26 de outubro de 2015

O feminismo e a Igreja (1/2)


Gênesis 2:21-24 - Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre o homem, e este adormeceu; tomou-lhe, então, uma das costelas, e fechou a carne em seu lugar; e da costela que o senhor Deus lhe tomara, formou a mulher e a trouxe ao homem. Então disse o homem: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; ela será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada. Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne. 

Tratar do feminismo a partir do olhar masculino pode parecer incoerência ou machismo para os mais antenados com a cultura desta era. Contudo, fazê-lo sob o crivo das Escrituras elimina qualquer resquício de incoerência ou preconceito. As conclusões que o texto expõe são resultado do esforço duplo de ser fiel às Escrituras e ao público inicial, formado pelos irmãos da Igreja Reformada Ortodoxa, durante as aulas ministradas na Igreja.

Não há como ser exaustivo quando se trata de assuntos abordados pela bíblia, visto que não é possível conhecer o Autor plenamente. Entretanto, devemos ser obrigatoriamente conclusivos, tendo em mente que os argumentos do Autor são absolutamente verdadeiros. 

Outra objeção ao tema pode ser a impropriedade de tratá-lo em uma igreja e, dessa forma, supervalorizar seu viés espiritual. Certamente, não causaria estranheza  deparar-se com tal argumentação, pois ela é muito mais comum do que se imagina. A tradição gnóstica, infelizmente, ocupa um espaço indevido no meio evangélico, especialmente em sua vertente carismática. Ao conceber a criação como estruturalmente má em algum aspecto, ela não consegue visualizá-la em sua integralidade e interdependência. Portanto, não consegue apreender o conceito de cosmovisão e, consequentemente, não compreende a exaustiva soberania de Deus sobre cada centímetro do universo. Por outro lado, a Teologia Reformada, estribada na justa compreensão da soberania de Deus, é capaz de prover os argumentos que sustentam o debate sobre qualquer tema, porque entende que todo conhecimento do mundo só é dotado de certeza se tiver como fundamento epistemológico a Palavra de Deus. Isso posto, não há obstáculo intelectual ou espiritual que nos impeça de discutir e entender o feminismo sob a ótica perfeita da Revelação Divina.

Antes de tratar do tema em sua relação específica com a Igreja, é importante traçar um breve panorama histórico do movimento feminista. Para facilitar, é possível dividir o movimento em três etapas:

1) Séc. XIX ao início do séc. XX: Apesar de alguns historiadores chamados de proto feministas defenderem que o feminismo tem alcance nos séculos anteriores, somente no século XIX as mulheres começaram a se organizar em torno de reivindicações sufragistas. Contextualizado na Europa e na América da segunda revolução industrial, o sufrágio feminino torna-se a grande bandeira do feminismo nesse período. Entretanto, o direito pleno ao voto só viria a ser alcançado nesses lugares no início do século XX.

2) Anos 50 até os anos 70: A segunda fase do movimento tem uma marca característica e distintiva: a absorção pelo feminismo de pressupostos marxistas, principalmente após o livro da pensadora existencialista/marxista Simone de Beauvoir: "O Segundo Sexo", de 1949. A máxima existencialista "a existência precede a essência" e a ideia que "não se nasce mulher, torna-se uma", conferiram a ao feminismo um viés político/ideológico anticapitalista, "revolucionário" e profundamente anticristão. O embrião da famigerada ideologia de gênero estava lançado, já que a definição de mulher passava a ser entendida como uma absurda e esquizofrênica  construção sociocultural. O feminismo deixa as claras seu viés diabólico,  as suas  características anticristãs e anti familiares se evidenciam em propostas e práticas que revelam um profundo ódio ao Criador e a sua criação .  

3) Anos 80 até os dias de hoje: A relação orgânica entre feminismo e marxismo leva ao conceito marxista/gramsciano de hegemonia cultural, daí a necessidade da articulação entre minorias "oprimidas" pelo capitalismo, que caracteriza essa fase. Mulheres, negros, homossexuais e outros são as principais "vítimas da opressão" burguesa, representada não só pela propriedade privada, mas pela família patriarcal repressora e pela religião cristã sustentadora "ideológica" dessa realidade. Os ataques ao capitalismo, a propriedade privada, a família e a religião são resultado da combinação de uma estratégia "revolucionária" para destruir o que eles chamam de "sistema capitalista opressor". Compreender a agenda do movimento feminista atual e suas implicações não só na vida secular, mas também na espiritual, é fundamental para responder os desafios que estão colocados diante da Igreja de Cristo. Responder sob a luz da Palavra ao feminismo que se incrusta na Igreja é tarefa atual e premente dos crentes que defendem sem concessões a ortodoxia bíblica. 

