Ao contrário do que muitos
cristãos imaginam, nossa batalha contra Satanás e os demônios não é somente na
esfera espiritual, como se a missão deles consistisse em apenas tentar os
cristãos a pecarem contra Deus, oprimir as pessoas, frustrar os seus planos,
causar acidentes, brigas, confusões, destruição de casamentos, dentre outras
coisas. Satanás e os demônios só podem agir no mundo [ainda que influenciando
as pessoas, uma vez que parte do mal que sobrevém em nossa vida é resultado dos
nossos próprios pecados e escolhas erradas que fazemos] se Deus "permitir" conforme os seus decretos soberanos. O caso de Jó é um
exemplo inveterado de que Satanás só tocou em sua vida porque Deus "permitiu" que
ele o fizesse (Jó 1.6-12; 2.1-6).
Não obstante, a outra faceta desta batalha espiritual entre Satanás e os cristãos é na esfera intelectual.
A batalha espiritual não reside apenas em oposições físicas causadas pelo exército demoníaco que descrevi anteriormente, mas, também, em oposição intelectual. Satanás se opõe veementemente contra a Palavra de Deus através de cosmovisões equivocadas. A sua oposição consiste especificamente na deturpação da verdade. Destarte, quando os preceitos de Deus estabelecidos nas Escrituras são distorcidos por teólogos, pastores e pregadores falaciosos e pouco instruídos, que são os instrumentos de Satanás incumbidos para esta tarefa [ainda que muitos destes o façam por insipiência e exânimes do engano], a Palavra de Deus é transmitida às pessoas na igreja, no rádio, na TV e na internet de forma ludibriada. Essa deturpação da verdade, portanto, é chamada de heresia.
Partindo desse pressuposto, é dissonante traçar uma bifurcação obtusa de pessoas, crenças hereges e ações das mesmas. É comumente enfatizado no meio evangélico a ideia de que a nossa luta não é contra o sangue e a carne, mas, sim, contra Satanás e os demônios (Ef 6.12). De fato, é verdade o que Paulo declarou. Contudo, precisamos entender o que o apóstolo quis dizer com essa expressão para não adotarmos interpretações contestáveis e místicas, que poderiam ser facilmente evitadas se analisarmos meticulosamente o texto a lume. Deixe-me ilustrar tal pensamento. Vejamos, pois:
Muitos evangélicos afirmam categoricamente que não
devemos ser contra, no sentido de “odiar” ou “lutar” com pessoas; antes,
devemos nos opor às crenças hereges e ações pecaminosas, conforme demandam as Escrituras. Todavia, heresias e pecados não
invadem a mente e a vida das pessoas, mas são as pessoas que abraçam as
heresias disseminadas através de pregações e ensinamentos orais na igreja, no
rádio, na TV, na internet e através de literatura. São as pessoas que
decidem pecar sendo maledicentes, invejosas, mentindo, roubando, assassinando, se
prostituindo, adulterando, dentre outros pecados.
Decerto, não podemos separar o pecado do pecador,
como fazem muitos evangélicos, dizendo que Deus odeia o pecado, mas ama o
pecador. O homem torna-se pecador se cometer aquilo que foi determinado por
Deus nos seus mandamentos como pecado. Assim, o pecado só existe e é
considerado pecado se alguém o tiver cometido. Logo, Deus odeia tanto o pecado quanto odeia e ama ao mesmo tempo o pecador [especificamente aqueles que
estão para serem redimidos] (Sl 5.5-6; 11.5-6; 34.16; Pv 3.32a;
Rm 8.7-8; Tg 3.4; 1Jo 2.15 etc...). Como Deus pode amar o pecador e somente odiar
o pecado, se ambos estão relacionados? Se fosse assim, Deus não
condenaria o ímpio à punição eterna, mas apenas o pecado, e o
homem, portanto, seria livre da condenação. No entanto, sabemos pelas Escrituras que
não é assim. O homem [ímpio] é condenado pelo pecado de Adão, o representante
federal da humanidade caída e pelas suas obras más, que é o resultado desta
ligação com ele (Rm 5.12; Jo 3.17-19; Ap 20.11-13).
