VARIEDADE
DE LÍNGUAS
(gene
glossôn)
E
a outro a variedade de línguas.
Nos versos 10 e 28, o nome do
dom é “variedade de línguas” (genê – espécies, variedade, gêneros). O termo variedade aponta para uma ideia de
distinção. As línguas eram distintas porque eram idiomas falados que podiam ser
diferenciados.
AS LÍNGUAS NEOTESTAMENTÁRIAS
ERAM REVELACIONAIS E ESTAVAM RELACIONADAS COM O PROCESSO DE ESCRITURAÇÃO DA
DOUTRINA DO NOVO TESTAMENTO
Primeira
prova: Era um dom entre os dons
revelacionais
A inclusão do dom de línguas
no grupo dos dons que cessariam (1Co 13.8) constitui uma clara evidência de que as
línguas faziam parte dos dons revelatórios, pois os únicos dons previstos para a cessação são os dons voltados para o aperfeiçoamento da doutrina da Nova
Aliança.
Em 1Co 13.8, Paulo resume a
cessação desses dons em três palavras distintas: profecia (que encerra o
apostolado, o profetismo, curas, milagres e discernimento de espírito), línguas
(encerrando-se o dom de línguas e interpretação de línguas) e ciência (que encerra
o conhecimento e a sabedoria da era apostólica por meio extraordinário). Como
esses dons tinham a função de revelar a verdade autoritativa e inspirada para a
igreja de todos os tempos, bem como eram dons que na era apostólica traziam a
verdade parcialmente (1Co 13.9), podemos concluir que depois de completada a
revelação do NT, tais dons cessariam (1Co 13.8).
Segunda
prova – Era um dom de
conteúdo doutrinário
Em 1 Co 14.6, Paulo mostra que
as línguas são um dom doutrinário, e que, por meio delas, a igreja deveria
receber o mesmo conteúdo de profecia, revelação, conhecimento e ensino. Sendo
assim, as línguas eram um dom que trazia acréscimo teológico à igreja quanto à
doutrina da Nova Aliança. Infelizmente as versões da SBB mudaram a tradução
desse texto, causando confusão na mente dos leitores. A melhor tradução desse
texto é a tradução da Bíblia de Jerusalém e a NVI.8 Eis como a Bíblia
de Jerusalém traduz 1 Co 14.6:
Supondo agora, irmãos, que eu
vá ter convosco, falando em línguas, como vos serei útil, se a minha palavra
não vos levar nem revelação, nem ciência, nem profecia, nem ensinamento?
Com essa tradução em mente, as
línguas consistiam de um dom de conteúdo doutrinário. Uma outra prova disso é
o emprego que Paulo faz do termo edificar (oikodomeô), o qual só é empregado
quando alguma coisa é acrescentada à mente (compare 1Co 14.4,5 com 14.14,15).
As línguas, portanto, deveriam edificar, ou seja, trazer conteúdo inteligível à
mente (1Co 14.19).
Terceira
prova – Era um dom
semelhante à profecia
O dom de línguas não é inferior
à profecia; esse dom, quando interpretado, tem o mesmo valor da profecia (1Co
14.5). Se as línguas correspondem à profecia, esse dom deveria ser de natureza
inspirada. Isso pode ser percebido na primeira referência ao dom em Atos 2.4,
onde o termo apofthegomai é empregado para a fala inspirada. Com esse termo,
Pedro deu total ênfase na ideia de que línguas consistia na “fala do Espírito”
(to pneuma edidou apofthegomai autoi). Essa expressão é correlata das
afirmações proféticas do Antigo Testamento Assim diz o Senhor. Dessa forma,
línguas consistem numa manifestação profética na qual Deus fala ao homem.
Quarta
prova – Era um dom de
revelar mistério
Seria o dom de línguas um dom
para falar mistérios com Deus? O que Paulo quer dizer em 1 Co 14.2-4? O dom de
línguas não foi dado para uso particular (esse é o argumento do apóstolo em
todo o capítulo 14), pois os dons foram dados com vistas à edificação da
igreja. Paulo fala da natureza das línguas, que naturalmente, Deus entende, mas
o homem necessita de intérprete. Em 1 Co 14.2, a expressão porque em espírito
fala mistério corresponde a uma má tradução das nossas Bíblias.9 O
dom de línguas não é um exercício do espírito humano, mas uma atividade divina
do Espírito Santo no homem (At 2.4: passaram a falar em outras línguas,
conforme o Espírito dava o que falar). A palavra mysterion (mistério) é a
chave para entender o termo pneumati como o “Espírito de Deus”, pois falar
mistérios é uma atividade divina (At 2.11). Alguns argumentam que o termo
mistério é empregado para referir-se ao fato das línguas não serem
compreendidas, tornando-se, assim, “um mistério” para quem ouve. Mas Paulo não
afirma “falar em mistério”, e sim “falar mistério”, o que pode ser muito bem
entendido à luz de Atos 2.11, como “falar as grandezas de Deus” que estavam
ocultas. A expressão falar mistério corresponde a falar o que estava oculto,
e não falar em oculto, pois dessa forma, o dom de línguas não serviria para a
igreja. O termo mysterion sempre está relacionado com a história da redenção
(Ef 3:4-7) e com os dons proféticos nos três capítulos sobre dons espirituais,
e nunca relacionado ao modo ininteligível de se receber uma informação, (1Co
13:2).
