A
Revelação Moderna e a Suficiência das Escrituras
1. A continuidade do
cânon: conclusão coerente dos que admitem novas revelações
Um pregador carismático chamado Leroy Garret, escreveu um
artigo sobre “o perfeito” de 1 Co 13:8, e nesse artigo, Garret chegou à conclusão
que todas as pessoas que afirmam ter revelações modernas deveriam chegar se quisessem
ser mais coerentes: o da continuidade do cânon.
Na verdade, Garret é mais
sincero e coerente com seu ponto de vista teológico, porque, se ele admite que
Deus ainda fala hoje verbalmente com seus filhos, nada impede de que Deus
queira falar algo mais do que já foi escrito. Eis o que ele diz:
Esta opinião apresenta alguns problemas formidáveis desde o início. Um deles é que a conclusão do cânon, seja no tempo ou de fato, não pode ser aceita como um regra rígida e inalterável.3
A grande preocupação que os
carismáticos têm com o cânon não é simplesmente com uma regra fixa de livros,
pois nenhum deles sugere escrever livros sagrados. A questão é que o cânon
valida o conteúdo da revelação como inspirado e inerrante, encerrando assim
qualquer tentativa de uma comunicação verbal igual a dos livros Sagrados, pois
trata-se de revelação divina. Se a revelação moderna não for validada nestes
termos, ela descaracterizará a pessoa que fala: Deus. Nunca podemos imaginar
que Deus fale algo sem inspiração e inerrância. Na verdade, os que se opõem ao
cânon querem admitir que ele não pode ter encerrado a antiga maneira de Deus falar,
visto que Deus ainda continua falando da mesma maneira que falou na época em
que os livros do Novo Testamento estavam sendo escritos, mas ao mesmo tempo não
querem admitir que Deus fale inspiradamente como foi no passado, o que consiste
numa incoerência teológica. Os pentecostais são muito precipitados em dizer que
Deus faz hoje as mesmas coisas que fez no passado, mas nunca levam este pensamento
até às últimas consequências. Vejamos o que diz o prefácio da BÍBLIA DE ESTUDO
PENTECOSTAL:
Nestes dez anos, ao escrever
as notas e estudos desta Bíblia, estou cada vez mais convicto de que o Espírito
Santo não está limitado às páginas das Escrituras, e que Ele deseja operar
hoje, como nos tempos bíblicos... O Espírito de Deus deseja operar na igreja e
através dela, do mesmo modo que operou no ministério terreno de Jesus, e que continuou
a operar na igreja apostólica do século I.”4
Mesmo depois de tal afirmação,
nenhum pentecostal admite que Deus continua a escrever a Bíblia nos dias de
hoje. Se admite-se que hoje o Espírito opera da mesma maneira que no passado,
onde estão as profecias e os escritos inspirados dos profetas modernos? Onde
estão as declarações infalíveis e autoritativas do Espírito para toda a igreja
cristã do século XX? É evidente que depois da era apostólica o Espírito não
continua a fazer as mesmas coisas que fez no passado, pois isso não é a vontade
de Deus. O autor da BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL comentou apenas os escritos da
época do Velho e Novo Testamentos, mas, por que não comenta as profecias e
revelações modernas? Parece-me que, para ele, o que o Espírito fala e revela
hoje não é tão importante quanto aquilo que falou no passado. Isto denuncia que
hoje, nem mesmo os pentecostais levam a sério a ideia de uma revelação
inspirada do Espírito igual ao que acontecia na era apostólica.
O maior de todos os problemas
com este ponto de vista é ter que admitir que hoje, como no passado, temos
entre nós profetas inspirados com os quais Deus ainda fala. Não há no Velho ou
Novo Testamentos a ideia de que Deus fala verbalmente com qualquer pessoa. Deus, somente, falou com profetas ou com aqueles que tinham um dom especial de revelação,
mas esses sempre falaram inspiradamente, (2 Pe 1:20-21). Ou eles terão de
admitir que as mensagens recebidas pelas novas revelações não são inspiradas,
nem autoritativas, nem infalíveis, sendo, portanto, opcional para a igreja crer
nelas como verdade de Deus. Mas, como pode a palavra de Deus ser opcional para o
seu povo, se os revelacionistas admitem que é tão necessário ouvir a voz de
Deus extra Escrituras ainda hoje?
