O pentecostalismo representa uma dependência ainda maior em relação às tendências gnósticas. "Assim como a fé que cura teve um lugar proeminente entre os gnósticos medievais do sul da França", observa Lee, "também tem sido um elemento significativo nas seitas mais extremas do Protestantismo. O Deus Salvador rivaliza com o Deus natural e, perante milhões de telespectadores o Deus Salvador prevalece". O livro do estudioso católico romano Ronald Knox, Enthusiasm [Entusiasmo] (Oxford, 1950), permanece como sendo um estudo clássico sobre esta matéria e ele cita esses reavivamentos do Gnosticismo em sua própria igreja como nas seitas protestantes.
Em seu recente trabalho, Fire From Heaven [Fogo do Céu], o teólogo de Harvard, Harvey Cox, que simpatiza com muitos dos grupos pentecostais que ele investigou para o seu livro, observa: "Há um ditado favorito entre os pentecostais: O homem com uma experiência nunca está à mercê do homem com uma doutrina". Fazendo uma crônica do enorme sucesso do Reavivamento da Rua Azuza em 1907, Cox encontra um grande número de afinidades entre os cultos pentecostais, a mitologia hindu, e a religião popular católica romana - "o realismo mágico", ele o chama. O reavivamento inclui transes, levitação e experiências de êxtase assim como as visões de uns e outros sendo consumidos por bolas de fogo. Assim como Bloom e Lee, Cox nota as afinidades entre a indiferença pentecostal pelos credos e doutrinas e os liberais, o que torna ambos os grupos um solo fértil para tipos distintos de espiritualidade gnóstica.
A aversão gnóstica a
mediadores entre o Espírito puro do ser e o Espírito de Deus pode ser visto no
pentecostalismo, que frequentemente enfatiza o Espírito Santo ao invés de
Cristo como a figura central. "Tem havido persistência, eu creio, porque
representa o âmago de toda a convicção pentecostal: que o Espírito de Deus não
necessita de mediadores, mas está à disposição de qualquer um, de um modo
intenso, imediato e, mesmo, interior". Cox até mesmo chega a notar (e
comemorar) uma feminilização inerente da doutrina de Deus no pentecostalismo.
As fases extremas do
pentecostalismo são bastante expressivas em suas ênfases gnósticas, como um
número de estudos tem mostrado, incluindo The Agony of Deceit [A Agonia do
Engano]. Salvação é conhecimento - Conhecimento da Revelação (Kenneth Copeland, Kenneth Hagin, Paul Crouch, e outros "professores da
fé" usam uma letra maiúscula para distinguir esta da mera revelação
escrita). O Verbo que verdadeiramente salva não é o texto escrito das
Escrituras, que proclama a Cristo como Redentor, mas o Verbo "Rhema"
que é falado diretamente ao espírito humano pelo espírito de Deus.
É difícil encontrar uma forma
mais explícita de Gnosticismo nos movimentos religiosos atuais do que no
círculo neopentecostal Palavra da Fé. Não é de se admirar que Bloom
escreva: "Paulo estava combatendo os entusiastas ou gnósticos coríntios e,
ainda assim, eu tento entender por que suas censuras não têm desencorajado os
pentecostais americanos mais do que parece ter acontecido. O pentecostalismo
é o shamanismo americano". O autor mesmo, é bom que seja dito, aplaude a
tendência gnóstica.
Neste ínterim, os princípios
do Gnosticismo da mente acima da matéria, naturalmente encontrados
na Ciência Cristã e em grupos semelhantes, são evidentes em um programa popular
da televisão cristã acerca de "segredos" da personalidade do
"mundo invisível". Ele afirma que "o visível não se aproxima em
poder ao que o invisível possui". A fé "pode colocar o visível sob
controle, porque o invisível é infinitamente mais poderoso do que o
visível".
Fé na Fé Somente
Deus, ao que parece, não é o
soberano e pessoal, "Criador de todas as coisas, visível e invisível"
como o Credo diz. De fato, Deus não parece tão necessário nesse esquema,
conquanto o principiante conheça os segredos. Um fundador do movimento da fé
ilustra a questão descrevendo o que ele afirma ter sido uma visão. Satanás
interrompia periodicamente o diálogo dele com Deus. Ao pedir a Deus que
silenciasse o diabo, Deus disse que não poderia, assim o "visionário"
ordenou a Satanás que se calasse. "Jesus olhou para mim", escreveu
ele, "e disse, Se você não tivesse feito nada acerca disso, eu não
poderia.
Esse livreto do professor é
intitulado adequadamente: How to Have Faith in Your Faith [Como Ter Fé em Sua
Fé], pois Deus não é o objeto da fé nessa perspectiva gnóstica. Pode-se
alcançar a salvação, não tanto pela revelação de Cristo como redentor pelo Seu
sangue, mas pela revelação de segredos para o aproveitamento do reino
espiritual. Até mesmo a oração não é tanto um meio de comunicar-se com a
Divindade que pode mudar as coisas, mas um meio de empregar técnicas que, em si
mesmas, asseguram os resultados. Ou, de forma mais sutil, a oração tornou-se
mais uma terapia, um diálogo consigo mesmo, do que com um Deus que é distinto
daquele que intercede.
