2 de março de 2016

Igreja em células: uma ameaça à eclesiologia reformada e ao pastorado apostólico (1/3)


O MÉTODO HUMANISTA PARA FORMAR UMA “IGREJA” FRAGMENTADA, SECULARIZADA, SEM DOUTRINA E SEM PASTOR

O método secular de células para formar mega igrejas foi o método que deu a Paul Young Cho o título de pastor da maior igreja do mundo. Com o termo igreja, aqui, entende-se aquilo que Cho deu à luz, e não propriamente o que se tem entendido historicamente com a igreja do modelo neotestamentário.

Seguindo Cho, vários outros líderes carismáticos também fizeram aquisição de títulos de pastores das maiores igrejas do mundo. É evidente que a linguagem de maiores igrejas do mundo tem um sabor de arrogância e pretensão humana de poder e glória.

É possível um presbiteriano adotar o método de Cho e ainda assim continuar fiel ao presbiterianismo reformado? A resposta é: não! Vejamos as razões:

1) O movimento das células carece de fundamento bíblico para seu modelo eclesiológico

REDE DE CÉLULAS: UMA ESTRUTURA DESCONHECIDA DOS APÓSTOLOS E DA IGREJA PRIMITIVA

O movimento da igreja em células, com toda a sua estrutura bem articulada e planejada, consiste de um artifício moderno que nunca passou pela cabeça dos apóstolos. O método de evangelização proposto por esse movimento também é totalmente estranho à evangelização apostólica. Nos livros dos proponentes do movimento, nada encontramos ali de significativo que prove a originalidade apostólica do movimento das células. Os textos mais comuns usados pelo movimento são At 2.46 e At 5.42.

Ainda que Paulo e os demais apóstolos esporadicamente tivessem usado reuniões em lares, o método apostólico que fez a igreja se multiplicar estrondosamente no primeiro século foi unicamente a pregação da Palavra no templo e na sinagoga para grandes concentrações, e não reuniões em lares (At 3.1,11; 5.12,20,21; 9.2,20; 11.26;  13.5,14,15,16; 13.42,43;  14.1;  17.1,4;  18.4,19,26;  19.8;  19.9; 19.31). Como o evangelho é poder (Rm 1.16; 1Co 1:18,24; 2.4), ele não precisa de acomodações de locais e nem de circunstâncias, nem de persuasão, pois é poderoso para salvar os pecadores onde eles estiverem e como estiverem. Os apóstolos tinham essa visão (1Ts 2.5), e por isso preferiam grandes conglomerados de gente para a pregação do evangelho. O evangelho da igreja em células só funciona nas células porque é comprometido com a bajulação de pecadores e persuasão de sabedoria humana; essa é razão porque eles menosprezam o templo e os grandes conglomerados de gente. Possivelmente o evangelho das células não tem poder para converter pecadores no meio das multidões. O método da bajulação e persuasão é muito mais eficaz em pequenos grupos, corpo a corpo, ou pessoalmente, porque só dessa maneira acontecem os laços sociais que prendem seus fiéis muito mais rápido do que a verdadeira conversão pelo poder da Palavra.

Durante os dias apostólicos havia a necessidade das credenciais apostólicas serem vivenciadas pelo maior número de pessoas que representassem nações e cidades; este era o instrumento do primeiro século para expandir o evangelho por todas as partes do mundo em pouco tempo. É por essa razão que o Pentecostes ocorreu em Jerusalém, bem como essa cidade tornou-se o centro do Cristianismo para o mundo; as multidões convergiam para Jerusalém. Depois das pregações apostólicas em mega reuniões (o que nunca poderia ter ocorrido em lares) acompanhadas por suas credenciais, cada pessoa voltava para seu país de origem com a mensagem do evangelho. Mais tarde, quando os apóstolos chegam a esses lugares, já existe uma base evangélica de poucos cristãos que tiveram contato com a mensagem apostólica. Isso nunca seria possível se o método de evangelização fosse igreja em células.