Todos os que creem que Deus
fala hoje ao seu povo como falou no passado deveriam crer que nada impede a
Deus de comunicar verdades infalíveis e autoritativas hoje, como foi no
passado. Seria uma incoerência absurda não admitir isso!
2. A incoerência entre revelação moderna e fechamento do cânon
O que significa o fechamento
do cânon?
O fechamento do cânon
significa que Deus não continuará mais revelando sua Palavra de maneira
inspirada e infalível. O cânon pôs fim definitivamente a comunicação verbal de
Deus. A maior prova do que estou falando é o fato de que as revelações de hoje nada
trazem de novidade, nem o Novo Testamento aponta para futuras revelações de mistério,
além da volta de Cristo. Geralmente as novidades revelacionais modernas ou são heresias
que confrontam as doutrinas das Sagradas Escrituras, ou são assuntos que já foram
revelados nas Escrituras. Tenho ouvido muita gente contar o que Deus falou, e
nada mais é do que uma fraca imitação da linguagem e das ideias da Bíblia. Se
elas não trazem novidades, por serem proibidas nas Escrituras (Gl 1:7), e se
não devem trazer contradições, então, o que restará é que elas trarão o que já
está nas Escrituras. Dessa forma, é preferível ficar com as verdades já reveladas
das Escrituras porque são inspiradas.
Deus não poderia estar Se
comunicando verbalmente com Seu povo hoje, porque houve uma tremenda
fragmentação do Cristianismo. Muitas pessoas acham que Deus fala hoje do mesmo
modo do passado, mas se esquecem que no passado Deus só falou no contexto de
Israel ou da Igreja, e isso num contexto orgânico único, e não apenas espiritual.
Hoje, isso é completamente impossível, pois não existe mais o contexto orgânico
como havia em Israel e na Igreja da era apostólica. O contexto da igreja
moderna é apenas espiritual, pois há milhares de denominações e igrejas
espalhadas pelo mundo todo. Deus teria que ter milhares de mensagens para cada
igreja, e esse nunca foi o modelo bíblico. A verdade era a mesma verdade para
todo o povo de Deus. Não havia uma verdade para cada igreja, pois os princípios
espirituais da vontade de Deus era para a igreja como um todo. Todas as
verdades espirituais necessárias foram dadas a todo o povo de Deus, eis a razão
porque tantas cartas enviadas a todas aquelas igrejas da era apostólica fazem
parte do cânon para todo o povo de Deus hoje. É claro que isso, como foi no
passado, não pode estar acontecendo hoje!
Uma outra questão que implica
em incoerência dos revelacionistas é a busca de diretrizes fora do cânon. Isto
atesta que o cânon não é suficiente para o povo de Deus hoje. Algo mais tem de
ser buscado. Mas devemos perguntar ainda: Que peso de autoridade têm os
princípios de direção para o povo de Deus trazidos pelas novas revelações?
Muitos defendem que as novas revelações não ameaçam em nada a autoridade e
suficiência das Escrituras. Mas, como pode não ameaçar a autoridade das
Escrituras se toda revelação moderna requer que creiamos que Deus está falando
tão verdadeiramente quanto falou no passado? Se admitirmos que as novas
revelações têm um certo peso em autoridade para o povo de Deus, vamos ter que
admitir que as Escrituras Sagradas, em algum lugar, deixaram brecha para uma
nova revelação com um mesmo peso de credibilidade da Palavra escrita. A prova
do que estou falando está no fato de que, se essas novas revelações não
tivessem um certo peso de autoridade igual às Escrituras Sagradas, ninguém as
levaria a sério, nem as tomaria para sua vida. Vale salientar que os pentecostais
aceitam uma certa dose de autoridade da revelação moderna, mas ao mesmo tempo
não consideram-na como inspirada. No entanto, todos os revelacionistas querem nos
forçar a crer nas novas revelações usando sempre o exemplo de que Deus também falou
no passado. Isso nada mais é do que reivindicar a mesma autoridade das
Escrituras Sagradas (que foram comunicadas inspiradamente no passado) para suas
modernas revelações. Se eu disser que não acredito numa revelação que alguém
teve hoje, muitos se precipitarão em me condenar por minha incredulidade. Por
que isso? Porque eles exigem que eu creia naquela revelação da mesma forma como
eu creio nas Escrituras.
