"Beijai o Filho, para que não se ire, e
pereçais no caminho; porque em breve se inflamará a sua ira. Bem-aventurados
todos aqueles que nele confiam." Salmo 2:12
O princípio humano da autoestima
se baseia em uma busca incessante por dignidade. E dignidade para o homem caído
significa ser igual a Deus. Existem duas maneiras de igualar-se a Deus:
negando-o e colocando-se como deus de si mesmo ou construindo falsas pontes até
Ele.
O ateísmo não é novidade; a
vontade humana de suprimir qualquer transcendência é tão velha quanto o pecado.
No grego antigo, a expressão ἄθεος (transl.: atheos), é formado pelo prefixo a, significando "ausência", e o radical teu, derivado do grego theós, significando deus. O
significado literal do termo é, então, "sem deus".
Determinar o alcance da
descrença ou mesmo defini-la como tal, é uma dificuldade para os ateus. Seus
adeptos variam entre os ateus positivos, isto é, aqueles que negam qualquer
divindade e ateus negativos, aqueles que negam apenas o teísmo, como ensinado
pelos agnósticos. É interessante observar que nas religiões orientais, o ateísmo
assume uma posição anti teísta, negando a existência de um Deus criador, como
acontece no hinduísmo e no budismo. Entretanto, no ocidente, o ateísmo só
alcançará status de pensamento refinado e aceitável no século XVIII, como
afirma Karen Armstrong, em seu livro "A History of God": "Durante
os séculos XVI e XVII, a palavra ateu ainda era reservada
exclusivamente para a polêmica … Ateu era um insulto. Não
ocorreria a alguém autodenominar-se ateu". Até então a ideia de Deus era
universalmente aceita no ocidente.
O cientificismo iluminista
trouxe a tona o ateísmo epistemológico, basicamente agnóstico e fundamentado na
ideia de que qualquer crença teísta é impossível porque não é deduzido como
conhecimento racional. O agnosticismo de Kant pensava assim. O ceticismo de
David Hume tinha como premissa a impossibilidade da certeza dos fenômenos, por
isso nunca poderíamos saber com segurança sobre a existência de Deus. Em suma,
como nos ensina Francis Schaeffer, em seu sermão intitulado Manifesto
Cristão (homônimo do livro de 1981), o humanismo secular é uma visão de
mundo onde “o homem é a medida de todas as coisas”. Por isso ele é responsável
pelo que Schaeffer chama no seu livro Manifesto Cristão de
"religião humanista". Ora, o ateísmo com todas as suas nuances e matizes
não passa de uma religião humanista, centrada na autonomia da criatura.
O que chamei no começo do
artigo de falsas pontes até Deus é a segunda forma caída de respirar auto
estima e dignidade. Observe que tanto o ateísmo quanto o pseudo cristianismo baseiam-se, cada qual a seu modo, no equívoco ontológico do antropocentrismo. Nas
trevas em que vivemos, e aqui chamo de trevas a incapacidade do homem pecador de
visualizar a redenção fora de si mesmo, o cristianismo, que deveria ser a
exaustiva conclusão redentora, reduziu-se a quase nada. Quando me refiro a
cristianismo da maneira que fiz acima, falo da falsa religião, não do Cristo
revelado e redentor. O vigor do pensamento dos pais da Igreja e mesmo da
escolástica medieval, assegurou que todo o edifício epistemológico da
humanidade fosse sustentado por pressupostos cristãos, pelo menos até o século
XVIII. De lá pra cá, o reducionismo racionalista e o ceticismo agnóstico
associaram-se ao gnosticismo papista e, mais recentemente, pentecostal.
Schaeffer, em seu livro O
Deus que se Revela, afirma que é necessário filosoficamente que Deus
exista e que se revele para que existam imperativos morais, metafísicos e
epistemológicos, e que toda a desgraça humana se explica, nos dias atuais, pela
perda dessa necessidade e pela consequente relativização da moral, da
metafísica e da epistemologia. Desse modo, pontes cristãs erguidas sob o
relativismo da modernidade reduzem-se a meros apelos por auto satisfação sem
Deus e não passam de "puxadinhos" de consultórios terapêuticos.
Reduzir-se a quase nada da Verdade, enveredar-se pelo gnosticismo e liberalismo
teológico são as causas da morte do cristianismo não bíblico, fundamento
das falsas pontes. Todavia, muitos continuam acreditando em fantasmas!
"Disseram mais: Eia,
edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo cume toque no céu, e
façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a
terra (Gênesis 11:4). "Tocar o céu, eis o sonho do homem caído. Ser tocado
pelo céu, eis a realidade do homem redimido". A busca incessante por
transcendência é visível até nos ateus, que mesmo negando-a, são obrigados a
sujeitar-se a ela quando perecem. Nos religiosos, ela se confunde com auto
satisfação, quando este não compreende o sentido redentor da verdadeira
religião. É assim que vive o homem caído, preso no desespero de não ouvir o
Deus que se revela: Atado a uma falsa percepção desse Deus. Um Deus dividido em
seus atributos, que ama, mas não odeia, que abençoa, mas não pratica justiça.
Cheung, em sua Teologia Sistemática, afirma: "O amor é um
resumo das leis morais, não um substituto. Logo, visto que somos ordenados a
andar em amor, as leis morais de Deus ainda estão vigentes".
O versículo 12 do Salmo 2,
começa assim: Beijem o filho, para que ele não se ire... e, dessa
forma, responde todas as perguntas não somente como viver uma vida digna, mas
como escapar da ira de Deus sobre aqueles que rejeitam o Filho. Portanto, está
resolvido o problema. A tensão entre o aqui e o depois é solucionada por
Cristo, a expressão perfeita do Deus que existe e que fala. O desespero diante
do silêncio é colocado abaixo pelo Deus que se comunica. A insanidade de uma
vida obcecada por auto satisfação e auto estima é saneada pelo amor que excede
todo entendimento de um Deus que nos adota como filhos Dele. Não é suficiente?
Estima, satisfação e dignidade alcançadas pela filiação divina?! Desespero
destruído pela certeza da salvação e de que nunca iremos perdê-la?! Toda
segurança dos eleitos está na certeza absoluta, como diz Francis Schaeffer, de
um Deus que existe e se revela!
Então, a dicotomia entre
particular e absoluto, natureza e graça, está resolvida. A dignidade verdadeira
só é possível se originar-se da seiva que escorre da Videira Vivificadora, a
revelação perfeita do Deus que existe. Termino com as palavras do apóstolo
Paulo em Romanos 8: 28-30: E sabemos que todas as coisas concorrem para o
bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu
propósito. Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre
muitos irmãos; e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou,
a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também
glorificou.
SOLI DEO GLORIA!
NOTAS:
Vincent
Cheung. Teologia Sistemática.
Francis
Schaeffer. O Deus Que Se Revela.
Abraham
Kuyper. Calvinismo.
Anthony
Hoekema. A Bíblia e o Futuro.Autor: Davi Peixoto
Divulgação: Reformados 21