7 de dezembro de 2015

Deus não é o autor do pecado


Esta ideia pode nos ocorrer como consequência de que tal cooperação [Deus e homem] se daria na seguinte forma: há apenas uma causa para todos os movimentos e atividades. Sendo assim, Deus seria o único agente ativo, ao passo que o homem e todas as demais criaturas seriam inteiramente passivas, sendo colocados em movimento como as cordas de um instrumento musical, que são inteiramente passivas e cujo movimento é causado somente pelo músico.

Minha resposta a isto é: “De modo nenhum!” Ainda que as criaturas atuem como meios em relação umas às outras, quando Deus as utiliza na execução de Sua obra e propósitos, não obstante elas são a causa primária de seus movimentos e atividades. Isso não quer dizer que, com relação a Deus, fossem independentes dEle, mas, sim, com relação a outras causas subordinadas, bem como às consequências de suas atividades. Não há inconsistência no fato de que duas causas de uma ordem diferente possuem o mesmo resultado, especialmente visto que o resultado é o mesmo, procedendo de ambas as fontes de um modo diferente.

A designação de Deus como a única causa de todos os movimentos, fatos e atividades, e a proposição de que o homem é consequentemente passivo e inativo, é o resultado da cegueira e ignorância concernente ao poder e sabedoria de Deus. É um erro refutado tanto pelas Escrituras quanto pela natureza.

Em primeiro lugar, uma vez que Deus impôs uma lei sobre o homem, a qual apresenta tanto promessas quanto ameaças, o homem não é, portanto, passivo, mas é, em si mesmo, a causa movente de seus atos. Deus não pode impor uma lei sobre Si mesmo, nem fazer promessas a Si mesmo, nem ameaçar a Sua própria pessoa. Visto que a lei com suas promessas e ameaças foi dada ao homem para o propósito de reger sua conduta, o homem, por conseguinte, deve ser o elemento ativo para, então, receber as promessas ou ameaças.

Em segundo lugar, se o homem fosse meramente passivo em todos os seus movimentos, ele não poderia ser sujeito à punição, pois esta é a execução da justiça, em resposta à transgressão da lei. Se o homem não tivesse infringido nada, mas fosse simplesmente um objeto passivo da atividade de Deus, ele não teria cometido mal algum, e, portanto, com base na justiça, não poderia ser punido ou condenado.

Em terceiro lugar, se o homem fosse unicamente passivo e Deus fosse o único agente ativo em seus movimentos e atos, todos eles – tanto naturais quanto os pecaminosos (longe de nós esta afirmação de que Deus cometeria iniquidade) – teriam sido cometidos por Deus e seriam, pois, atribuídos a Ele. Então seria Deus, e não o homem, quem estaria andando, falando, escrevendo ou lendo. Destarte, o homem não oraria nem teria fé, mas Deus estaria orando para Si mesmo e crendo em Si mesmo por meio de Jesus Cristo. O homem não seria culpado de forjar ídolos; o homem não usaria o nome de Deus em vão; não transgrediria o Sábado; o homem não desobedeceria aos seus pais; não seria culpado de ódio, ira, porfia com relação ao seu próximo, etc. Não odiaria a Deus, dado que seria apenas passivo e, assim, inativo. Tudo isto seria atribuído a Deus – o que seria a blasfêmia, em seu último grau. 

Em quarto lugar, as Escrituras claramente afirmam que o homem anda, vê, escuta, fala, crê e ora. Semelhantemente afirma que o ser humano peca e está sujeito, com justiça, à condenação. Não é necessário citar todos os textos que mencionam isso. Paulo observa: porque somos cooperadores de Deus (1Co 3:9). Tal verdade é ratificada também quando ele afirma: desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade (Fp 2:12-13). Deus é a causa eficiente desta atividade, mas o homem é a causa subjetiva dessa mesma obra (a salvação), produzindo essas atividades a partir do interior de si mesmo. Essas atividades devem, portanto, ser atribuídas ao homem de acordo com este princípio: O nome é atribuído à causa formal. 

Em Filipenses 2:12-13, o homem é exortado a ser ativo com relação à sua salvação, sendo convencido e incentivado com respeito ao seu dever. Entretanto, ele é simultaneamente instruído acerca de sua pecaminosidade e incapacidade espiritual, para que não venha a entreter nenhuma noção de bondade de sua vontade, nem ser encorajado a ser ativo na salvação pautando-se em sua própria força. Por outro lado, não deve ser desencorajado quando percebe sua fraqueza, pelo contrário, deve ser exortado pelo fato de que Deus o auxilia, sendo Ele o iniciador de sua (do homem) ação, trabalhando poderosamente nele para que tome posse desse poder e aja em virtude dele.

Objeção 1: Tal cooperação faz de Deus o autor do pecado?

Resposta: De modo nenhum! É preciso distinguir entre a atividade em si, tal como o entender, o desejar, o ver, escutar, falar, trabalhar e o contexto no qual essa atividade necessariamente se dá: isto é, a lei de Deus. A atividade em si mesma é natural e não é boa nem má; contudo, quando vista dentro do contexto da lei, de acordo com o qual deve ser julgada, na medida em que o sujeito, o tempo e o modo estão relacionados, essa atividade se torna boa ou má. Quando discutimos a cooperação de Deus, compreendo que ela se refere às dimensões naturais dessas atividades ou movimentos em si mesmos. Todavia, não é verdade no que se refere ao mau uso dessa atividade, à falta de conformidade com a lei, nem ao mal porventura realizado nela. Um indivíduo pode ser a causa de atividade em outra pessoa, mas não do mal que a acompanha. O governo é a causa do carrasco açoitar o prisioneiro, mas não é a causa do modo cruel com o qual o algoz aplica o castigo. Um músico é a causa da corda do instrumento produzir o som, mas não a dissonância, que procede da corda. Um condutor pode conduzir seu cavalo e assim avançar. Eis o nosso caso em questão. A atividade em si procede de Deus, mas o homem a corrompe devido à sua corrupção interna. Consequentemente, não é Deus – mas o homem – a causa do pecado.

Objeção 2: Essa cooperação inicial e definitiva de Deus não elimina a vontade humana?

Resposta: De modo nenhum! A liberdade da vontade não é uma liberdade da neutralidade; isto é, da indiferença quanto a realizar ou não algo, mas, sim, de consequência necessária, vindo à tona a partir da própria escolha, inclinação ou prazer do indivíduo em fazer ou não determinada coisa. A cooperação de Deus permite o homem ser ativo em harmonia com sua natureza, isto é, mediante o exercício de sua vontade. Há, pois, harmonia entre a cooperação de Deus e a vontade humana. Deus ativa a vontade, e o homem, então, a exerce.  



Autor: Wilhemus à Brakel
Fonte: The Christian’s Reasonable Service
Tradução: Fabrício Tavares
Divulgação: Reformados 21