Mas, se Deus fala hoje como
falou no passado, por que Ele então não falaria inspiradamente como fez no
passado (2 Pe 1:20-21)? Por que então os revelacionistas não escrevem suas
revelações inspiradas e tornam-nas em milhares de Bíblias?
Devemos concluir que a maior
incoerência entre aqueles que acham que Deus faz as mesmas coisas hoje como fez
no passado é não admitir que Deus esteja escrevendo Bíblia hoje. Por que não?
Por que necessariamente Deus estaria Se comunicando verbalmente hoje, como fez
no passado, mas sem inspiração? Se as revelações modernas são para serem cridas
e obedecidas como Deus falando ao seu povo, por que não colocá-las no papel e enviá-las
às igrejas de Cristo espalhadas em todos os lugares do mundo? Ou elas não têm peso
para isto? Se não têm, para que servem, afinal?
3. Jack Deere: o carismático mais sincero do século XX
Jack Deere é um pregador
americano, membro da sociedade Vineyard de John Wimber, um dos mais recentes
movimentos proféticos de nossa época. Jack Deere escreveu vários livros, dentre
eles o que se chama SURPREENDIDO PELA VOZ DE DEUS. Deere, hoje, conta com o
descrédito da comunidade teológica histórica americana por uma teologia
pervertida a partir de suas errôneas interpretações das Escrituras e de suas próprias
experiências. Entre os vários erros de Deere, está a atribuição da doutrina da Suficiência
das Escrituras sagradas a uma doutrina demoníaca. Eis o que ele diz:
A fim de cumprir os mais altos
propósitos de Deus para nossas vidas, nós devemos ser capazes de ouvir a Sua
voz tanto na palavra escrita, quanto na palavra fresca falada dos
céus... Satanás entende a importância estratégica dos crentes ouvirem a voz de Deus,
portanto, ele tem lançado vários ataques contra nós nesta área. Um dos seus
mais vitoriosos ataques tem sido o desenvolvimento de uma doutrina que ensina
que Deus não nos fala mais, exceto, através da palavra escrita. Afinal, essa
doutrina é demoníaca, muito embora, teólogos crentes têm sido usados para
aperfeiçoa-la.” (Deere’s response to The Briefing- sight na internet) Esta
citação está em seu livro SURPREENDIDO PELA VOZ DE DEUS, publicado em português
pela editora Vida.
Jack Deere é sincero em chegar
a essa conclusão. Para ele, a ideia de Suficiência das Escrituras amarra a Deus
de continuar falando ainda hoje. Este pensamento deveria estar na mente de
todos aqueles que admitem novas revelações e novas comunicações verbais de Deus
hoje. Um verdadeiro crente reformado nunca admitiria novas revelações, pois a primeira
coisa que ele teria de abandonar seria a doutrina da Suficiência das
Escrituras. Desde o início venho chamando-o de “o carismático mais sincero”
porque ele crê em novas revelações em detrimento da doutrina da Suficiência das
Escrituras, enquanto muitos estão dentro das igrejas reformadas afirmando que
creem em novas revelações e ainda afirmam que creem na Suficiência das
Escrituras. Isso consiste em uma contradição absurda. Todos os que começaram
ouvindo a voz de Deus acabaram por abandonar a Sua Palavra escrita em algum
ponto. Jack Deere é uma prova disso.
Todas as pessoas envolvidas
com revelações, dificilmente terão maturidade para decidir entre uma nova
revelação e as Escrituras Sagradas quando entrarem em contradição e
houver jogo de interesses por parte dos que trazem as revelações. Por esse motivo,
eles nunca deveriam falar em Suficiência das Escrituras. Aquilo que é
suficiente não necessita nunca de algo mais.
Um ponto de vista
tremendamente bizarro é o de Wayne Grudem, um erudito batista, que se diz
reformado e que tem sido criticado por muitos eruditos modernos, pelo fato de
tentar afirmar a suficiência das Escrituras5 e, ao mesmo tempo, admitir um tipo de profecia revelacional não inspirada para os dias de hoje. É
ele quem recomenda o livro de Jack Deere na contra capa de SURPREENDIDO PELA
VOZ DE DEUS.6 Isto é prova de que a soma de um ponto de vista
revelacionista com um ponto de vista reformado sempre causará uma terrível
confusão de ideias. Como Jack Deere, ninguém poderá ser reformado e
revelacionista moderno ao mesmo tempo.