É muito importante compreendermos que o feminismo alcançou outro nível no ocidente, um nível alarmante de institucionalização. Nas sociedades pós cristãs europeia e norte-americana, os posicionamentos governamentais e jurídicos favoráveis ao aborto, a licenciosidade sexual, a ideologia de gênero e outras "liberdades" são cada vez mais constantes e mais incisivos. É uma realidade inegável. O  agravante é a absorção de tudo isso pelas pessoas e pela cultura, o que certamente favorece o avanço do feminismo aliado a outros movimentos de minoria que têm o mesmo ensejo. No caso do Brasil, desde o início dos anos dois mil, com o advento do petismo, o feminismo também abandonou seu perfil marginal e ganhou o status de política pública, levada a termo pelo Estado, abrindo espaço para manifestações bizarras e agressivas de grupos feministas contra a liberdade e símbolos religiosos. No mais, cabe aqui uma breve reflexão sobre a atualidade e o acerto do pensamento kuyperiano acerca da soberania das esferas da criação. Super Estados são sempre nocivos, sejam de esquerda ou de direita, porque invadem e se sobrepõe ilegitimamente sobre outras soberanias. Nos calar diante dessa constatação acaba nos fazendo cúmplices de totalitarismos de matizes diversas. Somos chamados, como crentes,  não só a repudiar categoricamente toda distorção da criação, mas também a propor, sob premissas bíblicas, formas legítimas de pensar e organizar a sociedade. Como parte desse esforço combinado de repúdio e propostas, está a urgência da Igreja em responder a altura o desafio maligno do feminismo.

Existe um falso dilema trazido para o nosso meio de que a Bíblia tem um viés sexista. Os arautos dessa heresia são os que liberalizam a hermenêutica, a exegese e o culto; são os que introduzem novidades heterodoxas permissivas que autorizam o governo eclesiástico e o igualitarismo femininos sem se preocuparem com a clara reprovação das Escrituras a tais práticas. Os textos bíblicos acerca desses assuntos são  evidentes e conclusivos. Tomemos, pois, o apóstolo Paulo como exemplo em 1 Coríntios 14: 34-37: As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para a mulher o falar na igreja. Porventura foi de vós que partiu a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós? Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor. Mas, se alguém ignora isto, ele é ignorado

Observemos, ainda,  o que nos exorta Paulo em 1 Timóteo 2: 11-15: A mulher aprenda em silêncio com toda a submissão. Pois não permito que a mulher ensine, nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão; salvar-se-á, todavia, dando à luz filhos, se permanecer com sobriedade na fé, no amor e na santificação. Pedro, outro apóstolo, corrobora a impropriedade do feminismo na Igreja; vejamos o que ele nos ensina em 1 Pedro 3:5-6: Porque assim se adornavam antigamente também as santas mulheres que esperavam em Deus, e estavam submissas a seus maridos; como Sara obedecia a Abraão, chamando-lhe senhor; da qual vós sois filhas, se fazeis o bem e não temeis nenhum espanto.

Ora, podem fazer objeções lançando mão do argumento de que as exortações são circunscritas aos costumes da época. Seria aceitável, se não houvesse a repetição das mesmas exortações e condenações em epístolas de autores diferentes. Continuaria aberto à aceitação de argumentos culturais se Paulo, no versículo 37 de 1 Coríntios 14, não afirmasse categoricamente que seus escritos naquele capítulo são mandamentos. Não há sustentação bíblica para o feminismo na Igreja. Atender a demandas femininas acima da Verdade é heresia, em que pese a pressão da cultura. O cortejo de moças e mulheres feministas na Igreja aumenta na proporção que aumentam as práticas heréticas. A submissão ao deus dessa era, que cega os incrédulos, faz suas vítimas dentro das nossas igrejas, muitas vezes avalizada por lideranças pastoralmente obtusas e desonestas. Ademais, temos aqui um erro comum, mas demasiadamente  grosseiro: o desejo idólatra de formatar Deus de acordo com o próprio ventre.

Um deus segundo o egoísmo da humanidade caída é traduzido no feminismo eclesiástico, na confusão panteísta entre Criador e criatura como se Deus pudesse ser machista ou feminista, homem ou mulher, macho ou fêmea. Finalmente, a lamentável e herética introdução do feminismo na igreja solapa regras litúrgicas fundamentais para ortodoxia e preservação da Verdade, causando um dano enorme na fiel aplicação do princípio do Sola Scriptura, seja no princípio regulador do culto, no governo da Igreja ou na pureza doutrinária. Portanto, não nos cabe julgar porque Deus conferiu ao homem e não a mulher a autoridade espiritual no lar ou na Igreja. Certamente, deve nos bastar a certeza e a gratidão por sua absoluta justiça, bondade e graça. Qualquer acréscimo ou diminuição de seus atributos não passa de ateísmo disfarçado!

Autor: Davi Peixoto
Divulgação: Reformados 21