excelentes para a prática dos dízimos. Entretanto, há muitos que
tendem por ensinar essa questão dos dízimos conforme os seguintes moldes.
Alguém escreve uma narrativa sobre a sua vida. Novamente, assevera que sua vida
era insatisfatória. As coisas não iam bem com ele; de fato, estava enfrentando
desastres financeiros em seus negócios. Mas eis que descobriu a doutrina
bíblica do dízimo, e começou a dar os seus dízimos. Imediatamente, profunda
alegria invadiu-lhe a alma. Não somente isso, entretanto, mas seus negócios
também começaram a melhorar e a obter sucesso. Já li livros que chegam a dizer
ousadamente o seguinte: “Se você realmente quer ser próspero, comece a dar os
seus dízimos”. Vale dizer: “Pague os seus dízimos, e o resultado benéfico será
inevitável. Se você quiser receber uma bênção, então comece a ser dizimista”. É
precisamente a mesma coisa que se verifica no caso do jejum. Todos os
ensinamentos dessa categoria são inteiramente antibíblicos. De fato, tais
ensinamentos são piores ainda do que isso, pois detratam da glória e da
majestade do próprio Deus. Por conseguinte, jamais deveríamos aceitar, praticar
ou advogar a prática do jejum como um método ou como um meio para se obter
diretamente qualquer bênção.
O valor do jejum é indireto, e
não direto.
A última coisa que precisamos
considerar sob esse título é que, conforme é lógico, devemos usar de grande
cautela para não confundir aquilo que é físico com aquilo que é espiritual. Por
enquanto, não podemos ventilar plenamente essa questão; mas, tendo lido algumas
narrativas sobre pessoas que têm posto em prática o jejum, penso que elas
cruzaram a fronteira do físico para o espiritual. Elas descrevem como, após o
mal-estar físico inicial, durante os três ou quatro primeiros dias, e
especialmente após o quinto dia, houve um período de notável clareza mental. E
algumas vezes essas pessoas descrevem tais sensações como se elas fossem de
natureza inteiramente espiritual. Ora, não posso provar que isso não é
espiritual; mas posso afirmar com segurança: pessoas que não são crentes, mas
que experimentam períodos similares de abstinência de alimentos,
invariavelmente testificam sobre resultados idênticos. Não se pode duvidar que
o jejum, em um nível puramente físico e corporal, é algo excelente para nossa
estrutura física, contanto que realizado de modo apropriado. Também não há que
duvidar que um de seus resultados é uma maior perceptibilidade mental, uma
maior clareza no entendimento. Não obstante, sempre devemos ter o máximo
cuidado para não atribuirmos ao espiritual aquilo que pode ser explicado
adequadamente por fatores físicos. Uma vez mais, temos nisso um profundo
princípio geral. Isso é o que deveríamos replicar àqueles que afirmam estar
envolvida alguma questão de fé ou de santidade, como também àqueles que anseiam
por asseverar que se trata de algum fenômeno miraculoso, quando não há certeza
absoluta a esse respeito. Prejudicamos a causa de Cristo ao atribuirmos a
fatores miraculosos alguma coisa que pode ser explicada segundo um nível
totalmente natural. Idêntico perigo se manifesta nessa questão do jejum — o
perigo de confundirmos o espiritual com o físico.
Portanto, tendo considerado
algumas maneiras erradas de se encarar a questão do jejum, examinemos agora a
maneira certa. Já tive ocasião de sugeri-la. O jejum sempre deveria ser
conceituado como um meio para se chegar a um fim, e não como um fim em si
mesmo. O jejum só deveria ser praticado quando alguém se sentisse impelido ou
fosse levado a isso por razões estritamente espirituais. O jejum não deve ser
posto em prática somente porque algum segmento da igreja decretou essa prática
às sextas-feiras, ou durante o período da Quaresma, ou durante qualquer outra
época do ano. Não devemos jejuar mecanicamente. Antes, precisamos disciplinar
nossas vidas. Deveríamos praticar esses preceitos religiosos o tempo todo, e
não apenas em períodos prefixados. É mister que eu me discipline o tempo todo,
mas devo jejuar somente quando sentir que estou sendo levado a isso pelo
Espírito de Deus, quando eu tiver por objetivo algum elevado propósito
espiritual. Jamais devo jejuar em harmonia com alguma regra ou norma, e, sim,
porque sinto que há alguma necessidade peculiar de uma inteira concentração da
inteireza do meu ser em Deus e na minha adoração a Ele. Então terá chegado, de
fato, a oportunidade de jejuar, e essa é a maneira certa de abordar a questão.