4. Os Mórmons, os Adventistas e as Testemunhas de Jeová levaram mais a
sério a ideia de revelação moderna do que o profetismo dos nossos dias
Os grupos heréticos como o
Mormonismo e os Adventistas do Sétimo Dia entenderam melhor a natureza da
revelação do que os movimentos proféticos modernos dentro da cristandade
protestante. Os Mórmons entenderam tão bem que uma nova revelação implica em
canonicidade, que formaram mais dois livros proféticos para completarem a
Bíblia: Doutrina e Convênios, que são profecias de Joseph Smith, e Pérola de
Grande Valor, também escritos proféticos (segundo eles) que tratam da história
de Abraão no Egito. Para os Mórmons, esses escritos têm peso de Escritura
porque são revelações, e eles não admitem que Deus tenha dado revelação sem
canonicidade.
O mesmo se pode dizer dos
Adventistas do Sétimo Dia com os escritos proféticos de Ellen G. White. O livro
das profecias de White acompanham o pregador sempre que ele sobe ao púlpito,
juntamente com a Bíblia. Os escritos dela são considerados como escritos inspirados.
Eles levaram tão a sério a profecia que várias vezes profetizaram o fim do mundo
e o advento de Cristo. Eis a razão por que foram chamados de Adventistas. A postura
deles estava certo em relação à concepção que eles tinham da revelação. Toda profecia
era Deus falando e toda revelação era inspirada. Essa foi a razão dos Adventistas
serem conhecidos como um movimento profético do século XIX.
Com as Testemunhas de Jeová já
foi um pouco diferente. Eles não escreveram livros sagrados, mas levaram a sério as profecias de seus líderes de tal maneira que, ao estilo dos Adventistas,
esperaram várias vezes o fim do mundo e o Armagedom. Isso só foi possível por
causa da concepção que eles tinham da revelação profética.
É incrível que grupos
heréticos tenham entendido tão bem o papel da revelação, enquanto que os
pentecostais/carismáticos de nosso tempo têm desqualificado o conceito da
revelação e da profecia. Para essas seitas, a revelação e a profecia têm
caráter inspirado porque são divinos. Já para os pentecostais, esse caráter de inspiração
não existe. Revelação e Profecia é algo tão comum quanto cantar um hino ou
fazer uma oração. Eles mudaram e desqualificaram o termo “profecia” e
“revelação”. No movimento pentecostal, “profecia” e “revelação” não têm o mesmo
sentido do Velho e Novo Testamentos em termos de inspiração, mesmo afirmando
que Deus está falando por intermédio de uma pessoa.
Para os
pentecostais/carismáticos do nosso tempo, tanto revelação quanto profecia é
algo tão corriqueiro que Deus fala com os pecadores como dois homens que conversam
sobre qualquer assunto. Para eles, a revelação nada tem a ver com inspiração ou
comunicação divina, como entenderam os grupos heréticos já citados.
Sobre esse assunto, vejamos
mais uma incoerência de Jack Deere sobre a maneira de Deus falar hoje com Seu
povo:
Assim, numa leitura prima
facie das Escrituras, qualquer pessoa esperaria Deus continuando a comunicar-Se
com seus filhos durante toda a era da igreja com a mesma variedade de métodos
que Ele sempre usou. (Deere’s response to The Briefing- sight na internet)
Esta é a marca registrada da
incoerência da maioria dos pentecostais/carismáticos de nossa época. Como pode
alguém admitir que Deus fala ainda hoje utilizando os mesmos métodos que ele
sempre usou, sem levar em consideração o método inspirado de revelar as verdades
que ficaram escritas no Velho e Novo Testamentos? Se perguntarmos aos
pentecostais/carismáticos se eles têm profecias e novas revelações, eles afirmam
positivamente, porém se perguntarmos se essas profecias e revelações são
inspiradas, eles negam. Assim, nem os pentecostais admitem realmente que Deus
esteja utilizando os mesmos métodos do passado.
