Tornou-se comum no meio
evangélico a prática de ungir doentes com "óleo consagrado". E não só
doentes, mas qualquer um que precise de algum tipo de ajuda de Deus. Basta a
pessoa pedir oração e já aparece um
"pastor" com um frasquinho de óleo na mão, pronto a lambuzar a testa
do suplicante.
De onde vem esse costume? Essa
é fácil: da Bíblia. Realmente o Novo Testamento fala sobre a unção de doentes.
O que impressiona, porém, é que ele fala tão pouco sobre isso que fica difícil
entender porque os evangélicos de hoje dão tanta ênfase ao uso do óleo. Teve
uma senhora pentecostal que chegou a me dizer que a unção dos doentes é a
missão principal dada por Deus ao seu povo!!! Dá pra acreditar?
Como sempre, esse tipo de coisa vem acompanhado de superstição. Evidentemente, o uso do óleo entre os evangélicos é assim tão propagado porque as pessoas realmente acreditam que essa prática promove cura sobrenatural. No entender de muita gente, a unção é uma espécie de ritual mágico, uma versão gospel do curandeirismo pagão, cheio de crendices associadas a objetos, porções e rezas poderosas.
É uma vergonha que o povo de
Deus, por pura ignorância, se enverede por caminhos tão toscos de superstição,
crendo em feitiços cristianizados e se deixando levar por ilusões tão vazias.
Por isso, vamos aqui tentar corrigir um pouco essa ideia, mesmo sabendo que, no
caso da maioria dos "crentes" de hoje, suas mentes estão fechadas
para aprender qualquer coisa. Tudo o que querem são experiências fantásticas e
promessas ocas, pouco importando o que a Bíblia realmente ensina.
Bom, mesmo assim, vamos lá...
Para começar, é preciso chamar a atenção para o fato de que a unção de doentes só
aparece duas vezes no Novo Testamento: Marcos 6.13 e Tiago 5.14. Isso, por si
só, mostra que essa prática não era fundamental para promover cura. Aliás,
nenhuma cura narrada com detalhes nos evangelhos é realizada mediante a unção
com óleo. Jesus curou muita gente sem nunca ungir ninguém. Lucas, em seus dois
livros (o Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos), mesmo relatando inúmeros
casos de enfermos sendo libertos, não diz coisa alguma sobre essa prática. Isso
é curioso, pois Lucas era médico (Cl 4.14) e, certamente, daria atenção
especial a algo que tivesse forte relação com a cura de doenças. Mateus, Paulo,
Pedro e João também não falam nada sobre isso.
O fato é que, como eu disse,
somente dois versículos tratam do uso do óleo em todo o NT, deixando claro que
a cura dos enfermos não exigia unção alguma. A pergunta, então, que se levanta
é: Se a unção com óleo não era necessária para a cura de doentes, porque Marcos
6.13 e Tiago 5.14 falam dela?
Um estudo sobre essa prática
no contexto dos tempos bíblicos deixará claro que, em primeiro lugar, ungir um
doente com óleo era uma forma de lhe trazer alívio e refrigério — uma maneira
simples de gerar algum bem-estar à pessoa que estava presa à cama, abatida pela
doença. Com efeito, os salmos 23.5 e 133.1-3 mostram o valor revigorante da
unção. Nesses textos, o óleo derramado sobre a cabeça é tido como algo que traz
prazer, sendo muito provável que os textos de Marcos e de Tiago se refiram a
isso. Se for esse o caso, os pastores modernos, em vez de ungir os doentes,
deveriam descobrir maneiras atuais de trazer alívio para eles. Isso cumpriria
muito mais a orientação de Tiago 5.14 do que lambuzar a testa das pessoas com
azeite barato.
Um outro motivo pelo qual
Marcos e Tiago mencionam a unção é o simbolismo presente nessa prática. Na
mentalidade judaica, ungir alguém tinha o sentido dominante de separar a pessoa
para um fim específico (geralmente a consagração ou o serviço a Deus. Veja Lc
4.18 e 2Co 1.21). Ora, escrevendo sobre esse pano de fundo, Marcos e
(especialmente) Tiago falam da unção como um símbolo (e somente um símbolo!)
da separação da pessoa como alguém que precisa da atenção mais intensa de Deus
(a imagem do poder de Deus sobrevindo ao enfermo também pode estar presente no
simbolismo da unção). Assim, ao ungir um doente, era como se os presbíteros de
que fala Tiago dissessem: "Nós consideramos você uma pessoa à parte das
demais — alguém que deve receber cuidado especial do Senhor".
É por ter esses objetivos
meramente humanitários e simbólicos em mente que Tiago jamais afirma que a
unção cura o doente. Em vez disso, ele diz: E a oração da fé salvará o
enfermo... (v. 15). Para ele, a unção não realizava milagre algum. Era
somente uma forma de promover o alívio do doente e um modo simbólico de mostrar
o lugar especial que os presbíteros lhe davam diante de Deus, em suas súplicas.
Concluindo, podemos enumerar
as seguintes verdades:
1. A unção dos doentes é uma
prática mencionada mui raramente na Bíblia. Só dois versículos tratam dela, o
que mostra que não é um procedimento exigível.
2. A unção com óleo não é
necessária para a cura de doentes. Na verdade, nenhuma história específica de
cura narrada no NT é acompanhada por essa prática. O caso de Marcos 6.13 deve
ser entendido à luz do próximo item.
3. O uso do óleo mencionado
tão raramente no NT tinha objetivos meramente humanitários e simbólicos,
gerando bem-estar no doente e separando-o simbolicamente como alvo especial do
favor de Deus.
Assim, nada justifica a ênfase
tão grande que os evangélicos de hoje dão a essa prática. Nada também justifica
as crendices ligadas a ela. Na verdade, considerando sua tão pequena
importância nas páginas da Bíblia e a tendência do nosso povo ao misticismo, o
melhor mesmo é que os pastores, cientes de que não se trata de algo
obrigatório, a evitem, sob o risco de, ao adotá-la, promoverem a superstição em
mentes pouco familiarizadas com os costumes dos tempos bíblicos.
Para mais detalhes sobre o assunto, veja também o artigo Os evangélicos e o óleo ungido.
Autor:
Marcos Granconato
Artigo extraído do Facebook