É importante lembrar que o dom
de línguas consiste num dos assuntos mais difíceis do Novo Testamento, e que,
além disso, nossas traduções não ajudam, ao inserirem palavras que desvirtuam o
verdadeiro sentido do texto.10
11. Hodge, p. 230.
INTERPRETAÇÃO
DAS LÍNGUAS
(hermeneia
glossôn)
E a outro
a interpretação das línguas.
Para uma boa definição desse
dom, é necessário uma boa compreensão da natureza do dom de línguas.
Primeiramente, é mister deixar claro que as línguas de Marcos (novas línguas),
bem como as de Atos e as de 1 Coríntios são exatamente o mesmo dom. O uso
indiscriminado de glossôn por dialektos em Atos 2 é clara evidência de que os
apóstolos entendiam “línguas” como idiomas inteligíveis falados por nações
gentílicas. Em nenhum momento as Escrituras do Novo Testamento fazem uso do
termo glossa para designar línguas estranhas ao homem, como querem os
pentecostais de nosso tempo.
O dom da interpretação
(hermeneia) era um dom empregado para traduzir construções sintáticas de um
outro idioma não conhecido pela assembleia. Tal dom era distinto do dom de
línguas, pois também fazia parte das duas listas de 1 Coríntios. O dom de
interpretação era um dom miraculoso, que acontecia sob a influência do
Espírito.
Se um homem podia falar um
idioma estrangeiro, por que ele mesmo não podia interpretar? Simplesmente porque não era seu dom. O que dizia em língua estrangeira o dizia debaixo da
direção do Espírito (At 2.4); se houvesse tratado de interpretar sem o dom de
interpretação, teria falado ele mesmo, e não como o Espírito dava o que falar.11
Como muito bem coloca Hodge, o
dom de interpretação não era inerente ao dom de línguas, visto que era
necessário que houvesse alguém com o dom de interpretar, ou o que falava
línguas buscasse socorro divino para que houvesse interpretação (1Co 14.13). Se
o falante não tem a tradução consciente simultânea, como qualquer pessoa que
fale uma língua aprendida, é porque o falar das línguas não é um falar do
homem, e sim do Espírito. Se for necessária uma assistência externa ou mesmo
separada do dom de línguas para que haja interpretação, entende-se, pois, que a
interpretação das línguas consiste numa manifestação divina e miraculosa do
Espírito (1Co 12.11) em dar o entendimento do significado de palavras em um
idioma nunca estudado. Se o que fala em línguas o faz sem haver aprendido, o
que traduz também o faz sob a direção do Espírito, sem nunca ter conhecido a
língua.
O termo grego diermeneuô
(interpretação) nunca pode ser aplicado àquilo que não faz sentido. Uma prova de
que as línguas interpretadas eram idiomas sintaticamente perfeitos é que no
livro de Atos não houve interpretação das línguas faladas em Atos 2,10,19, e
ainda assim, houve compreensão dos tais idiomas por muitos estrangeiros. Também
é interessante notar que as línguas de Atos 2 não foram compreendidas por
todos (At 2.13). O dom de interpretação consistia, no exercício do Juízo
divino, já ensinado por Jesus em Mt 13.10-12, que tinha o mesmo objetivo de
falar por parábolas. Todos aqueles que não entendem a verdade de Deus foram
excluídos da graça. Em Atos, o dom de interpretação não está presente porque
Deus tinha o propósito de excluir indivíduos no grande conglomerado de nações.
Já em 1 Coríntios o dom de interpretação se faz presente porque se trata da
comunidade dos santos (1Co 1.2), local onde se encontram os já selecionados
pela graça. Sendo assim, as línguas não podiam ser exercidas sem interpretação,
pois se isso acontecesse, significaria que a comunidade que não compreendesse o
que foi dito estaria sendo excluída da graça. Essa é a razão pela qual Paulo
diz que as línguas são um sinal para os incrédulos (1Co 14.22), pois só os
incrédulos não compreendem as grandezas de Deus.
Há ainda uma dificuldade com 1Co
14:4 (o que fala em outra língua a si mesmo se edifica...). Se era necessário
a presença de um intérprete, como poderia alguém usando o dom de línguas edificar
a si mesmo sozinho? A resposta para essa pergunta é que, possivelmente, Deus dava o
dom de interpretação também às pessoas que falavam línguas (1Co 14:13). O erro
que estava ocorrendo na igreja de Corinto era que esses espirituais que tinham
o dom de línguas e podiam interpretá-las estavam guardando a doutrina revelada
só para si; essa postura foi veementemente reprovada pelo apóstolo Paulo.
NOTAS:
8. É importante lembrar que a
NVI consiste numa tradução com muitos problemas em outros lugares.
9. Nos dois casos onde o termo pneumati aparece referindo-se ao espírito humano (1Co 14.14,32), vem acompanhado do pronome possessivo (pneuma mou) e do adjunto adnominal (pneumata), que distingue claramente o espírito humano do Espírito de Deus.
10. Tomemos como exemplo a
ARA, que insere o termo “OUTRAS línguas”, e algumas edições corrigidas (Versão
da Imprensa Bíblica) que acrescentam a expressão “LÍNGUAS ESTRANHAS”, que não
aparecem no texto grego. É possível que esses acréscimos sejam feitos para
descaracterizar as línguas como dialeto e torná-las como algo estranho ao
homem.9. Nos dois casos onde o termo pneumati aparece referindo-se ao espírito humano (1Co 14.14,32), vem acompanhado do pronome possessivo (pneuma mou) e do adjunto adnominal (pneumata), que distingue claramente o espírito humano do Espírito de Deus.
11. Hodge, p. 230.