Entendendo
o uso de objetos na Bíblia
Salta aos olhos de quem
conhece as práticas religiosas populares que o uso de objetos ungidos pelas
igrejas de libertação é bastante semelhante ao benzimento de objetos no baixo
espiritismo, nas artes mágicas e no ocultismo em geral. Entretanto, essas
igrejas argumentam que a prática tem base na Bíblia. Provavelmente a passagem
bíblica mais citada é Atos 19.12, onde se relata o uso dos aventais e lenços de
Paulo para expulsar demônios em Éfeso. É preciso salientar, entretanto, que
esse acontecimento é o único do gênero que temos registrado no Novo Testamento. Fez parte dos milagres extraordinários que o Senhor realizou em
Éfeso pelas mãos de Paulo (At 19.11).
Devemos interpretar essa passagem da mesma forma como interpretamos os relatos do Antigo Testamento sobre o cajado de Moisés (Êx 8.5,16) e o manto de Elias (2 Rs 2.8,14). Tais objetos foram veículos materiais do poder miraculoso desses homens. O propósito das narrativas acerca do poder que havia neles foi mostrar o extraordinário poder de Deus nas vidas dos seus possuidores, comprovando que a sua mensagem vinha realmente da parte de Deu O ponto é que esse poder era tão grande que até as coisas com as quais Moisés e Elias tinham contato diário se tornavam canais através dos quais ele era transmitido.
Além dessas ocorrências no
Antigo Testamento mencionadas acima, outros eventos são citados como
justificativa para o uso de objetos como veículos do poder divino. Moisés fez
uma serpente de bronze (Nm 21.9). Eliseu usou um prato novo com sal para
miraculosamente sanar as águas de Jericó (2 Rs 2.19-22), um pouco de farinha
para purificar uma comida envenenada (2 Rs 4.38-41 ), um pau para fazer
flutuar um machado que caiu no rio (2 Rs 6.1-7). Sob seu comando, as águas do
Jordão serviram para curar a lepra de Naamã (2 Rs 5.1-14). Seu bordão parece
que era usado para realizar milagres (2 Rs 4.29) e seus ossos ressuscitaram um
morto (2 Rs 13.20-21). O profeta Isaías usou uma pasta de figos para curar
Ezequias (2 Rs 20.7).
Alguns eventos narrados no
Novo Testamento são também citados como prova. As vestes de Jesus tinham poder
curador. Não somente a mulher com um fluxo de sangue foi curada ao tocá-las
(Lc 8.43-46), mas muitas outras pessoas doentes (Mt 14.36; Mc 6.6; cf. Lc
6.19). Em pelo menos duas ocasiões, Jesus usou saliva para curar cegos (Mc 8.22-26; Jo 9.6-7), e em outra, para curar um mudo (Mc 7.33). Aparentemente, a
sombra de Pedro, após o Pentecostes em Jerusalém, acabava por curar a quem
atingisse. (At 5.15).
Devemos entender, entretanto,
qual o objetivo dessas narrativas. Em todas elas, o conceito é sempre o mesmo.
Jesus e os apóstolos eram tão cheios do poder de Deus que as coisas com as
quais tinham contato íntimo se tomavam como que em extensões deles, para curar
e abençoar as pessoas. O objetivo é idêntico: enfatizar a enormidade do poder
de Deus em suas vidas, e assim, atestar que a mensagem pregada por eles, bem
como pelos profetas do Antigo Testamento, vinha de Deus. A prova eram os
poderes miraculosos tão extraordinários que até mesmo vestes, bordões, ossos,
saliva, sombra e lenços desses homens transmitiam o poder curador de Deus que
neles havia. É dessa forma que devemos entender o relato de Atos 19 sobre o
poder curador dos lenços e aventais de Paulo.
Comparando
com o uso nas igrejas de libertação
Evidentemente, os relatos
bíblicos discutidos acima não servem como prova de que hoje, as igrejas
evangélicas podem abençoar objetos e usá-los para expelir demônios, proteger
seus possuidores contra forças malignas e curar moléstias. Notemos as
principais diferenças entre o uso destes objetos nos relatos bíblicos e o uso
que é feito hoje pelas igrejas de libertação.
1. Foram usados como símbolos. Em vários dos casos relatados na
Bíblia, o papel de objetos na execução de milagres é melhor entendido como
tendo sido simbólico. De alguma forma estavam relacionados à natureza do
milagre: uma serpente de bronze para curar mordeduras de serpentes, um pedaço
de pau para fazer um machado flutuar, sal e farinha para purificar água e
comida (os dois elementos eram usados nos sacrifícios), ossos para trazer vida
e água do Jordão para "limpar" a lepra. Nas igrejas de libertação,
muito embora se diga que os objetos funcionam simbolicamente como apoio para a
fé, acabam sendo aceitos pelos fiéis menos avisados como possuindo em si mesmos
alguma virtude ou poder.