Mas, voltemos nossa atenção
para outro aspecto da questão. Tendo considerado o assunto em geral, passemos a
considerá-lo na maneira como deve ser feito. A maneira errada é de chamar
atenção ao fato que estamos jejuando. Quando jejuardes, não vos mostreis
contristados como os hipócritas: porque desfiguram o rosto com o fim de parecer
aos homens que jejuam. Naturalmente, quando eles jejuaram dessa forma as
pessoas perceberam que eles estavam observando um período de jejum. Eles não
lavaram os rostos, nem ungiram as suas cabeças. Alguns deles foram além desses
fatos: eles desfiguraram seus rostos e colocaram cinzas sobre as cabeças.
Queriam chamar atenção ao fato que estavam jejuando, por isso mantiveram a
aparência de miseráveis, infelizes, e todos os que os olharam, disseram: “Ah!
Ele está observando um período de jejum. Ele é uma pessoa de uma
espiritualidade fora do comum. Olhe para ele, olhe o que ele está sacrificando
e sofrendo por causa da sua devoção a Deus.” Nosso Senhor condena aquela
atitude total e completamente. Qualquer pronunciamento do fato do que estamos
fazendo, ou o chamar atenção para o mesmo, é algo que é inteiramente
repreensível por Ele, como o foi no caso da oração e no ato de dar esmolas. É
exatamente o mesmo princípio. Você não deve soar a trombeta proclamando as
coisas que você irá fazer. Você não deve pôr-se de pé nas esquinas das ruas ou
em lugares proeminentes na sinagoga quando você for orar. E, da mesma maneira,
você não deve chamar atenção ao fato que está jejuando.
Entretanto, não devemos pensar
somente na questão do jejum. Parece-me que esse é um princípio que cobre todos
os ângulos de nossa vida cristã. Ele condena, igualmente, a questão da
aparência piedosa proposital, a adoção de atitudes religiosas que dêem na
vista. É patético observar-se como, às vezes, algumas pessoas caem nesse erro
até mesmo ao entoarem hinos — erguem um pouco o rosto, em certos trechos, ou se
põem nas pontas dos pés. Todas as atitudes assim são afetadas, e é quando as
nossas atitudes são assim hipócritas que se tornam tão lamentáveis.
Por esta altura da exposição,
posso formular uma pergunta, para a sua consideração e seu interesse? Dentro de
todo esse assunto, onde cabe toda a questão das vestes do crente? Para mim,
esse é um dos problemas mais atordoantes e causadores de perplexidade em relação
à nossa vida cristã, pois eu mesmo vacilo entre duas opiniões óbvias. Há muita
coisa em mim que não somente compreende, mas que também aprecia a prática dos
primeiros “Quakers”, os quais costumavam trajar-se de maneira diferente das
demais pessoas. A ideia deles era demonstrar a diferença que há entre crentes e
incrédulos, entre a Igreja e o mundo — “precisamos dar uma impressão
diferente”, disseram eles. Ora, diante disso, em todo crente deve haver algo
que, de todo o coração, aprove tal prática com um “amém”. Sinto-me incapaz de
entender o crente que queira parecer-se com um indivíduo típico, comum e
mundano, em sua aparência externa, em suas vestes ou em qualquer outro
particular — a loquacidade, a vulgaridade e a sensualidade. Crente nenhum
deveria assemelhar-se a isso. Por conseguinte, existe algo de perfeitamente
natural nessa reação do crente contra a aparência mundana e no seu desejo de
ser diferente.
Infelizmente, porém, esse não
é o único aspecto da questão. O outro aspecto é que necessariamente não
expressa uma verdade o dito que “a roupa faz o monge”. A maneira de trajar-se
revela quem a pessoa é, mas somente até certo ponto, e não completamente. Os
fariseus vestiam roupas de talho particular — pois alargam os seus filactérios
e alongam as suas franjas (Mateus 23:5) — mas isso em nada garantia a
verdadeira retidão pessoal. Na realidade, a Bíblia ensina que, em última
análise, não é assim que o crente se diferencia do incrédulo. Parece-me que é
aquilo que eu sou que demonstra essa diferença. Se eu mesmo sou correto, em meu
homem interior, tudo o mais seguir-se-á naturalmente. Portanto, não convém que
eu proclame que sou crente vestindo-me de maneira diferente, e, sim,
demonstrando aquilo que sou. Contudo, ponderemos. Temos aqui uma questão assaz,
fascinante e atrativa. Penso que o mais provável é que ambas essas afirmações
exibem facetas da verdade. Por sermos crentes, todos deveríamos desejar ser
diferentes das pessoas mundanas, mas, ao mesmo tempo, jamais deveríamos descer
àquela posição que assevera que as vestes é que revelam o que realmente somos.
