Estaremos tratando neste e no
seguinte capítulo sobre o estado final daqueles que compareceram perante o
tribunal de Deus. Esse estado final - assim diz a Bíblia - será um estado ou de
miséria eterna ou de felicidade eterna. Todos aqueles que estão em Cristo
desfrutarão da eterna bem aventurança na nova terra, ao passo que todos os que
não estiverem em Cristo serão entregues à punição eterna do inferno. Neste
capítulo nos ocuparemos do estado final daqueles que não estão em Cristo ou,
melhor dito, dos incrédulos e ímpios.
A doutrina da punição eterna
foi ensinada na Igreja Cristã desde o princípio. Harry Buis, em seu livro
Doctrine of eternal Punishment (Doutrina da Punição Eterna), traz citações de
vários pais da igreja primitiva para provar que essa doutrina era por eles
ensinada.1 Então ele segue mostrando que teólogos tanto da Idade Média
quanto do período da Reforma igualmente criam e ensinavam a doutrina da punição
dos ímpios.2 Buis prossegue, mostrando que, à partir do século
dezoito, vários teólogos cristãos começaram a negar a doutrina da punição
eterna. Esta rebelião contra a doutrina “avolumou-se numa poderosa revolta no
século dezenove, revolta essa que continua até hoje”.3
Hoje em dia a negação da
doutrina da punição eterna toma duas formas principais: o universalismo e o
aniquilacionismo. Os universalistas creem que inferno e punição eterna seriam
incoerentes com o conceito de um Deus amoroso e poderoso. Por isso, eles ensinam
que, no fim, todos os homens serão salvos. Alguns universalistas afirmam que as
pessoas que tenham vivido vidas más poderão ser punidas por algum tempo após a
morte, mas todos os universalistas concordam que estará perdido em última
instância. Esta posição é tão antiga quando Orígenes (185-254), que ensinava
que no fim não somente todos os seres humanos seriam salvos, mas inclusive o diabo
e seus demônios. Nos Estados Unidos e no Canadá, a doutrina da salvação
universal é defendida e propagada pela Unitarian Universalist Association
(Associação Universalista Unitariana), que foi fundada em 1961. Em 1975 foi
registrado que esse grupo tinha 220.648 membros em 1019 igrejas.4
A outra principal forma
assumida pela negação da punição eterna é a doutrina do aniquilamento. Essa
doutrina pode se apresentar de duas formas. Conforme uma delas, o homem fora criado
imortal, mas aqueles que continuam no pecado são privados da imortalidade e
simplesmente aniquilados - isto é, reduzidos a não existência. Segundo a outra
forma, também conhecida como “imortalidade condicional” o homem fora criado mortal. Os incrédulos, porém,
não recebem esse dom, e por isso permanecem mortais; por essa razão são
aniquilados por ocasião da morte. Ambas as formas do aniquilacionismo ensinam o
aniquilamento dos ímpios e, portanto, negam a doutrina da punição eterna. Já no
quarto século, Arnóbio ensinava o aniquilamento dos ímpios. O socinianos, da
segunda metade do século dezesseis, também ensinavam que ao final os incrédulos
seriam aniquilados. Na época atual o aniquilamento, na forma da imortalidade condicional,
é ensinado pelos Adventistas do Sétimo Dia e pelos Testemunhas de Jeová os Testemunhas
de Jeová ensinam que o aniquilamento é a punição dos ímpios, de Satanás e dos
demônios; os Adventistas do Sétimo Dia, porém, afirmam que haverá período de sofrimento
punitivo anterior ao aniquilamento de Satanás e desses grupo, cuja duração
dependerá do montante de culpa envolvido. O que ambos os grupos têm em comum é
a negação da punição eterna.5
Certamente, pode-se entender
as dificuldades que as pessoas têm com a doutrina da punição eterna. Nós todos,
naturalmente, nos recusamos a contemplar tal destino horrível. Mas esta
doutrina deve ser aceita porque a Bíblia a ensina claramente. Vejamos então a
evidência das Escrituras para esta doutrina. Começaremos pelo ensino de Cristo,
seguindo então para o ensino dos apóstolos.