Num sistema gnóstico, a fé é
um talismã mágico ou uma senha secreta para assegurar a saúde, a riqueza e a
felicidade. Em um ditado carismático popular, é a "habilidade de alcançar
aquele mundo... além da linha divisória entre o visível e o invisível e trazer
à luz milagres do mundo invisível". Um renomado pregador coreano chama
este reino invisível de A Quarta Dimensão, e seu contraparte
americano sugere que "Deus quer que vivamos nesse mundo, que focalizemos
nossa atenção sobre ele, que possamos entendê-lo".
Não é de se admirar que, após
estudar a Igreja do Evangelho Pleno, do pastor coreano em Seul, na Coréia, Cox
tenha concluído que havia ali semelhanças marcantes entre o pentecostalismo
coreano e o shamanismo asiático. Embora ele mesmo não seja evangélico, e não
seja um inimigo do misticismo, Cox adverte o pentecostalismo acerca de "um
vazio 'culto da experiência', que excede em manter a celebração contemporânea
dos 'sentimentos', e a busca incessante por novas fontes de estímulos e
exultação", expressando a preocupação de que "o pentecostalismo venha
a desaparecer absorvido pelo crescimento da Nova Era. A popularidade da
teologia da prosperidade mostra com que rapidez isso pode acontecer". Seu "culto
extático" equivale a "um tipo de misticismo popular".
Enquanto muitos pentecostais
preferem a experiência em detrimento da teologia, eles desenvolveram um sistema
teológico que compartilha muitas características básicas com o Gnosticismo. De
fato, segundo um dos seus autores mais respeitados, na verdade não existe tal
coisa chamada matéria. Tudo é espírito, ou o que ele chama de
"energia". Seguimos a Jesus porque "ele transbordava fé
sobrenatural". Em outras palavras, ele nos mostra, nos ensina os segredos
do mundo invisível, bem como nos inicia neles.
Nem mesmo a oração é
suficientemente espiritual, visto que ela parece descansar sobre a providência
de um Deus pessoal ao invés de na convicção da própria autoridade decretatória.
"A maior parte das pessoas pede a Deus por um milagre", diz o mesmo
autor, "mas muitos omitem uma exigência-chave - a palavra falada. Deus tem
nos dado autoridade sobre o mal, sobre os demônios, sobre as doenças, sobre as
tempestades, sobre as finanças. Deve nos declarar essa autoridade em nome de
Jesus. Devemos ordenar que o dinheiro venha a nós".
Geddes MacGregor, um profundo
conhecedor do Gnosticismo antigo, observa que os gnósticos da Igreja primitiva
"afirmavam possuir um tipo especial de conhecimento (gnosis) da química
espiritual do universo e uma intuição esotérica em relação às obras da natureza
divina. Esses sectários expunham suas perspectivas imensamente especulativas,
repletas de fantasias e, algumas vezes, de interpretações grotescas das
Escrituras. Alguns chegaram, até mesmo, a combinar fórmulas mágicas com seus
ensinamentos". A esse respeito, existe um paralelo com os defensores do
"evangelho da prosperidade", sua obsessão com respeito a um
conhecimento secreto, que dita o modo como às leis espirituais operam no reino
invisível, e sua visão da fé como uma forma de magia.
Um colunista de religião muito
conhecido explica que o pentecostalismo "está rapidamente se dirigindo
para dentro das sensibilidades religiosas da América assim como o fogo perpassa
rapidamente por um arbusto seco... e pela mesma razão. O pentecostalismo é
agressivo, extático, humilde, quebrantado, despretensioso, celebrante, ruidoso,
alegre, triunfante, multiracial, uma proposição puramente espiritual de Deus
como Espírito Santo ativo sobre pessoas físicas e as almas cognitivas dos seus
amados...". Nosso eu real - "a porção motivadora do nosso ser" -
é Espírito, o colunista assevera. "Até mesmo a mente se confunde diante da
grandeza maior do espírito e da esperança que a sua presença evoca".
O crescimento do
pentecostalismo como uma força, de acordo com esse escritor, é um
indicador-chave para mostrar a direção para a qual a religião está voltada:
"Esse lugar está no extático. Esse lugar está no estado elevado e
celebrador de percepção em que o ser escapa de seus próprios limites na
adoração e une-se a outros como a si mesmo em uma glória universal e
inominável". Conquanto o pentecostalismo possa expressar as tendências
gnósticas mais explicitamente, estaríamos errados se concluíssemos que este é
um caso de "nós contra eles", típico de muitos críticos dos excessos
dos carismáticos ou pentecostais. Estamos todos juntos nisso e teremos de nos
ajudar mutuamente a nos desembaraçar dos tentáculos das perspectivas
não-bíblicas acerca do mundo.
Autor:
Michael Horton
Trecho extraído do livro A Face de Deus, pág 32-35. Editora: Cultura Cristã
Via:
Monergismo