Uma outra grande incoerência e
falta de evidências conclusivas está ainda nas palavras de Deere:
Nós também cremos que Deus
nunca pretendeu que a Sua comunicação com o homem fosse finalizada pela Sua
palavra escrita; tal doutrina não é ensinada, nem pelo exemplo, nem pelos
preceitos no Velho ou Novo Testamento.” (Deere’s
response to The Briefing-sight na internet)
Com essa afirmação, Deere diz
que Deus nunca cessou de falar por causa da Palavra escrita, no entanto, ele
não mostra sequer um pedaço de Bíblia que tenha sido escrita pela continuação
da comunicação verbal de Deus com o homem. Parece que o método continuou, mas a
natureza do conteúdo mudou radicalmente. Se Deus não cessou sua comunicação
verbal, onde estão os escritos dos profetas modernos? Não afirma Deere que tudo
continua da mesma forma como era antes? Onde, pois, estão as grandes revelações
e profecias inspiradas trazidas para o povo de Deus como um todo?
Na verdade, afirmar que Deus
está realizando as mesmas coisas do passado consiste numa maneira grosseira de
se querer validar algo no presente que nada tem a ver com o que Deus já
realizou no passado.
5. A ausência de qualquer evidência moderna de profetismo escriturístico é
a maior prova de iluminação e não de revelação
Que tipo de revelação temos
hoje que Deus nada mais revela ao seu povo, além de casamentos, negócios e
interesses particulares? A revelação moderna é tipicamente egoística. Ela gira
em torno de pessoas e de pequenos grupos que a utilizam para um consumo
particular e interesseiro. Já vimos anteriormente que esse modelo de revelação não
é natural da igreja da era apostólica. A revelação da igreja apostólica era
para a igreja, e destinava-se à igreja. Todo uso particular dos dons era proibido.
Os termos revelação e profecia eram entendidos na igreja de Corinto como eram
entendidos pelos apóstolos, pois aquela era a era apostólica da revelação e da
profecia. Além do mais, é Paulo, o apóstolo das revelações, que trata dos
assuntos de revelação e profecia. Nunca podemos imaginar que o apóstolo Paulo,
apóstolo inspirado, esteja falando de um outro tipo de revelação e profecia
quando escreveu à igreja de Corinto, pois isso causaria tamanha confusão, pois
ele mesmo incluiu-se entre aqueles que profetizavam, porque em parte conhecemos
e em parte profetizamos (1 Co 13:9). Ora, se Paulo disse que profetizava em
parte como os profetas de Corinto, então ele não podia estar falando de
profecia sem ser inspirada. Como poderíamos imaginar um apóstolo profetizando
sem inspiração? Além desse argumento, o Novo Testamento não faz nenhuma
distinção entre dois tipos de profecia. Jamais encontraremos provas bíblicas
para que os apóstolos tivessem em mente dois tipos de revelação e dois tipos de
profecia.
Se a profecia da era
apostólica está presente hoje, onde estão os profetas inspirados? O que a
igreja moderna produziu até os dias atuais com as revelações e profecias?
Parece-me que, depois da era apostólica, em dois mil anos, nada significante foi
escriturado para as igrejas de Cristo. Isso significa que a revelação moderna
tem atendido muito mais a interesses particulares do que à igreja, como foi no
passado.
A verdade é que a revelação
moderna não é inspirada, por isso ela nunca produzirá nada de novo na igreja de
Cristo. A profecia moderna corresponde a um mar de subjetivismo não
averiguável. Eis o que diz Jack Deere contra toda a realidade do que podemos
presenciar nos nossos dias:
Alguém que acredita que Deus
fala hoje, não acredita em nada diferente de Jesus e os apóstolos. Eles foram
capazes de ouvir Deus falar numa variedade de maneiras ao longo das Escrituras.
São eles que demonstram que é possível ouvir a voz de Deus fora da Palavra
escrita, e sem ser lançado à deriva num puro mar subjetivo de sentimentos alheios.
(Deere’s response to The Briefing- sight
na internet)
Aqui faltou uma pitadinha de
sinceridade em Deere, pois ele mesmo não deveria se enganar, já que convive
tanto com o revelacionismo da Vineyard, onde se vê que o profetismo moderno é
puro subjetivismo. Com tão pouco envolvimento, qualquer cristão descobrirá
isso. Por que aqui Deere tem que ser tão insincero?
6. O engano da idoneidade
É muito comum ouvirmos o
argumento de que não podemos duvidar de pessoas idôneas que tiveram revelações
e ouviram a voz de Deus. Quem usa este argumento para crer em tudo o que lhe
aparece às vistas não leva em conta que os melhores homens dentre a humanidade
podem errar. A história mostra que as piores heresias saíram do meio de homens
piedosos e de oração. As grandes heresias da história da igreja surgiram depois
que alguém desceu a um bosque para orar, ou depois de uma reunião de oração domiciliar.