Aí, pois, está a maneira errada de se observar essa questão do vestuário; e o
galardão, para essa maneira errada, continua sendo o mesmo que já fora visto no
caso de todos aqueles outros falsos métodos: Em verdade vos digo que eles já
receberam a recompensa (Mateus 6:2). Há indivíduos que imaginam que aqueles
que jejuam ostensivamente são profundamente espirituais, são excepcionalmente
santos. Esses recebem seu louvor da parte dos homens, mas isso constitui toda a
sua recompensa, pois Deus vê os segredos dos corações. Ele vê o coração do
homem e sabe que aquilo que é elevado entre homens, é abominação diante de
Deus (Lucas 16:15).
Qual, pois, é a maneira
correta do crente jejuar? Comecemos respondendo a isso negativamente. A
primeira coisa é que o jejum não envolva um esforço distorcido, conforme faziam
os fariseus. Por ter nosso Senhor dito: Tu, porém, quando jejuares, unge a
cabeça e lava o rosto; com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e, sim,
ao teu Pai em secreto, muitos pensam que não somente não deveríamos desfigurar
o rosto, mas igualmente deveríamos fazer todo o possível para ocultar que
estamos jejuando, e até mesmo para darmos a impressão contrária. Tal opinião,
entretanto, envolve um total mal-entendido. Nada havia de excepcional em se
lavar o rosto ou em ungir os cabelos. Essa era a maneira usual e normal de se
proceder. O que nosso senhor quis dizer, pois, é o seguinte: “Quando você
jejuar, faça-o de maneira natural”.
Poderíamos aplicar essa recomendação como
segue. Há pessoas que de tal maneira temem parecer mesquinhas, ou que temem ser
consideradas tolas, porquanto são crentes, que se inclinam para o extremo
oposto. No entanto, asseveram que devemos dar a impressão que ser crente é ser
feliz e cheio de vida. E assim, longe de nos mostrarmos sombrios e
circunspectos quanto às nossas vestes, precisamos ir para o extremo oposto.
Deveríamos esforçar-nos ao máximo por não parecermos andrajosos. Mas o
resultado disso é que aqueles que assim agem dão tão má impressão como aqueles
que são acusados de andarem vestidos fora da moda. O princípio exarado por
nosso Senhor é o seguinte: “Esqueça-se inteiramente das outras pessoas”. Assim,
para evitarmos parecer melancólicos, não forcemos um sorriso nos lábios.
Esqueçamo-nos de nosso rosto, esqueçamo-nos de nós mesmos, esqueçamo-nos
totalmente das demais pessoas. O erro mais grave é essa preocupação com a
opinião alheia. Não nos importemos com a impressão que estivermos dando a
outros; simplesmente olvidemo-nos de nós mesmos e dediquemo-nos inteiramente à
causa de Deus. Que nossa preocupação seja somente com Deus e sobre como podemos
agradá-Lo em tudo. Preocupemo-nos exclusivamente com a Sua honra e glória.
Se a nossa maior preocupação for agradar a
Deus e glorificar o Seu nome, então não encontraremos qualquer dificuldade
quanto a essas outras coisas. Se um homem está vivendo inteiramente para a
glória do Senhor, então ninguém precisa prescrever para ele quando deve jejuar,
nem precisa prescrever para ele o tipo de roupas que deve usar, e nem precisa
prescrever-lhe qualquer outra coisa. Se alguém esqueceu-se de si mesmo e se
dedicou inteiramente a Deus, então o próprio Novo Testamento declara que esse
alguém saberá como deve comer, beber e vestir-se, porquanto estará fazendo tudo
para a glória de Deus. E graças damos a Deus, porque a recompensa dessa pessoa
está garantida e assegurada, além de ser deveras poderosa — … e teu Pai que vê
em secreto, te recompensará. A única coisa que importa é que a nossa relação
com Deus esteja correta, e que o nosso objetivo seja agradar ao Senhor. Se essa
for a nossa preocupação, então poderemos deixar todo o resto aos Seus cuidados.
Talvez o Senhor retenha o nosso galardão durante anos; mas isso não importa.
Receberemos a recompensa. As promessas divinas nunca falham. Embora o mundo
jamais entenda quem somos, Deus o sabe, e, naquele grande Dia esse fato será
proclamado diante do mundo inteiro. “E teu Pai que vê em secreto, te
recompensará”.
Que os homens não te ouçam,
não te amem e nem te louvem.
Mas, que importa isso: É o
Senhor quem te aprova.
Autor: D.
Martyn Lloyd-Jones
Trecho extraído do livro Estudos no Sermão do Monte, pág 321-331.
Editora: Fiel
Via:
Monergismo