Algumas pessoas têm me
perguntado: "Afinal, o que é Soberania das Esferas e onde posso aprender
sobre isso"? O interesse redespertado pela teologia reformada tem trazido
esse termo e conceitos à tona, junto com "cosmovisão", "neo-calvinismo"
e vários outros. Soberania das Esferas é uma expressão encontrada na obra do
filósofo holandês Herman Dooyeweerd (1894-1977). Seu tratado, extenso e muito
técnico, não disponível em português, é chamado “Uma Nova Crítica do Pensamento
Teórico” (A New Critique of Theoretical Thought, em 4 espessos volumes,
tradução do original holandês publicada originalmente em inglês por H. J.
Paris, em 1957).
O pensamento expresso por
Dooyeweerd é complexo, mas, simplificadamente podemos dizer que ele os
construiu sobre os conceitos já apresentados anteriormente por João Calvino
(1509-1564) e, com bastante intensidade, na terminologia e e escritos de Abraão
Kuyper (1837-1920). Em resumo, ele ensina que cada instituição criada por Deus
(a família, a escola, o estado), possui uma área específica de autoridade e
regência, ou seja, são esferas bem delimitadas e específicas.
Isso não significa que tais
esferas sejam autônomas. Ainda que independentes, cada uma deve responder a
Deus, o doador desta autoridade. A soberania de cada uma quer dizer que elas
não devem usurpar ou interferir na autoridade da outra esfera. Cada uma dessas
esferas, autoridades em si, é responsável por sua missão e pelas suas ações, na
providência divina, perante Deus.
Por exemplo, no caso de uma
escola cristã, ela deve entender que não usurpa a autoridade da família, nem da
igreja. Muito menos substitui essas outras esferas, mas deve trabalhar conjuntamente,
em colaboração e respeito. A esfera da escola, e nisso ela tem autoridade, é
ministrar conhecimento, sendo responsável, perante Deus, de transmitir esse
conhecimento reconhecendo o Criador em todas as áreas do saber.
Outro exemplo, ao estado não
cabe legislar moralidade, mas sim trabalhar com base em princípios universais
(que procedem de Deus), reprimindo as atividades criminosas, protegendo os
indivíduos de uma sociedade - essa é a sua esfera legítima. No momento em que
se imiscui na esfera da família, ou da igreja (postulando o que é certo ou
errado), ultrapassa a sua "soberania". O estado não tem poder
ilimitado, mas deve se reger sob uma estrutura específica, que emana da Graça
Comum derramada por Deus sobre todos os homens.
Essa ação abrangente da Graça
Comum de Deus, além de possibilitar a existência da sociedade, é que restringe,
também, o pecado na humanidade e faz com que cultura de mérito e qualidade
possa surgir nos mais diversos lugares e situações. Sobre isso, Dooyeweerd diz:
“Deus, em Cristo mantém a estrutura de sua criação pela graça temporal
preservadora”. Demonstrando um preciso entendimento bíblico, Dooyeweerd
especifica que a Graça Comum de Deus é que “retém a completa demonização do
mundo” e, como resultado, podemos observar em todas as partes “centelhas da
glória de Deus, de sua bondade, verdade, justiça e beleza”, até nas “culturas
idólatras” (Vernieuwing en Bezinning. Zutphen: J.B. Van Den Brink & Co.,
1963, pgs. 36 e 39).
O trabalho de Dooyeweerd já
foi abordado por várias obras. Uma das melhores é o resumo do seu pensamento
escrito por J. M. Spier no livro, An Introduction to Christian
Philosophy(Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1954), 155.
Em português temos o seu excelente livro, No Crepúsculo do Pensamento Ocidental
(The Twilight of Western Thought), traduzido e publicado pela editora HAGNOS,
em 2010, com 304 pgs. e a Edições Vida Nova publicou, agora em 2014,
"Estado e soberania: escritos sobre cristianismo e política", do mesmo
autor. Esses livros também podem servir para uma introdução ao pensamento desse
grande filósofo cristão, que nos demonstra como a doutrina cristã é para ser
testemunhada, vivenciada e experimentada em todas as áreas de nossa vida -
incluindo o intelecto.
Autor: Solano Portela
Via: O tempora, O mores