Começamos, pois, com os
ensinos de Cristo. O comentário de Buis é bem incisivo sobre o assunto: “O fato
de que o sábio e amoroso salvador tem mais a dizer sobre o inferno do que qualquer
outra pessoa que figura na Bíblia certamente provoca nossas reflexões”.6
No Sermão do Monte encontramos pelo menos três referências ao inferno. Em
Mateus 5.22 Jesus diz: Eu, porém, vos
digo que todo aquele que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento;
e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal;
e quem lhe chamar: Tolo! Estará sujeito ao inferno de fogo (tem geennan tou
pyros). E nos versos 29-30, do mesmo capítulo Jesus diz: Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois
te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo teu corpo lançado
no inferno (geennan). E se a tua mão
direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca
um de seus membros e não vá todo teu corpo para o inferno (geennan).
Observe-se que Jesus aqui fala indubitavelmente acerca do inferno, indicando
que os sofrimentos do inferno envolvem tanto o corpo como a alma. É melhor,
dizerem, perder um olho ou uma mão do que ter todo o seu corpo lançado no
inferno.
Neste momento, deveríamos
examinar melhor a palavra aqui traduzida por inferno, a palavra grega geenna. Já vimos anteriormente que às vezes
a palavra hades - pelo menos em Lucas
16.23 - pode significar o lugar de punição durante o estado intermediário.7
Entretanto, a palavra neotestamentária, que de nota o lugar final de punição, é
geenna, geralmente traduzida por
inferno. Esta palavra é uma forma grega da expressão aramaica gee hinnom, que
significa: “Vale de Hinom”. Este era um vale ao sul de Jerusalém, onde, às
vezes, pais ofereciam seus filhos como sacrifício ao Deus amonita Moloque, nos
dias de Acaz e Manassés (veja 2 Rs 16.3; 21.6; e especialmente Jr 32.35).
Ameaças de juízo são lançadas sobre esse vale sinistro em Jeremias 7.32 e 19.6.
Era também nesse vale que se queimava o lixo de Jerusalém. Por isso este vale
tornou-se um tipo do pecado e maldição e, dessa forma, a palavra geenna passou
a ser usada como designação para o fogo escatológico do inferno e para o lugar
da punição.8 Ao continuarmos a observar o uso desta palavra, ficará
claro que a punição de geenna é sem
fim.
As palavras de Jesus,
registradas em Mateus 10.28, consolidam um aspecto levantado em conexão com Mateus
5.29-30, a saber, que os sofrimentos do inferno envolvem tanto o corpo como a
alma e, por isso, pressupõe a ressurreição do corpo: Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes
aquele que pode fazer perecer.9 no inferno tanto a alma como o corpo.10
Além disso, o que é especialmente importante em Mateus 18.8,9 é a referência
de Jesus ao fogo eterno: Portanto, se a
tua mão ou o teu pé te faz tropeçar, corta-o e lança-o fora de ti; melhor é entrares
na vida manco ou aleijado, do que, tendo duas mãos ou dois o pés, seres lançado
no fogo eterno (to pyr to aionion).