A sociedade Vineyard de John Wimber também começou assim. A maioria dessas
pessoas sempre foi reconhecida pelo bom caráter e pela sua idoneidade. Conheço vários
irmãos que não posso nem sequer pensar em duvidar de sua integridade moral e espiritual,
mas infelizmente estão no caminho dos piores erros teológicos modernos. A verdade
é que tem muita gente sincera enganada. Também nunca devemos nos esquecer que
mesmo que as pessoas pareçam ser honestas para conosco, elas podem ser
desonestas para com Deus. Essa é a razão pela qual, em matéria de revelação,
nunca podemos acreditar em homens falíveis. Isso significa que não pode haver
credibilidade hoje nas pessoas, mesmo as mais idôneas, que dizem ter tido revelações,
porque elas não têm credenciais de profeta inspirado.
Um fato muito esquecido
atualmente é que, no Velho e Novo Testamento, todas as pessoas que disseram que
receberam “uma palavra revelada de Deus” para alguém, ou foi profeta ou foi
apóstolo, ou alguém ligado aos apóstolos. Hoje, a igreja tornou a ideia de revelação
algo tão corriqueiro que, em qualquer esquina e a qualquer hora, qualquer pessoa
pode ter uma “palavra revelada de Deus” para alguém.
Um outro fator muito importante
que tem sido esquecido é a questão da fé no subjetivo. No mundo dos homens não
podemos acreditar em qualquer coisa, sem que haja objetividade (verdades
científicas e fatos evidentes do cotidiano) ou condições de averiguação. Por
que com respeito à revelação de Deus tem que ser diferente? Quando alguém diz
que recebeu uma revelação e uma outra pessoa contesta, muitos protestam e até
chamam o irmão questionador de “incrédulo”. Mas se a pessoa que trouxe a
revelação não é profeta inspirado e nem infalível na revelação que traz, por
que então sua palavra tem que ser crida indiscutivelmente como se fosse uma verdade
inspirada? É pura tolice acreditar em alguém simplesmente porque ela afirma: Assim diz o Senhor. Nunca podemos
acreditar no subjetivo religioso, a menos que seja inspirado. Qual a credencial
que alguém tem para me fazer acreditar que Deus está falando por ele? Como
posso acreditar que Deus esteja dando Suas palavras para mim através de alguém
sem credenciais de profeta inspirado? Ora, se a palavra que alguém traz de Deus
para mim não é inspirada, nem infalível, então é mero palpite ou sugestão. Só
podemos crer no subjetivo religioso, sem averiguação, pela fé. Mas só podemos ter
fé naquilo que é inspirado e infalível.
A ideia de uma revelação
falível da parte de Deus é teologicamente errada, pois ela implica em um
retrocesso na maneira de Deus falar ao Seu povo. Como entender o fato de Deus
ter falado ao Seu povo, no passado, de maneira inspirada e autoritativa, e agora falar de forma não inspirada? Mudou Deus sua maneira de falar? Isso certamente
implicaria em uma involução no processo da comunicação de Deus com o homem. Não
dizem os revelacionistas que Deus está fazendo hoje as mesmas coisas do
passado? Por que então não reabrir o cânon e continuar escrevendo a Bíblia até
a volta de Cristo? Exatamente porque a maneira revelacional de Deus falar já
cessou na era apostólica. Hoje a igreja depende da iluminação das Sagradas
Escrituras pelo Espírito de Deus.
O
teste do profeta - Dt 18:20-22
No Velho Testamento, o
julgamento do profeta era entre o falso profeta e o profeta verdadeiro. Esse
julgamento não consistia de julgamento de determinados conteúdos de certas
profecias que porventura viessem a falhar, como é proposto hoje pelo profetismo
moderno. Bastava uma profecia não se cumprir e aquele era o falso profeta que deveria
morrer. Isso significa que os profetas de Deus nunca disseram uma palavra
profética errada, caso contrário, morreriam. Nunca podemos imaginar Isaías,
Jeremias e Daniel, ora falando coisas inspiradas e ora falando coisas de suas
próprias ideias para o povo. Essa era a única e verdadeira credencial do
verdadeiro profeta de Deus: ele nunca errava porque Deus nunca erra.