Pelos dados bíblicos do Novo Testamento, o crescimento espantoso da igreja primitiva nos dias apostólicos se deu exclusivamente pela pregação pública a grandes auditórios, e não em pequeninas reuniões domésticas providas de articulações pré-definidas e modelos enformados. Além do mais, o método apostólico de evangelização pela pregação da Palavra era muito distinto do que o movimento das células propõe. O método apostólico continha apenas a pregação, e nada mais. No Novo Testamento nunca se ouve falar do método “quebra-gelo” antes da pregação de Pedro, nem do método de se tomar refrescos depois da pregação de Paulo, nem tampouco se ouve falar no livro de Atos que os apóstolos fizeram reuniões em lares que consistiam de uma mistura de lazer somado a uma caricatura de culto com participação de pagãos.

O cristianismo primitivo foi incendiado em seus primeiros dias pela simples pregação da Palavra no templo, e depois, continuamente, nas sinagogas. Esse era o método apostólico de evangelização.

Os livros dos defensores da igreja em células não contêm nenhuma teologia desse movimento dos dias da antiguidade apostólica. Há muito tempo tenho procurado em livros e na internet a base bíblica para o movimento, e até agora os autores da tese não têm se preocupado muito com isso. Os livros de Comiskey e Neighbour (proponentes do movimento), consistem de manuais estratégicos, sendo raro o uso das Escrituras, e quando acontece, o autor emprega hermenêutica duvidosa. Neighbour usa textos bíblicos apenas para referendar as células sem nenhuma análise.

As páginas do Novo Testamento falam de um grande grupo que sempre está junto (At 2:44) e que cresce assombrosamente. E que os evangelistas sempre falam para grandes grupos, os quais se multiplicam logo após a mensagem. Dizer que essa multiplicação ocorria em células é pura conjectura.

Em Atos 6.1-7, a razão para a instituição dos diáconos era por causa da multiplicação da igreja e da sua vida em um grande grupo. Se essa igreja tivesse sido administrada em pequenos grupos ninguém teria sido esquecido na distribuição diária. Para justificar esse número, em nenhum lugar nas Escrituras comenta-se que esse grande grupo era administrado por meio de pequenos grupos. Uma análise cuidadosa nos textos acima apresentados demonstra que a igreja primitiva ainda era muito vulnerável à perseguição, e que era muito importante a unidade da grande multidão por causa das necessidades. Fragmentar-se naqueles dias implicaria em risco de heresias e incorreria em muitos prejuízos para a igreja. Além do mais, a igreja que estava nascendo, precisava estar perto dos apóstolos todo tempo.

O Novo Testamento usa apenas o termo igreja para definir um grande grupo, e só reconhece apóstolos e presbíteros como pastores sobre ela (At 14.23; 20.28), mas nada é revelado sobre uma possível rede de micro igrejas ou células dirigidas por mini pastores. Se o método da igreja em células tivesse sido o método apostólico, de tanta importância para o crescimento da igreja, e se de fato fosse a vontade de Deus para a evangelização do mundo, por que então nada foi escrito ou citado pelos apóstolos e presbíteros nos dias da igreja primitiva ou, posteriormente, referendado nas epístolas às igrejas? 

Se o método das células não foi utilizado pelos apóstolos e nem ensinado por eles, logo, o método da igreja em células não pode se tornar um princípio imutável (ou axioma) da evangelização, não sendo, portanto, um princípio divino, e sim, mais um movimento de tonalidade humana, temporal, sujeito à adaptação social e geográfica. Essa é a razão porque o movimento não dá certo em qualquer lugar. É o que veremos mais adiante.

O CONTRA SENSO DOS PEQUENOS GRUPOS  

O movimento de igreja em células nada mais é do que um modelo secular de gerenciamento de empresas e de megaigrejas.  

A ideia de uma eclesiologia de pequenos grupos defendida pelo movimento das igrejas em células é falsa. Na verdade, o que o movimento defende é a eclesiologia da MEGA IGREJA dirigida por uma única figura carismática. A estrutura eclesiástica defendida pelo movimento é para comportar uma megaigreja por meio de pequenos grupos. Todos os líderes de igreja em célula têm o sonho de ser chamado pastor da maior igreja. A ideia por trás dos pequenos grupos debaixo de um líder leigo é o imenso grupo debaixo de um líder carismático que se sobrepõe a todos. 