Se um dos teus olhos de faz tropeçar, arranca-o e lança-o fora de ti; melhor é
entrares na vida com um só dos teus olhos, do que, tendo dois, seres lançado no
inferno de fogo (tem geennan tou pyros). Aqui Jesus ensina claramente que o
fogo do inferno não é uma espécie de punição e temporária da qual algumas
pessoas possam se libertar, mas sim uma punição sem fim ou eterna.11
Encontramos mais evidência
para o fato de que a punição do inferno é eterna em Marcos 9.43, onde o fogo do
inferno é chamado de “inextinguível” (to pyr to asbeston). No verso 48 do mesmo
capítulo são utilizadas as seguintes palavras para descrever o inferno: ... onde não lhe morre o verme, nem o fogo se
apaga. Estas palavras são citadas de Isaías 66.24, onde elas aparecem num
cenário escatológico. Obviamente, deve-se interpretá-las figuradamente, e não
literalmente. O objetivo das figuras, porém, é que o tormento e angústia
internos, simbolizados pelo verme, nunca terão fim e os sofrimentos exteriores
simbolizados pelo fogo nunca cessarão. Se as figuras utilizadas nesta passagem
não significam sofrimento sem fim, então elas não significarão coisa alguma.
Outra figura que retrata os
tormentos do inferno é apresentada em Mateus 13.41,42: Mandará o Filho do homem os seus anjos que ajuntarão, e os lançarão na
fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes. Embora a duração
eterna da punição não seja mencionada especificamente nessa passagem, as
figuras utilizadas sugerem o caráter amargo do remorso e a auto condenação
desesperada. Mateus (25.30) adiciona outra parte horrível ao cenário: E o servo inútil lançai-o para fora, nas
trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes (Mt 22.13). “Para fora, nas
trevas” sugere o isolamento terrível do perdido, e sua separação eterna da
graciosa comunhão com Deus.
Em Mateus 25.46 é empregado o mesmo
adjetivo para descrever a duração da punição do ímpio e da felicidade do salvo.
E irão estes os que estão à esquerda do
Rei para o castigo eterno (kolasin aionion), porém os justos para a vida eterna (zoen aionion).
Em relação a isso também podem
ser mencionadas duas passagens do Evangelho de João. A primeira é o famoso
“Evangelho em miniatura”, João 3.16: Porque
Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo o
que nele crê não pereça (me apoletai),
mas tenha a vida eterna (zoen aionion). Fica claro que “perecer” neste
verso significa punição eterna comparado com o trigésimo-sexto verso deste
capítulo: Aquele que crê no Filho tem a
vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida,
mas sobre ele repousa (reside [ASV] ou permanece [NIV]; no grego, menei) a ira de Deus”. Se a ira de Deus permanece
sobre uma pessoa assim, que outra conclusão podemos tirar senão que a punição
envolvida é eterna?
Voltamos agora para examinar,
em detalhe, duas palavras que foram usadas frequentemente nas passagens citadas
acima: apollymi (geralmente traduzida
por “destruir”, “arruinar”; na voz passiva, “estar perdido” ou “perecer”) e aionios (geralmente traduzido por
“eterno”). Os oponentes da doutrina da punição eterna, frequentemente, dizem que
a palavra apollymi, quando utilizada
pelo Novo Testamento para o destino dos ímpios, significa aniquilar ou apagar a
existência. Por exemplo, tanto os Adventistas do Sétimo Dia como os Testemunhas
de Jeová interpretam o termo dessa forma.12
Apollymi, no
Novo Testamento, contudo, nunca significa aniquilamento. Esta palavra nunca
significa aniquilar quando é aplicada a outras coisas que não o destino eterno
do homem. (1) Às vezes, apollymi simplesmente
significa “estar perdido”. A palavra é utilizada nesse sentido nas três
parábolas acerca do “perdido”, em Lucas 15 - para designar a ovelha perdida, a
moeda perdida e o filho perdido. No caso do filho, sua perdição significava que
ele estava perdido para a comunhão do seu pai, uma vez que fora contra o
propósito de seu pai. (2) Às vezes, a palavra apollymi pode significar “tornar-se inútil”. Assim, em Mateus 9.17,
ela é utilizada para mostrar o que acontece aos odres velhos quando se coloca
vinho novo neles: os odres “se rompem” ou ficam inutilizados. (3) Às vezes, apollymi é usado para significar
“matar”. Por exemplo, observe-se Mateus 2.13: porque Herodes há de procurar o menino para o matar (apolesai).
