30 de outubro de 2015

Ordenar que os demônios se manifestem e conversar com eles é bíblico?


O exorcismo, que é o ato de libertar uma pessoa sob o domínio de espíritos malignos, é uma prática bastante antiga. Não é somente vista no Cristianismo, mas também em outras religiões. Os xamânicos são um povo adepto de uma religião mística, sincrética e animista. Eles acreditavam que as pessoas poderiam ser dominadas por Satanás. Assim, os xamãs [magos ou feiticeiros] realizavam exorcismos.  

O ato de conversar com um espírito é uma crença pagã antiga, onde se acreditava que o conhecimento do nome da entidade espiritual que estava possuindo uma pessoa conferia poderes mágicos ao exorcista, que era capaz de expulsá-la do corpo da pessoa possessa e até destruí-la.

Champlin ressalta que os nomes de vários deuses pagãos nunca eram proferidos, e eram mantidos em segredo por temor que, conhecidos esses nomes, ficaria prejudicado o poder dessas divindades entre o povo, pois algo de sua distinção era prejudicado.1

A primeira referência sobre pessoas “possessas” foi descrita pelos sumérios, que é considerada a civilização mais antiga da humanidade. Os principais registros que temos acerca de pessoas sob o domínio de Satanás e de exorcismos está descrito nos Evangelhos, através do ministério de Jesus e com apenas um relato escrito no livro de Atos, através do ministério dos apóstolos.

No inicio do século 2, no período pós-apostólico, o exorcismo alcançou proeminência, conforme alguns registros do Cristianismo histórico atestam. Destarte, como era, então, a prática do exorcismo? Quem eram as pessoas que podiam realizar os exorcismos? Como era o processo? Ordenava-se que o demônio manifestasse e quem realizava o exorcismo conversava com ele?

O primeiro relato que temos na Escritura sobre “possessão” está em Marcos 1.21-26, onde Jesus, entrando numa sinagoga para ensinar às Escrituras, se depara com um homem dominado por um espírito maligno. Talvez no meio ou no final do discurso de Jesus, os demônios vociferam: Que temos nós contigo, Jesus Nazareno? Vieste para destruir-nos? Sei quem és tu, o Santo de Deus (vs.24). [Almeida Século 21] Jesus, porém, repreende os demônios, dizendo: Cala-te e sai dele (vs.25). [Almeida Século 21] E, imediatamente, Marcos escreve que o espírito maligno saiu do homem (vs.26). Perceba que, neste caso, Jesus não ordenou que o demônio manifestasse; ele apenas o repreendeu, ordenando que saísse do homem. Ainda, no capítulo 1.34 de Marcos, é dito que Jesus, ao realizar exorcismos, não permitia que os demônios falassem, porque eles sabiam quem ele era. [Almeida Século 21]

Outro caso relatado no Evangelho de Marcus é dos dois homens gerasenos (veja os paralelos em Mt 8.28-34; Mc 5.1-20; Lc 8.26-39). De acordo com o relato de Marcos 5.7-13, que descreve apenas um homem, podemos observar que, ao ver Jesus de longe, ele correu e se prostrou de joelhos aos seus pés, porque Jesus havia dito ao demônio que saísse daquele homem (vs.6-8). Em seguida, o Senhor pergunta qual é o nome daqueles demônios, que se denominaram de legião, pois eram muitos [uma legião romana de soldados era composta por cerca de 6000 soldados] (vs.9 para mais detalhes do diálogo, leia os vs.10-12). Nesse evento, portanto, observamos duas atitudes de Jesus em relação ao exorcismo:

1) Jesus não ordenou que os demônios manifestassem no homem ou nos homens dominados por eles. Quando viam Jesus, os demônios logo se manifestavam.

2) O diálogo de Jesus com a legião de demônios, além de ser um evento singular em seu ministério, não é um ensinamento para o ato de “entrevistar” demônios no exorcismo, como vemos nos “cultos” de libertação nas seitas neopentecostais, onde se fazem perguntas completamente ineptas aos “supostos demônios”.

O fato de Jesus perguntar o nome daquelas entidades não era porque ele não sabia quem eram aqueles demônios. O Deus filho encarnado é onisciente e bem sabia quem eram aqueles demônios; entretanto, a pergunta revela-nos a proeminência do seu poder sobre o poder dos demônios. Adolph Pohl corrobora que Jesus não perguntou o nome daqueles demônios por não saber, mas para demonstrar que tudo tem de ser entregue a ele.2

No evangelho de Mateus, é descrito no capítulo 9.32-34 que, após Jesus curar dois cegos (Mt 9.27-31), levaram até ele um homem mudo, sob o poder de Satanás; o demônio fez com que aquele homem ficasse mudo. Em seguida, Jesus expulsa o demônio daquele homem, que passou a falar. Novamente, não vemos nenhuma menção de Jesus ter ordenado que o demônio se manifestasse ou que houve algum diálogo. Ainda, em Mateus 15.21-28, no caso da filha da mulher cananeia, que também estava sob o poder demoníaco, Jesus simplesmente proferiu uma frase para a mãe da menina, dizendo que a sua filha estava liberta (veja o paralelo em Mc 7.29-30).

Retornando ao evangelho de Marcos 9.14-29, podemos observar o episódio de um jovem que estava sob o poder do demônio, que o fazia ter convulsões, de modo que ele espumava pela boca, rangia os dentes e, por muitas vezes, tentou matá-lo, lançando-o no fogo e na água (vs.18, 20, 22). Ao se deparar com esse rapaz, Jesus o liberta do poder de Satanás não ordenando que o demônio se manifestasse nem tampouco conversa com ele, mas simplesmente disse: 

Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele e nunca mais entre! [Almeida Século 21]

No livro de Atos, por sua vez, vemos apenas um único relato acerca de um exorcismo, que foi realizado por Paulo, em Atos 16.16-18, onde o apóstolo repreendeu [não ordenando nem conversando] o espírito maligno de uma jovem adivinhadora, dizendo: Eu te ordeno (ao espírito maligno) em nome de Jesus Cristo que saias dela. E na mesma hora ele saiu. [Almeida Século 21] Podem ter ocorrido alguns outros casos de exorcismos realizados pelos demais apóstolos, porém não foi da vontade de Deus registrá-los.

Portanto, Jesus e os apóstolos sequer utilizaram o método das religiões pagãs que supramencionamos no exorcismo; pelo contrário, repreendiam o demônio que possuía o indivíduo, ordenando-o que fosse embora. Além de ser alienada das Escrituras, a prática de ordenar a manifestação de entidades malignas e dialogar com as tais, conforme é visto nos “cultos” de libertação nas seitas neopentecostais, e os acréscimos engendrados pela mente humana existentes nesse tipo de exorcismo fraudulento é, sobretudo, herético e deve ser rejeitado. Que as igrejas voltem às Escrituras!   
    


NOTAS:

1. Russel Norman Champlin. Marcos, pág 696.
2. Comentário Esperança. Marcos, pág 122.



Autor: Leonardo Dâmaso
Divulgação: Reformados 21