Toda
a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para
a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja
perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. (2
Timóteo. 3.16-17)
Todo o conselho de Deus
concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação,
fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser
lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum,
nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens;
reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de
Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e que há
algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comum
às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da
natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da palavra, que
sempre devem ser observadas. (Confissão de Fé de
Westminster, capítulo 1.6)
O Juiz Supremo, pelo qual
todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas e por quem serão
examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos
escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o Juiz
Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser outro senão o Espírito
Santo falando na Escritura. (Confissão de Fé de Westminster, capítulo 1.10)
A pedra fundamental da Reforma
Protestante foi a doutrina do “Sola Scriptura” (Somente a Escritura). Os
Reformadores tomaram como base a verdade de que a Bíblia, e somente a Bíblia, é
a única revelação especial e redentiva de Deus, e, portanto, apenas a Escritura
é a única regra infalível para a fé, prática e vida cristãs. Isso estava em
contraste com a posição da Igreja Católica Romana, que ensinava que a Escritura
e a Tradição eram as fontes infalíveis da Revelação Divina especial. Como o Dr.
R.C. Sproul explica em seu excelente livro Grace Unknown: The Heart of
Reformed Theology [Graça Desconhecida: O Coração da Teologia Reformada]:
“O termo sola Scriptura
significa simplesmente “pela Escritura apenas”. Esse slogan declara a ideia de
que apenas a Bíblia possui a autoridade de cativar a consciência dos crentes”.
Ele continua dizendo: “Apesar de os Reformadores fazerem a distinção entre
revelação geral e revelação especial, eles insistiam na ideia de que há apenas
uma única fonte escrita da revelação especial, a Bíblia. Isso é o sola do sola
Scriptura. A razão principal da presença da palavra apenas é a convicção de que
a Bíblia é inspirada por Deus, enquanto os credos e pronunciamentos da igreja
são trabalhos de homens. Esses trabalhos inferiores podem ser acurados e
brilhantemente concebidos, capturando o melhor do conhecimento adquirido pelos eruditos,
mas eles não são a inspirada Palavra de Deus”.
Católicos Romanos e outros que
rejeitam o Sola Scriptura muitas vezes criticam a doutrina protestante
afirmando que ela leva a um desdenho em relação ao papel da igreja e de seus
concílios, e sustenta um posicionamento radicalmente individualista (“apenas
eu, minha Bíblia e o Espírito Santo em minha oração privada, distante da
igreja”) em relação à interpretação da Bíblia e à vida cristã. O criticismo
pode ter razão se visto em relação a algumas distorções históricas e
contemporâneas da doutrina do Sola Scriptura (por exemplo, o
individualismo radical, o antiautoritarismo e os desigrejados, encontrados com
bastante frequência no evangelicalismo contemporâneo). Mas isso não é verdade
em relação aos próprios Reformadores Protestantes, nem em relação às igrejas
protestantes historicamente ortodoxas. Nem Lutero, nem Calvino, nem outro
qualquer Reformador Protestante rejeitou a autoridade da igreja ou a validade
dos credos ou dos concílios das igrejas. Eles diriam que a postura “apenas eu e
minha Bíblia separados da igreja” em relação à Escritura e em relação à vida
cristã é um fanatismo perigoso. Mais do que isso, eles reconheciam que as
outras autoridades eram secundárias, e se sujeitavam ao julgamento e correção
pela única infalível regra de fé e prática, nominalmente, as Escrituras
inspiradas. Novamente, citando Sproul: “Protestantes reconhecem outras formas
de autoridade, como oficiais da igreja, magistrados civis e credos e confissões
da igreja. Mas eles enxergam essas autoridades como sendo derivadas e
subordinadas à autoridade de Deus. Nenhuma dessas autoridades menores são
absolutamente consideradas, porque todas elas são passíveis de erro. Apenas
Deus é infalível. Autoridades falíveis não podem guiar absolutamente a
consciência; esse direito é reservado para Deus e para Sua Palavra somente”.
Como eu espero que o leitor
esteja percebendo, a doutrina do Sola Scriptura é fundamental para a Ortodoxia
Protestante Histórica e é preciso que nós, Cristãos Protestantes históricos, a
confessemos e nela acreditemos. Essa doutrina fundamental vai de encontro a um
grande número de heresias e erros:
1. O Sola Scriptura condena o Romanismo e outras formas de “Escritura mais
Tradição”
Protestantes não são contra
tradições embasadas na bíblia, nem contra tradições legítimas que são
permitidas pelas Escrituras e que não são contrárias ao seu ensino. “Tradição”
em seu sentido legítimo é, simplesmente, “aquilo que é passado adiante”.