Mesmo à parte do fato de que a passagem fala acerca da tentativa para matar
Jesus, será matar o mesmo que aniquilar? Vimos, em Mateus 10.28, que “aqueles
que matam o corpo” “não podem matar a alma” - por causa disso aniquilamento está
fora de questão. Além disso, estritamente falando, nem mesmo se aniquila o
corpo quando se mata um homem. As partículas de um corpo em decomposição passam
para outras formas de matéria.
Tendo observado que apollymi não significa aniquilamento
quando utilizado em outras formas, não deveríamos esperar que a palavra
significa aniquilamento quando é
utilizada para descrever o destino final dos ímpios. Tal mudança abrupta de
sentido teria de ser atestada claramente. Mas, conforme temos visto, os ensinos
bíblicos, acerca do destino final dos perdidos, excluem completamente o
aniquilamento. Observamos várias passagens dos Evangelhos, a maioria delas proferia
pelo próprio Jesus, que descrevem a sorte final dos ímpios como sendo um
tormento continuado e sem fim. À luz deste ensinamento claro, somos levados a
concluir que apollymi, quando usado
para o destino final dos perdidos, não pode significar aniquilamento. Por causa
disso não devemos nos deixar enganar pela ressonância de palavras como
“destruir” ou “perecer”, quando estas são utilizadas nas traduções, como se
elas provassem que os ímpios deverão ser aniquilados. Apollymi, quando utilizado para descrever o destino último daqueles
que não estão em Cristo (conforme em Mt 10.28; 18.14; Lc 13.3; Jo 3.16; 10.28;
Rm 2.12; 1Co 1.18; Fp 3.19; 2Pe 2.1; 3.16), significa perdição eterna, uma
perdição que consiste na perda interminável da comunhão com Deus, que é, ao
mesmo tempo, em estado de tormento ou dor interminável.13
Prosseguimos agora, examinando
o significado da palavra aionios, geralmente
traduzida por “eterno” ou “que dura para sempre” em nossas traduções. Arndte
Gingrich, em seu Greek - English Lexicon of the New Testament (Léxico
Grego-Inglês do Novo Testamento), sugere três significados para aionios: (1) sem início, (2) sem início
ou fim, e (3) sem fim.14 O segundo significado da palavra é aplicado
a Deus, como em Romanos 16.26, onde Paulo fala sobre o mandamento do Deus
eterno. Quando aionios é utilizado
para descrever o destino futuro seja do povo de Deus, seja do ímpio, significa
sem fim (conforme o significado (3)).
A palavra aionio é, frequentemente, utilizada pelo Novo Testamento para
descrever a felicidade futura interminável do povo de Deus. Nós a encontramos
empregada assim em Mateus 25.46, onde se diz que aos justos é dito que
ingressem na vida eterna. Também encontramos a palavra empregada dessa forma em
João 10.28: “Eu lhes dou [às minhas ovelhas] a vida eterna; jamais perecerão,
eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão”. Além disso, encontramos aionios
utilizado para descrever a glória eterna que aguarda os crentes, como em 2
Timóteo 2.10, o eterno peso de glória em 2 Coríntios 4.17, as eternas “coisas
que são invisíveis” em contraste com as transitórias “coisas visíveis” em 2
Coríntios 4.18, o edifício eterno de Deus que nos aguarda na morte em 2
Coríntios 5.1, a redenção eterna e a herança eterna que Cristo obteve para nós
segundo Hebreus 9.12,15.