Da mesma forma que não podemos dicotomizar o pecado do
pecador, também não podemos dicotomizar heresias do herege. A heresia não existiria
senão existisse alguém que, em virtude de uma interpretação falaciosa das
Escrituras, a propagasse. Heresia e herege estão entrelaçados! Portanto, os
inimigos de Deus que o aborrecem não são
simplesmente o pecado e as heresias, numa forma abstrata, mas, sobretudo, pessoas que, mesmo
enganadas, ainda que temporariamente, apoiam a propagação de heresias através do falso evangelho
neopentecostal, fazendo parte destas seitas e contribuindo financeiramente para a eclosão das mesmas.
A batalha espiritual é teológica, intelectual! É uma batalha de cosmovisões! Os cristãos ortodoxos e ortopráticos estão num embate contra a mentira caracterizada pelas heresias que compõe o falso evangelho, o qual é reputado como a verdade, e a verdade reputada como mentira. Quando escreve sobre batalha espiritual, Paulo emprega características militares como ilustração, para que possamos entender que estamos numa guerra constante enquanto vivermos neste mundo pós-queda, o qual se opõe aos valores de Deus e aos cristãos. O apóstolo utiliza a metáfora militar de guerra no contexto de Efésios 6.10-17, em 2 Coríntios 10.3-5, em 1 Timóteo 6.12 e em 2 Timóteo 2.3-4, para ressaltar que a nossa batalha é tanto espiritual, contra os poderes malignos, quanto intelectual, pelo verdadeiro evangelho contra o falso evangelho híbrido e sincrético.
Esta guerra não é somente
contra os sofismas religiosos, mas também contra os seus expositores. Jesus,
quando esteve neste mundo, em sua primeira vinda, foi um opositor ferrenho dos fariseus e da religiosidade herege e legalista ensinada por eles (veja os detalhes
dos confrontos de Jesus com os fariseus em Mt 5.20; 6.2-17; Mc 7.1-15; Mt
16.5-12; Mt 23; Jo 8.37, 47 etc.). Esta é a verdade subjacente em Gênesis 3.15.
Deus disse que haveria um conflito [enquanto a terra não for restaurada] entre
os descendentes de Cristo Jesus não somente com Satanás, mas também com os seus
descendentes, a saber, os ímpios, como falsos teólogos, falsos pastores e
falsos pregadores. Por isso, tais homens devem ser refutados e repreendidos. O
cristão não deve ser omisso da verdade, mas, sim, um expoente e defensor
implacável da mesma.
Portanto, quando Paulo disse que a nossa
luta não é contra carne e sangue, mas contra satanás e os demônios,
ele estava realçando que a guerra que estamos engajados por sermos cristãos
não é física, de modo que não fazemos uso de estratégias e armas físicas, como
revólveres, pistolas, escopetas, bombas; nem tampouco iremos infligir os nossos
opositores da mesma forma.
Visto que a batalha é espiritual e intelectual,
nossas armas e estratégias são espirituais e intelectuais. Empregamos a oração e a pregação do
evangelho verdadeiro [juntamente com a apologética], que é a espada do Espírito e o meio de defendermos a nossa fé (Ef 6.17). Como vemos nas Escrituras, a nossa luta também é contra pessoas sob a influência e o domínio de
satanás, e não somente contra as heresias. É uma batalha entre ideologias e cosmovisões humanistas, antropocêntricas e místicas dos ateus e hereges contra a cosmovisão cristã. Este conflito não é vencido por violência física e verbal, mas pela exposição das Escrituras através do poder do Espírito Santo. Paulo escreveu:
2 Coríntios 10.3-5
– Pois, embora vivamos como homens, não lutamos segundo os padrões humanos.
As armas com as quais lutamos não são humanas; pelo contrário, são poderosas em
Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se
levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para
torna-lo obediente a Cristo. (NVI)
As fortalezas que o apóstolo relata não são fortalezas demoníacas, conforme entendem os adeptos do
movimento de batalha espiritual místico e herético difundido por Peter Wagner.
Antes, "Paulo se refere à resistência que os incrédulos oferecem à verdade
do Evangelho, por meio de sofismas e de outros raciocínios falazes, que
procedem da soberba e da incredulidade do coração deles".1
Finalmente, o apóstolo ensina que a vitória sobre os argumentos falaciosos dos incrédulos consiste na pregação sincera do evangelho, que é a única maneira das pessoas serem libertas do engano demoníaco, da religiosidade e do falso evangelho. Jesus disse em João 8.32 - "... e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." (ARA)
NOTA:
Fonte: Reformados 21