2)  O movimento  das  células  é  montado  em  cima de  conceitos pentecostais, e isso é o que motiva 90% da sua estrutura

Muitos pastores que querem implantar as células em suas igrejas, sem contrair o estigma negativo do movimento G12, têm afirmado que o movimento de igreja em células nada tem a ver com o G12. Os que fazem tal afirmação estão mentindo e enganando a igreja. Os movimentos de igreja em célula e G12 compartilham dos mesmos princípios e filosofia secularizadoras de criação das megaigrejas. Vejamos o que diz Joel Comiskey, um dos papas do movimento:

A implantação de células sempre existiu na igreja em células. Agora ela está na dianteira do pensamento em células, muito em virtude da influência da Missão Carismática Internacional, em Bogotá, na Colômbia. Se alguém quer estar na crista da onda na compreensão do ministério em células, é essencial entender a MCI e o “Modelo dos grupos de 12”. (Crescimento explosivo da Igreja, p.105, segunda edição, 2002)

Essa afirmação de Comiskey desmente muitos pastores que estão passando uma falsa identidade do método de igreja em célula. A igreja em células, na verdade, começou no movimento pentecostal, com Paul Young Cho, e chamava-se grupos familiares. Conheci este trabalho quando ainda era divulgado apenas pelas Assembleias de Deus.

César Castellanos, o fundador do movimento G12, é reconhecido internacionalmente como o responsável pela expansão do movimento em células em toda América latina. A única diferença entre G12 e igreja em células é apenas o número 12. As células de César Castellanos contêm apenas 12 pessoas, e seus pastores supervisores jurisdicionam apenas 12 líderes, e assim sucessivamente.

Qual a importância de se saber que G12 e igreja em células compartilham da mesma natureza? É que se os dois movimentos compartilham a mesma natureza, então derivam da mesma fonte.

A natureza pentecostal do movimento pode ser percebida tanto nas reuniões quanto nos escritos dos seus defensores. Comiskey afirma que Deus mostrou a Castellanos que o número dos convertidos que ele iria pastorear era maior que as estrelas do céu e os grãos de areia do mar, e que Castellanos recebeu uma visão de Deus para criar o sistema das células baseado nos 12 discipulos de Jesus (Crescimento Explosivo, p. 105, 106).

Não apenas Castellanos com o G12, mas o próprio Comiskey imita Castellanos, dizendo que Deus começou a falar com ele, dizendo-lhe que ele tinha de começar um ministério em células (Crescimento Explosivo, p. 12).

Essas ideias supersticiosas de revelação tem feito o movimento se popularizar muito no meio pentecostal. Mesmo as igrejas históricas que se envolveram com o movimento já tinham simpatia pelo pentecostalismo ou  tendências pentecostais, e o massivo número de pastores que lideram o movimento de igreja em células é pentecostal ou simpatizante.

O pentecostalismo do movimento também está nas reuniões de células, as quais são estruturadas com predefinições pentecostais. Comiskey  denomina de a reunião das células de uma aventura liderada pelo Espírito (Crescimento Explosivo, p.28).

É possível ouvir de alguns líderes do movimento que, se não houver uma pitada de pentecostalismo nas reuniões de células, o trabalho tende a morrer.

A Confissão de Fé e o Manual de liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil, bem como seu  mais novo documento sobre o assunto (Carta Pastoral), proíbem qualquer visão pentecostal no seio da igreja. Os pastores envolvidos no movimento com tendências pentecostais devem ser exortados pelos seus concílios a abandonarem a prática pentecostal.

3) O movimento é fundamentado em cima do pragmatismo e secularismo humano, nos quais o “sucesso” e o fracasso das células é atribuído à habilidade humana

CÉLULAS BEM SUCEDIDAS OU FRACASSADAS: UMA ARTE OU FALTA DE HABILIDADE HUMANA

No livro de Atos, podemos perceber que a evangelização era o verdadeiro poder de Deus convertendo multidões. Os apóstolos não tinham nenhum programa artificioso para prender a atenção ou causar interesse nas pessoas por suas mensagens. Eles apenas procuravam lugares onde o povo se encontrava em grande número, pregavam a Palavra e o Espírito de Deus se encarregava da segunda parte.