Tradições na igreja podem desempenhar um papel importante, porém secundário, a
medida em que elas não minem a autoridade ou as doutrinas da Sagrada Escritura,
e, consequentemente, nem todas as tradições devem ser condenadas. (Por exemplo,
muitas igrejas históricas protestantes procuraram passar a fé de geração em
geração usando métodos pedagógicos conhecidos como “catecismos”. Ensinar os
jovens e novos convertidos a memorizar os catecismos que são embasados na
bíblia e possuem sã doutrina é um exemplo de uma “tradição” protestante legítima,
a medida que esses catecismos não são vistos como sendo divinamente inspirados
ou em pé de igualdade com a Bíblia). Ao mesmo tempo, o Sola Scriptura
protestante combate a noção de que qualquer tradição humana (até mesmo
tradições eclesiásticas) são iguais à Divina Revelação ou são igualmente
autoritativas. Crenças e práticas que contradizem a Bíblia devem ser rejeitadas
e combatidas, mesmo se elas gozam de um “pedigree de tradição”.
2. O Sola Scriptura condena a vertente Carismática e outras formas de Misticismo
A histórica doutrina
protestante do Sola Scriptura afirma a suficiência das Escrituras. Deus revelou
Sua Palavra final em Jesus Cristo (Hebreus 1.1-2), e a igreja é fundamentada
nos ensinamentos dos apóstolos e dos profetas (Efésios 2.20). A Palavra de
Cristo e de Seus inspirados profetas e apóstolos da nova aliança é encontrada
no cânon completo do Novo Testamento, no qual nada será adicionado sob o
pretexto de “novas revelações do Espírito”. O último livro do Novo Testamento
(o Apocalipse de João) anuncia uma solene maldição e aviso contra qualquer um
que fosse retirar ou adicionar algo à Palavra de Deus (Apocalipse 22.18-19). A
noção fanática e herética, comum em círculos pentecostais e carismáticos, de
que Deus continua a conceder-nos novas revelações do Espírito é diretamente
contrária a verdade do Sola Scriptura, e, portanto, é anti-protestante. Deus já
falou Sua Palavra final. O cânon da Escritura está completo. Novas revelações
cessaram. Nas palavras de um excelente hino: “Que firme alicerce, ó santos do
Senhor, é firmado para sua fé em Sua excelente Palavra. O que mais Ele pode
dizer além daquilo que Ele já disse?”
Alguns podem levantar uma
objeção à essa implicação do Sola Scriptura dizendo: “Mas isso significa que
Deus não mais fala conosco?”. Não, nós afirmamos que Deus continua a falar. Mas
Ele fala por meio daquilo que Ele já falou (a saber, Sua infalível, inerrante,
autoritativa Palavra, a Bíblia)! Nós também reconhecemos, como as Escrituras
ensinam, que a iluminação do Espírito Santo é necessária para nos dar o
entendimento salvífico das coisas que são reveladas na Palavra. Mas quando
cristãos falam como se eles tivessem um canal de comunicação direto para Deus
(“O Senhor me disse…”, “O Senhor falou ao meu coração…”, etc.), eles estão se desviando
do Sola Scriptura e se dirigindo para o perigoso território do fanatismo
carismático místico. O Espírito verdadeiramente fala conosco; mas Ele fala em e
por meio da Palavra escrita de Deus (corretamente interpretada e
propriamente aplicada), a medida que o Espírito ilumina nossas mentes para o
entendimento e compreensão da Palavra.
3. O Sola Scriptura condena o Experimentalismo e o Hiper-Subjetivismo
A Teologia Modernista e
Neo-ortodoxa frequentemente fala sobre ter uma “experiência do Cristo ressurreto”
ou de ter um “encontro pessoal com Deus”. Ironicamente, esse tipo de sutil e
enganosa linguagem ambígua é, algumas vezes, utilizada pelos heréticos que
rejeitam a real e histórica ressurreição do nosso Senhor Jesus Cristo, e que
veem a “ressurreição” de Jesus como algo que aconteceu dentro da consciência
subjetiva dos discípulos – a “experiência da Páscoa” – ao invés de um evento
histórico, real e literal que aconteceu ao corpo de Jesus no espaço-tempo
histórico real, aproximadamente 2000 anos atrás. Como um compositor de hinos
escreveu uma vez: “Ele vive! Ele vive! Jesus Cristo vive hoje! Ele anda comigo
e fala comigo durante o estreito caminho da vida. Ele vive! Ele vive! Salvação
para transmitir. Você me pergunta como eu sei que Ele vive? Ele vive dentro do
meu coração!”. Essa bobagem é pura bobagem subjetiva. Nós sabemos que nosso
Senhor Jesus Cristo vive, não porque Ele vive dentro de nossos corações (apesar
de, se somos salvos, ele realmente habita em nós pelo Seu Espírito Santo); mas
porque nós temos o inspirado e histórico relato do evento de sua ressurreição
escrito no Evangelho que é a infalível Palavra de Deus!