Se, porém a palavra aionios significa sem fim quando
aplicada à felicidade futura dos crentes, deve-se concluir, a não ser que seja
dada clara evidência em contrário, que estas palavras também signifique sem fim
quando utilizada para descrever a punição futura dos perdidos. Aionios é empregado neste último sentido
em Mateus 25.46 (irão estes para o castigo eterno) e em 2 Tessalonicenses 1.9
(estes sofrerão penalidade de eterna destruição). Deduz-se, pois, que a
punição que os perdidos sofrerão após esta vida será tão interminável quanto a
felicidade futura do povo de Deus.15
Passamos agora a examinar os ensinos
dos apóstolos sobre este assunto. Talvez a descrição mais vívida dos
sofrimentos dos perdidos encontrada nos escritos paulinos esteja em 2
Tessalonicenses 1.7-9: ... quando do céu
se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do seu poder, em chama de fogo,
tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os que não obedecem
ao Evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidades de eterna
destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder... Os termos
gregos traduzidos por “destruição eterna” são olethron aionin. Olethros
não pode significar aniquilamento aqui, pois que sentido teria falar de um
aniquilamento eterno? Esta palavra geralmente significa “destruição” ou “ruína”
16. Em 1 Timóteo 6.9 olethros é
utilizado como um paralelo de apoleia (um substantivo derivado de apollymi),
que significa “perdição”. Olethron
aionion, portanto, tem de significar, em 2 Tessalonicenses 1.9, ruína
eterna ou punição interminável, implicando eterna exclusão da presença graciosa
do Senhor.17
Paulo descreve o futuro destino
dos ímpios em pelo menos duas passagens da Carta aos Romanos. A primeira destas
era em Romanos 2: Mas, segundo a tua
dureza e coração impenitente acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e
da revelação do justo juízo de Deus... Mas ira a indignação aos facciosos que
desobedecem à verdade, e obedecem à injustiça. Tribulação e angústia virão sobre
a alma de qualquer homem que faz o mal, do judeu primeiro, e também do grego...
(vs. 5, 8, 9). Embora não esteja especificamente declarada aqui a duração
eterna da punição dos perdidos, note a referência à ira e furor de Deus. É
exatamente desta ira que os crentes são salvos pela obra de Cristo: “Logo,
muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue [de Cristo], seremos por
ele salvos da ira de Deus” (Rm 5.9). A outra passagem está em Romanos 2.12,
onde a palavra apolountai, uma forma
de apollymi, é utilizada para indicar
a perdição eterna dos perdidos: Todos os
que pecaram sem lei, também sem lei perecerão (apolountai); e todos os que com lei
pecaram, mediante lei serão julgados.
O décimo capítulo do livro de Hebreus
contém algumas palavras severas sobre o destino daqueles que desprezam o Filho
de Deus: Sem misericórdia morre pelo
depoimento de duas ou três testemunhas quem tiver rejeitado a lei de Moisés. De
quanto mais severo castigo julgais vós será considerado digno aquele que calcou
aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado,
e ultrajou o Espírito da graça?... Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo
(vs. 28, 29,31). Embora não seja mencionada a duração eterna desta punição, o
horror do destino daqueles que quebram a aliança está aqui ominosamente
revelado. Após instar com seus leitores para que permaneçam fiéis à fé, o autor
continua dizendo com o fim de encorajá-los: Nós,
porém, não somos dos que retrocedem para a destruição (ou “retrocedem para
a perdição” [ASV]; no grego, eis apoleian);
somos, entretanto, da fé, para a conservação da alma.
Encontramos mais evidência
para a punição eterna dos perdidos em 2 Pedro e em Judas. Referindo-se aos
homens ímpios, Pedro diz: “Esses tais são
como fonte sem água, como névoas impelidas por temporal. Para eles está
reservada a negridão das trevas (2 Pe 2.17). A figura empregada por Pedro
nos lembra das palavras de Jesus acerca das “trevas exteriores” nas quais os
perdidos serão lançados. Encontramos uma declaração similar em Judas 13, onde
certos apóstatas são descritos como “ondas bravias do mar, que espumam as suas
próprias sujidades; estrelas errantes, para as quais tem sido guardada a
negridão das trevas, para sempre (eis aiona)”. Aqui a duração eterna desta
punição é especificamente mencionada. Um destino similar é atribuído a Sodoma e
Gomorra no verso 7: “Como Sodoma e Gomorra e as cidades circunvizinhas que, havendo-se
entregue à prostituição como aqueles, seguindo após outra carne, são postas
para exemplo do fogo eterno (pyros aioniou), sofrendo punição”.