O programa das células não é diferente do movimento de crescimento de igreja de Peter Wagner e MacGravan. A maioria dos proponentes desse tipo de movimento tem uma origem comum: o seminário de Fuller. A visão desses novos pragmatas é a ênfase exagerada no método e na estratégia humana, em detrimento da soberania e do poder de Deus.

Comiskey referenda seu ponto de vista utilizando-se da afirmação de Macgravan:

Com relação aos métodos, somos agressivamente pragmáticos – doutrina é algo completamente diferente.

Não poderia ser diferente. Este é o mesmo pensamento de Peter Wagner quanto à famosa teoria das macieiras maduras. O movimento de igreja em células copia o mesmo princípio de Wagner e MacGravan, pois o tempo da frutificação das células é determinado por eles.

Os proponentes da igreja em células determinam o tempo dos frutos de sua pregação, quando estabelecem o tempo para a multiplicação dessas células e até a data de seu fechamento ou reestruturação. Vejamos o que diz Neighbour:

A experiência de longos anos com grupos constatou que eles estagnam depois de um certo período. Durante os primeiros seis meses as pessoas atraem-se mutuamente; passado esse tempo elas tendem a se tolerar. Por essa razão, deve-se esperar que cada grupo de pastoreio seja multiplicado naturalmente após seis meses, ou que seja reestruturado. (Ralph Neighbour- Manual do Líder de Célula, p.113)

Com essa afirmação, Neighbour deixa claro que as células são um método humano, altamente manipulável para produzir frutos, sujeito a toda coloração social temporal, e consequentemente pragmático. Nessa visão, o Espírito de Deus não opera o que quer, quando quer e onde quer, nem o evangelho é considerado poder. O movimento das células está totalmente desprovido da visão soberana de Deus na evangelização, (leia Mt 13:11,12). Eles abrem e fecham células dependendo do tempo que determinam para o sucesso e o fracasso delas. O tempo de vida das células não é o tempo de Deus, e sim o tempo que os seus líderes determinam. Dessa forma, o evangelho não seria poder, mas sim filosofia, pois os homens podem manipular e determinar sua atuação e eficácia.

Um outro aspecto que denuncia a igreja em células como um movimento desprovido da visão divina do evangelho é que atribui-se o sucesso ou o fracasso dessas  células aos  líderes  e suas  estratégias. Vejamos:

Se os líderes das células fracassam no alcance de seus objetivos, Cho os envia ao retiro da montanha de Oração da igreja para jejuar e orar. Os líderes de células e os auxiliares que conduziram suas células à multiplicação devem ser valorizados e elogiados em público diante de toda a igreja. (Crescimento Explosivo, pp.25, 97)

Com essa citação, fica muito claro que a visão pragmatista da igreja em células atribui o êxito ou fracasso às pessoas que as lideram. Isto está de acordo com o sistema deles, pois, se as células dependem de uma metodologia puramente humana, logo os resultados serão resultados de autoria humana. Essa é a razão pela qual o crescimento das igrejas em células está sempre relacionado aos nomes de seus pastores, e porque eles cultivam os elogios a si próprios diante da igreja. A igreja em células é um instrumento de auto promoção e glória humana.  

Mais interessante ainda é a visão dos dois tipos de incrédulos que Neighbour apresenta em seu livro Manual do Líder de Célula. Os incrédulos do tipo A são pessoas que estão prestes a aceitar a Cristo. Os jovens podem ganhar estes para Cristo. Quando eles não se tornam cristãos, é porque alguém não explicou ainda como aceitar a Cristo. Os incrédulos do tipo B são os mais resistentes, que não querem estudos bíblicos nem se interessam por qualquer atividade cristã. Esses só podem ser alcançados por adultos maduros, e pode levar meses para que consigam isso. Para alcanças tal objetivo, eles precisam montar um grupo de amizade ou de interesse para reunirem-se semanalmente com esses incrédulos para tratarem de assuntos não religiosos. Enquanto isso, devem observar o grau de interesse desses incrédulos por coisas espirituais. (Manual do Líder de Célula, p. 39,41).