Protestantes históricos
reconhecem que realmente há um lugar legítimo para a experiência religiosa na
vida cristã. Por exemplo, arrependimento pessoal do pecado e fé salvífica no
Senhor Jesus Cristo podem envolver experiências emocionais (apesar de nem toda
experiência de conversão envolver uma crise arrasadora na vida do crente;
algumas vezes a conversão é gradual e relativamente “sem eventos” em nível
emocional). Mas nossa fé não é baseada em sentimentos subjetivos ou
experiências emocionais. Nossa fé cristã é baseada na realidade objetiva, sobre
as intervenções objetivas, externas a nós e supernaturais de Deus na história
para a salvação do Seu povo, como está registrado para nós na infalível
Escritura (Sola Scriptura). A teologia moderna/liberal clássica atribui a
autoridade religiosa última à experiência pessoal e eclesiástica (igreja), e,
nesse aspecto, é muito similar ao misticismo. Por outro lado, a ortodoxia
protestante histórica atribui a autoridade religiosa última à infalível
Escritura apenas, e reconhece que a experiência religiosa é apenas uma
autoridade secundária e derivada.
4. O Sola Scriptura condena todas as formas de Racionalismo
Protestantes históricos não
são contra a “razão” ou contra o pensamento racional. Nós, de todo o coração,
afirmamos a importância das leis da lógica (como a lei da não-contradição), e
reconhecemos a importância de amar o Senhor nosso Deus não apenas com o coração,
alma e querer, mas também com nossa mente. Ao mesmo tempo, nós reconhecemos que
nossa capacidade racional é distorcida e embaçada pelos efeitos do pecado sobre
nossas mentes (o que os teólogos chamam de “efeitos noutéticos do pecado”). A
queda de toda a humanidade em Adão impactou radicalmente nossas mentes, e,
portanto, a razão humana não pode servir como a autoridade religiosa última na
igreja. Ao invés, devemos confiar ultimamente na Revelação Divina. Divina
Revelação Especial (Redentiva) é dada a nós em um lugar e ali apenas – na
Bíblia, Palavra infalível de Deus.
5. O Sola Scriptura se opõe ao conformismo da Fé às Tendências Culturais
A Palavra de Deus nunca muda
porque o Deus que a inspirou nunca muda. A verdade de Deus não é historicamente
relativa, e Sua lei moral continua a mesma durante todas as gerações. Certo e
errado, bem e mal, verdade e erro, são fixos, realidade imutáveis, não importa
se as gerações ou as tendências culturais dessa era digam o oposto. Isso
significa que os protestantes históricos que aderem ao Sola Scriptura não vão
ceder ou atender às tendências culturais que vão contra ou contradizem os
claros ensinamento da Bíblia. Enquanto protestantes consistentes e
confessionais buscarem comunicar o evangelho de maneira culturalmente relevante
(uma que não crie barreiras desnecessárias a atenção dispensada pelos
descrentes); ao mesmo tempo, protestantes históricos deixarão as Escrituras,
não a cultura, determinar sua fé, ética, culto e prática.
Por exemplo, a Bíblia
claramente condena o homossexualismo como um pecado sério (por exemplo, em
Romanos 1.24-27); portanto, uma igreja verdadeiramente protestante (uma que
adere ao Sola Scriptura) vai continuar ensinando a ética sexual presente na
Bíblia, apoiando a virtude da pureza sexual, e, consequentemente, se opondo à
legitimização do homossexualismo (enquanto que, ao mesmo tempo, procura trazer
as boas novas de perdão e nova vida em Cristo para aqueles que são escravos do
pecado da homossexualidade e atração pelo mesmo sexo). A Bíblia, enquanto
afirma a completa igualdade espiritual entre homens e mulheres perante Deus e
na igreja (Gálatas 3.28), claramente barra a mulher de exercer o ofício
ordenado de ministro da Palavra (não porque a Bíblia é “sexista”, mas por causa
da ordem criacional dada por Deus para homens e mulheres; veja 1 Timóteo
2.11-15). Portanto, a verdadeira igreja protestante que subscreve o Sola
Scriptura irá restringir a ordenação desse ofício apenas aos homens, mesmo
diante da pressão cultural feminista de abrir toda e qualquer vocação às
mulheres. Na nossa sociedade pós-moderna, pluralista e relativista, há uma
grande pressão para se adotar a heresia pluralista que diz que existem muitos
caminhos para a salvação. Porém, uma igreja verdadeiramente protestante
continuará a confessar e proclamar que Jesus Cristo é o único caminho para a
salvação, porque o próprio Cristo ensinou isso sobre ele mesmo (João 14.6), e a
doutrina apostólica apoia isso como uma verdade essencial do evangelho (Atos
4.12). Muitos outros exemplos poderiam ser dados.
Tradição. Experiência. Razão.
Cultura. Todas essas coisas podem ter valor e podem servir como autoridades
secundárias para o cristão e para a igreja (desde que não haja contradição com
as escrituras). Porém, somente a Bíblia é a Palavra de Deus, e, portanto é a
única regra infalível para a fé e prática do cristão. Essa é a fundação de
nossa fé ortodoxa protestante. Querido leitor, eu espero que a Palavra de Deus
seja a fundação sobre a qual você está construindo sua fé e vida.
Autor: Geoffrey Willour
Tradução: Fernanda Vilela
Via: Reforma 21