Mais um ensino sobre este assunto
é encontrado no livro do Apocalipse. Em 14.10,11 lemos acerca de alguém que
adora a besta e a sua imagem: “... também esse beberá do vinho da cólera de
Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, e será atormentado com fogo
e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. A fumaça do seu tormento
sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de
noite...” A imagem é horrivelmente vívida, lembrando-nos de algumas palavras de
nosso Senhor acerca da ira que permanece e do fogo que não é extinguido. A
fumaça do tormento desses perdidos é mencionada como subindo para sempre.
Embora não devamos pensar aqui em fumaça no sentido literal, a expressão fica
sem sentido se não pretender retratar uma punição que não terá fim. As palavras
“pelos séculos dos séculos” são as seguintes no grego: eis aionas aionon (literalmenete: pelas eras das eras). Em Apocalipse
4.9 Deus é descrito como aquele “que vive pelos séculos dos séculos” (eis tous
aionas ton aionon). A não ser pelo acréscimo dos artigos definidos, esta é a
mesma expressão utilizada em 14.11 para a fumaça que sobe do tormento dos
perdidos. Comparando essa duas passagens, portanto, vemos que o tormento dos
perdidos é tão interminável quanto o próprio Deus!
Outra descrição da punição dos
perdidos é encontrada em Apocalipse 21.8: Quanto,
porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos
impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que
lhes cabe será no lago que arte com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte.
Novamente temos a imagem do lago de fogo (vs. 10,14,15 do capítulo anterior). O
destino dos ímpios é agora descrito como “a segunda morte” (ho thanatos ho
deuteros) - uma expressão utilizada pelo livro do Apocalipse para designar a
punição eterna.18
Fizemos agora um levantamento
da evidência bíblica. Se levarmos em conta, seriamente, o testemunho das
Escrituras, e se basearmos nossas doutrinas em seus ensinos - como de fato deveríamos
- somos obrados a crer na punição eterna dos perdidos. Sem dúvida, internamente
nos retraímos deste ensino, e não ousamos tentar visualizar como esta punição
eterna poderia ser experimentada por alguém que conhecemos. Mas a Bíblia a ensina,
e por isso (como cristãos) temos de aceitá-la.
Conforme foi dito
anteriormente, não devemos tomar literalmente as diversas figuras pelas quais a
punição do inferno é retratada. Pois, quando tomadas literalmente, estas
figuras tendem a se contradizer reciprocamente: como pode o inferno ser trevas
e fogo ao mesmo tempo? As imagens devem ser entendidas simbolicamente, porém a
realidade será pior do que os símbolos.
Devemos também ter em mente o
que foi dito anteriormente acerca de níveis de punição ou “graduações” no
sofrimento dos perdidos.19 Nem toda pessoa perdida experimentará os
sofrimentos de um Judas!20 Deus será perfeitamente justo, e cada
pessoa sofrerá exatamente o que merece.
Deveríamos dizer algo sobre a
localização do inferno. Na Idade Média era comum pensar ser sobre o céu como
estando em algum lugar acima da terra e sobre o inferno como estando em algum
lugar abaixo, talvez nas profundezas da terra (como no Inferno de Dante). Para
a pessoa do século vinte, com seus conhecimentos da astronomia moderna, este
modo de pensar não mais faz sentido. Onde se situa o embaixo ou o em baixo em nosso
universo atual? Tudo o que podemos dizer é que, conforme os dados bíblicos tem
de haver um lugar denominado inferno, mas não sabemos onde fica.