Em toda a literatura do movimento da igreja em células, a linguagem e a ênfase sobre salvação ou conversão nunca é em tom de uma visitação especial de Deus, e sim em tom de uma atividade humana em adaptar pessoas pagãs a um estilo de vida cristã por meio de métodos e estratégias manipuláveis. Com isso em mente, eles estipulam tipos e classes de incrédulos, os métodos mais específicos para cada classe, os tipos de evangelizadores que surtirão mais efeitos com determinadas classes, o tempo e o número estimado para as conversões. Tudo isso é organizado por meio de volumosos manuais, gráficos, tabelas, cálculos, pesquisas e muito, muito método e estratégia. Os livros de Neighbour são volumosos, intermináveis e cansativas receitas de como multiplicar células e fabricar “crentes” em série.

Nada dos métodos da igreja em células foi citado ou empregado pelo cristianismo apostólico. A evangelização apostólica era uma verdadeira visitação do poder salvador de Deus. O evangelho era tido como poder de Deus, e a salvação de pecadores era de sua exclusiva autoria. Os pecadores não passavam meses sendo convencidos ou sendo atraídos por algo de seu interesse em grupos cristãos. Ninguém recebia glórias nem elogios pela salvação de alguém. Os apóstolos não tinham um método nem uma mensagem para cada tipo de pessoa. Os pecadores não eram tratados por classes ou tipos, e sim pelo estado de desobediência ao evangelho. A mensagem do evangelho não era travestida, nem camuflada para atrair pessoas nem tampouco os apóstolos estiveram envolvidos em grupo de amizades para tentar convencer pecadores pela simpatia sem ofendê-los. O evangelho apostólico sempre foi ofensivo desde os dias de Jesus, (Leia João 6), e sempre foi poder. Estava implícito na mensagem o poder para mudar os corações daqueles a quem Deus deu a conhecer os mistérios do reino (Mt 13:12,13). Ninguém era convencido do evangelho por se sentir bem num quebra gelo de um grupo social, nem porque recebia atenção ou tinha necessidades sociais supridas. Tudo isso é fruto de articulações humanas para distrair pecadores com um evangelho que não ofende ninguém, e mantê-los agrupados socialmente num ambiente de pessoas moralmente dignas. Nicodemos foi encontrado numa situação semelhante, porém Jesus disse-lhe que ainda faltava-lhe nascer de novo.

A constante avaliação social do grupo, a incessante mudança de estratégias, e a incansável manipulação do grupo para produzir frutos, a incansável ênfase e iniciativa de criação de métodos deixam claro que a igreja em células é um sistema humano empresarial do mundo capitalista moderno para gerenciar um mega grupo de religiosos.

4) A  Bíblia  é  descentralizada,  e  há  uma  ênfase  muito  grande  no método e nas estratégias

A ênfase exagerada nos métodos e nas estratégias tem estigmatizado o movimento das igrejas em células como uma visão secularizadora e humana sobre a igreja e o reino de Deus. Nunca poderíamos esperar de uma abordagem humanista uma apreciação das Escrituras.

O movimento das células levanta-se criticando o modelo histórico de igrejas, chamando-o de igreja convencional. Declaram completa aversão ao dia do Senhor, escola dominical e toda espécie de trabalhos eclesiásticos herdados com a reforma protestante. Vejamos o que diz Comiskey:

Cheio de entusiasmo comprei o livro de Cho Células Bem-sucedidas e comecei a ensinar líderes chave em minha igreja. O  entusiasmo  durou  por  algum  tempo  e  demos  início  a quatro células. Mas depois que introduzimos o culto dominical, perdi o controle do meu enfoque nos pequenos grupos. Os afazeres da igreja esgotaram as minhas forças. No entanto, nunca perdi a visão e o entusiasmo para o que uma igreja poderia vir a ser por meio do ministério de pequenos grupos. Planejamos atividades de escola dominical, classes de novos convertidos e programas de visitação, todos com pouco sucesso. (Crescimento Explosivo, p. 11)

A maneira como Comiskey tenta destruir o modelo tradicional de igreja é desonesta, pois ele usa uma experiência própria mal contada para servir de paradigma da verdade. Esse é o método pentecostal de se estabelecer a “verdade”.