2. A natureza dos milagres em que foram empregados. Os objetos fizeram
parte de milagres que não vemos serem repetidos hoje. A melhor maneira de
provar que o uso de objetos ungidos hoje opera a mesma liberação do poder
divino como nos eventos relatados na Bíblia, seria abrir rios, ressuscitar
mortos, curar leprosos, cegos e aleijados, sanear águas amargas e limpar
comidas envenenadas, usando objetos pessoais dos missionários e obreiros dessas
igrejas. Entretanto, os "milagres" efetuados pelos objetos ungidos
nas igrejas de libertação nem de perto se assemelham aos prodígios
extraordinários narrados nas Escrituras.
3. Seu uso limitou-se ao momento do milagre. Nos relatos bíblicos,
nenhum dos objetos empregados preservou algum "poder" em si após o
milagre ter ocorrido. A serpente de bronze, até onde sabemos, não foi mais
usada para curar mordidas de serpentes após o incidente no deserto, muito
embora os judeus supersticiosos passassem a adorá-la como a um deus. É natural
supor que Eliseu, após usar o manto de Elias para abrir as águas, usou-o normalmente
como peça do seu vestuário, sem que o mesmo exercesse qualquer poder mágico
nas coisas em que tocava. O sal, a farinha e o pedaço de pau que ele usou para
fazer milagres foram tirados da vida normal e retomaram a ela após seu uso. Não
retiveram qualquer propriedade miraculosa em si mesmos. Semelhantemente, os
lenços e aventais de Paulo tiveram um uso especial somente em Éfeso, e
provavelmente somente durante um determinado período, ao longo dos três anos
que o apóstolo passou ali. Em contraste, as igrejas de libertação ungem e
abençoam objetos e atribuem a eles efeitos que permanecem muito tempo após a
cerimônia. É algo bem diferente do uso ocasional feito pelos profetas e
apóstolos.
4. Os objetos estavam ligados à pessoa dos homens de Deus. Alguns dos
objetos usados eram coisas pessoais dos homens de Deus, como a capa de Elias, o
bordão de Eliseu, as vestes de Jesus, os lenços e aventais de Paulo e, num
certo sentido, a sombra de Pedro. Eles só foram empregados por isso. O alvo era
mostrar o extraordinário poder de Deus sobre tais homens. Quando refletimos no fato
de que somente coisas pessoais dos profetas, do Senhor Jesus e dos apóstolos
foram usadas, perguntamo-nos se nossos objetos pessoais teriam o mesmo poder.
A resposta humilde deve ser "não". Os profetas, o Senhor e os
apóstolos foram pessoas especiais e pertenceram a uma época especial e única
dentro da história da revelação. Nossa suspeita de que nossos objetos pessoais
são impotentes para realizar milagres fica ainda mais fortalecida quando não
descobrimos nas Escrituras qualquer exemplo de coisas dos crentes comuns sendo
usadas com esse fim.
5. Nenhum dos objetos empregados foi ungido ou abençoado. Essa é uma
diferença fundamental. Nas igrejas de libertação, os objetos são ungidos, abençoados,
fluidificados e consagrados através da oração e da imposição de mãos dos pastores
e obreiros, depois do que passam supostamente a ter poderes especiais. No
entanto, em nenhum dos casos mencionados nas Escrituras, os objetos
empregados nos milagres passaram, antes, por uma cerimônia de consagração. A
Bíblia desconhece totalmente a "unção" de coisas com o fim de serem
empregadas em atos miraculosos, para atrair as bênçãos de Deus, ou ainda, para
expelir demônios e doenças. É verdade que no Antigo Testamento alguns objetos,
utensílios e mobília do tabernáculo, e depois do templo, foram ungidos com
sangue e óleo.
Mas o propósito não era
investir essas coisas de poderes especiais, e sim separá-las do seu uso comum
para o uso sagrado nos rituais de sacrifício. Eliseu não ungiu nem consagrou,
pela oração, o sal, a farinha e o pedaço de árvore que usou para operar milagres.
Nem Isaías ungiu a pasta de figo para curar a úlcera de Ezequias. Nem mesmo a
serpente de bronze passou por uma consagração, antes de ser erigida diante do
povo envenenado pelas serpentes. Os lenços e aventais de Paulo não passaram
pela imposição de mãos do apóstolo antes de serem levados aos doentes e
endemoninhados. O que dava "poder" àqueles objetos era o fato de que
pertenciam, ou foram manipulados, por pessoas sobre quem o poder de Deus
repousava de forma extraordinária.
A conclusão inescapável é que
não existe qualquer fundamento bíblico para que, hoje, unjamos e abençoemos
objetos com o propósito de transmitir, através deles, uma medida do poder de
Deus. Mais uma vez repito: creio que Deus faz milagres hoje. Creio que ele
poderia usar o que quisesse para isso. Entretanto, creio também que Deus nos
revela em sua Palavra os seus caminhos e seus meios de agir, para que não
sejamos iludidos pelo erro religioso. E se vamos usar as Escrituras como regra
da nossa prática, bem como critério para discernirmos a verdade do erro,
acabaremos por rejeitar a ideia de que, pela oração e unção, determinados
objetos repassam uma bênção de Deus aos seus possuidores.
Autor:
Augustus Nicodemus Lopes
Trecho extraído do livro O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual,
pág 148-151. Editora: Cultura Cristã