Qual é a importância da
doutrina da punição eterna? O ensino bíblico sobre o inferno deveria
acrescentar uma nota de seriedade profunda à nossa pregação e ensino da Bíblia.
Ainda que falemos do inferno com relutância, com tristeza e, talvez, até com
lágrimas – temos de falar acerca dele. Nunca podemos esquecer as palavras do
autor de Hebreus: “Pois se a mensagem proferida pelos anjos era certa, e cada
violação e desobediência recebeu sua justa punição, como poderemos nós escapar
se ignorarmos tão grande salvação?” (2.2,3, NIV). Para nosso empreendimento
missionário, a doutrina do inferno deveria nos impulsionar a um zelo e urgência
maiores. Se é verdade que pessoas em países estrangeiros possam estar
condenadas a uma eternidade sem Cristo, a não ser que ouçam o Evangelho, quão
ansiosos deveríamos estar para levar esse Evangelho até elas! Pois como crerão naquele de quem nada ouviram? E
como ouvirão, se não há quem pregue? (Rm 10.14).
NOTAS:
1. Philadelphia: Presbyterian and
Reformed, 1957, pp. 53.67.
2. Ibid., pp. 67-80.
3. Ibid., p. 111. Sobre os detalhes, ver pp. 82-111.
4. Frank S. mead, Handbook of
Denominations in the U.S. (Manual das Denominações dos E.U.A), 6a. ed.,
Nashville: Abingdon, 1975, p. 257.
5. Para uma maior elaboração destas posições, ver minha obra
Four Major Cults (Quatro Grandes Seitas), pp. 142, 308, 320-324. Para uma refutação
destas posições, ver Ibid., pp. 360-371.
6. Buis, op.cit., p. 33. É muito útil o resumo das evidências
das Escrituras para esta doutrina feito pelo sr. Buis. Entre outros livros
importantes sobre este assunto, podemos mencionar os seguintes: E.B. Pusey,
What is of Faith as to Everlasting Punishment? (Que é da fé na punição eterna?),
Oxford: Parker, 1880; W.G.T.Shedd, The Doctrine of Endless Punishment (A
Doutrina da punição interminável), New York: Scribner, 1886; e, também de
Shedd, pp. 667-754 do Vol II de sua Dogmatic Theology (Teologia Dogmática), Grand
Rapids: Zondervan, s/data; publ.orig.em 1888-1894.
7. Ver acima, pp. 130,131.
8. Ver J.Jeremias, “geenna”, in TDNT, I, pp. 657-658.
9. A palavra traduzida por “fazer perecer” (“destruir”, no
inglês) é uma forma de apollymi. Mais adiante, neste capítulo, essa palavra
será examinada com mais detalhe.
10. A partir daqui, sempre que a palavra inferno ocorrer nas citações do Novo Testamento será uma tradução de
geenna.
11. Mais adiante, no capítulo, examinaremos mais de perto a
palavra aqui traduzida por “eterna”: aionios.
12. Ver Hoekema, The Four Major Cults (As Quatro Grandes
Seitas), p. 361.
13. Cp. A Oepke, “apollymi”, TDNT, I,
pp. 394-397.
14. “Aionios”, pp. 27-28.
15. H.Sasse, “aionios”, TDNT, I, pp. 208-209.
16. Ardt-Gingrich, Greek-English Lexicon
of the New Testament (Léxico
Grego-Inglês do Novo Testamento), p.352.
17. J.Schneider, “olethros”, TDNT, v.
pp. 168-169.
18. Arndt-Gingrich, op.cit., p. 352,
19. Ver acima, p. 347.
20. Cp. as palavras de Jesus sobre Judas: “Melhor lhe fora não
haver
nascido”
(Mt 26.24).
Autor: Anthony Hoekema
Trecho
extraído do livro A Bíblia e o Futuro,
capítulo 19. Editora Cultura cristã.