Na visão da igreja em células, o culto dominical, a escola dominical, a visitação e a classe de novos convertidos atrapalham o crescimento da igreja. Esse antigo modelo de trabalho eclesiástico é chamado de “o velho paradigma da pesca de vara”, que deve ser trocado se o mega crescimento da igreja é almejado.

O velho paradigma da “pesca com vara” está sendo trocado por equipes de crentes que entraram na parceria (comunidade) com o propósito de evangelizar almas em conjunto. Jesus usou a parceria da pesca com rede para ilustrar o maior princípio de evangelismo: nossa produtividade é muito maior quando trabalhamos em conjunto do que sozinhos (Crescimento Explosivo, p. 81).

Como o movimento das igrejas em células vem para trocar todos os velhos paradigmas da igreja “convencional”, a visão de Palavra de Deus, conseqüentemente, também deverá ser mudada.

A igreja em células é uma igreja que não se dedica ao estudo da Palavra. Os obreiros dessa nova modalidade de igreja consideram uma perda de tempo o estudo das Escrituras. Acham que doutrina e evangelização devem seguir separadamente, e uma coisa não precisa da outra.

Qual a razão desta perspectiva para com as Escrituras Sagradas? A verdade é que a própria dinâmica da igreja em células não foi criada a partir do estudo das Escrituras, pois não se encontra lá. Sendo assim, não haverá muita motivação ou apego para com a doutrina, pois o que vale é o pragmatismo. Qual é, pois, a origem da dinâmica da igreja em células? Vejamos a resposta de Comiskey:

Das minhas experiências pessoais e por meio da pesquisa tenho descoberto princípios de dinâmica e sugestões práticas para compartilhar com outros que têm a visão de alcançar o mundo por meio de igrejas em células. (Crescimento Explosivo, p. 13)

Qualquer análise feita nos princípios e na dinâmica da igreja em células revelará que o novo paradigma que veio para substituir o antigo da “pesca de vara” não se origina na Palavra de Deus. Todo o modelo da igreja em célula é pura sugestão advinda das experiências humanas. Muitos afirmam ter recebido revelações sobre o novo paradigma, bem como outras experiências. Se sua origem é humana, logo a natureza humana sempre será em primeiro lugar; se a dinâmica da igreja é encontrada na experiência humana, para que a igreja em célula precisaria da Palavra de Deus?

Os manuais de implantação e liderança da igreja em células são o produto da formatação de modelos de interação e vivência social já conhecidos e experimentados em muitas áreas de humanismo, adaptados para o grupo religioso; usam textos sagrados apenas ilustrativamente. É impossível encontrar qualquer texto bíblico contendo os princípios ensinados por Comiskey e Neighbour. Quando muito, utilizam-se de princípios bíblicos muito gerais, os quais não dão sequer uma mera pista de um paradigma de igreja em célula nem referendam suas sugestões pragmatistas. Se o movimento nasce e mantém-se sem a Palavra de Deus, logo, nunca haverá aquela ênfase na Palavra, como há nas igrejas reformadas. Essa é razão por que a igreja em células é uma igreja de baixíssimo apego às Escrituras Sagradas.

A fragmentação e o descaso com a preparação teológica da liderança da liderança da igreja são reflexos da falta de centralidade das Escrituras na vida da igreja. Há uma mentalidade no movimento, que ofusca o interesse pela Palavra e avulta a ênfase no método. Nas reuniões de células, dedica-se muito tempo à parte social, e os líderes estão muito preocupados com a impressão que vão causar nos visitantes.

Toda a reunião é estrategicamente preparada com vistas ao “método”, e não à Palavra. Nessas reuniões, a ênfase não é conhecer a Palavra, mas proporcionar a experiência. As ideias de mestres, professores, conhecimentos, doutrina, informações, tudo isso é retirado da igreja em células e substituído por experiência:

A célula é aquele lugar em que se dá apoio espiritual e emocional a cada membro. Ali a pessoa contribui com seu envolvimento pessoal, não com os seus conhecimentos e informações. Para que cada pessoa se anime a fazer isso, é preciso que haja um ambiente de estima, aceitação e apoio. (Manual de líder de Célula, Ralph Neighbour, p. 173)

Com essa afirmação, Neighbour ensina ao seu movimento o total descompromisso com o conhecimento da Palavra. Essas reuniões não estão fundamentadas em cima do conhecimento da Palavra de Deus, mas em simplórias conversas sobre suas “experiências cristãs” do dia-a- dia e como elas entendem determinado tema.

A coisa mais estranha nesse modelo eclesiástico é que as pessoas, nas reuniões das células, são estimuladas a falar sobre a Palavra de Deus sem conhecimento e sem informação. Pergunto: Qual a natureza de uma reunião sem o conhecimento da Palavra de Deus? Puramente humana. Com uma roupagem de reunião bíblica, as células são reuniões de acomodação psíquica e social. Veja que Neighbour enfatiza demais o ambiente de estima, apoio e aceitação nas células.

Vejamos outra razão por qual a Bíblia não é o centro das reuniões de uma igreja em célula:

ESTÁGIO: EDIFICAÇÃO

O foco se move agora para as necessidades das pessoas presentes. A Bíblia será usada nesse momento; ela é a ferramenta, e não o ponto central.” (Manual do Auxiliar de Célula,  p. 40, Ministério Igreja em Células, Curitiba, PR, edição IV, 2002)

O Foco da reunião da célula é a necessidade humana, e não a glória de Deus. É evidente que, onde a ênfase está na necessidade humana, a Bíblia nunca terá lugar de destaque. Ela, como tantas outras, constitui uma das ferramentas para suprir as necessidades humanas.

Uma afirmação contraditória de Comiskey revela que as reuniões de células não são reuniões comprometidas com a Palavra de Deus:

O encontro da célula não é um estudo bíblico, mas a Palavra de Deus tem um lugar central. (Crescimento explosivo da igreja, p. 58)

Como pode uma reunião não caracterizada pelo estudo da Bíblia ter a Palavra de Deus como centro? A verdade é que a reunião de célula também usa As Escrituras, mas ela nunca foi o centro da reunião das células. É claro que Comiskey faz essa afirmação contraditória apenas para não chocar as denominações mais tradicionais.

Nas reuniões de células, o termo edificação é usado como sinônimo de necessidades supridas, e nunca aperfeiçoamento na Palavra.

As células são grupos pequenos abertos focalizados no evangelismo que estão embutidos na vida da igreja. Elas se reúnem semanalmente para que os seus participantes se edifiquem uns aos outros como membros do corpo de Cristo, e para anunciar o evangelho àqueles que não conhecem a Jesus. (Crescimento explosivo da igreja em células, p. 17)

Nessa citação, podemos perceber que, edificação, na mentalidade da igreja em células, é uma ideia muito simplória de relação com a Palavra. Crentes que edificam crentes quando todos estão no mesmo patamar de maturidade parece ser absurdo. Somos edificados por aqueles que têm mais maturidade do que nós, e nunca por quem compartilha da mesma infância nossa na Palavra. Mesmo porque, dentro do movimento, os líderes não são incentivados a ensinar nem a serem mestres, e sim, “facilitadores”. Sendo assim, já é previsto que, não só a Palavra, mas muitos outros elementos das reuniões de células promovem tal edificação. Essa é uma das razões porque a Bíblia não é o centro do movimento.

Em nenhum lugar nas Escrituras encontramos a idria de edificação voltada para necessidades humanas. Edificação sempre está voltada para aperfeiçoamento no conhecimento de Cristo. O conhecimento é a palavra chave para edificação (Ef 4). 

Autor: Moisés Bezerril
Fonte: Monergismo