Mudou Deus Seu critério de
avaliação do verdadeiro profeta no Novo Testamento e hoje? É evidente que não!
Primeiramente, se este fosse o caso, Deus estaria mudando Sua maneira de lidar
com o pecado. No Velho Testamento o profeta não era credenciado pela quantidade
de verdade ou falsidade que viesse a profetizar, e sim por uma única e simples palavra
que não fosse verdadeira. Falsa profecia é pecado. Deus já tratou desse tipo de
pecado em sua lei moral, (Dt 18:20-22), e não podemos crer que Ele mudou Sua
lei moral no Novo Testamento. Em segundo lugar, a avaliação do profeta sempre
foi entre o falso e o verdadeiro profeta, e não entre uma palavra falsa e outra
verdadeira de um mesmo profeta. Essa última avaliação é o que tem sido usado
muito hoje em dia nas igrejas carismáticas, e é a proposta de muitos eruditos
modernos sobre as revelações e profecias do nosso tempo.7 Esse tipo
de avaliação tem feito com que muitos “profetas” permaneçam ainda com
credibilidade nos meios eclesiásticos, mesmo depois de cometer os mais absurdos
erros proféticos do nosso tempo. Enquanto o profeta em Israel deveria morrer por
causa do erro profético, nos nossos dias eles são até idolatrados, mesmo depois
de terem errado até sobre a pretensa data do fim do mundo.
Enquanto os profetas do Velho
Testamento deveriam morrer pela falsidade que levantaram dizendo que Deus
disse, quando na verdade Ele não disse, hoje os falsos profetas estão nas
igrejas imunes a qualquer repreensão por suas loucuras revelacionais. Acaso
Deus mudou o tratamento para com aqueles que afirmam que Deus falou, quando Ele
não falou?
No passado, sempre que Deus
falava com um profeta, ele tinha impressão que ia morrer. A experiência era tão
contrastante entre um Deus santíssimo e um homem pecador que o profeta pensava
que era chegado o seu fim. Na presença de Deus os homens devem “ir ao chão”.
Mas hoje as coisas estão tão diferentes que as pessoas conversam com Deus, veem
a Cristo e ouvem Sua voz como se estivessem conversando com outro pecador.
Muitas pessoas contam suas conversas com Deus com o maior orgulho de terem
conversado com ele.
O
critério para avaliar e julgar qualquer experiência
Em 2 Pedro 1:16-21, o apóstolo
nos ensina como devemos avaliar alguma experiência que, porventura, alguém
tente nos fazer crer.
Nos versos 16-18, o apóstolo
nos diz que o seu conhecimento de Cristo não foi uma fábula engenhosamente
inventada. Ele mesmo teve uma experiência do Cristo vivo no Monte da
Transfiguração. Pedro, de fato, ouviu a voz de Deus quando estava com Jesus, (v.18).
Mas ele nos diz que somente o fato dele contar sua experiência não é suficiente
para validá-la como uma verdade firme, para isso é necessário que haja um teor
profético inspirado (vv.19-21). O que Pedro está dizendo, afinal? Ele quer
dizer que nós nunca devemos dar ouvidos a alguma experiência de revelação, a
menos que seja de caráter profético inspirado. Além disso, ele afirma que a
palavra profética das Escrituras é mais segura do que a mera experiência
contada por alguém.
Se Pedro estava comparando sua
experiência com as Escrituras, e afirmando um grau de credibilidade maior para
as Escrituras, por que hoje teríamos que dar mais ouvido às experiências do que
às Escrituras? É exatamente isso que os movimentos revelacionistas fazem: eles
acabam dando mais crédito às experiências do que às Escrituras. Se fosse o contrário,
não haveria tanta ênfase na busca de revelações por parte dos crentes carismáticos.
A verdade é que a experiência da revelação moderna nada vale para nós se não
tiver um caráter inspirado, o que é impossível hoje.
Parece-me que o Deus que Se
revela hoje não é mais aquele que revelou-se a Moisés e aos profetas da antiguidade.
O Deus de hoje não mais revela
coisas tão grandes como no passado. Além disso, não fala mais a toda igreja
como um organismo, nem fala mais inspirado, nem autoritativamente. Seus
profetas de hoje, mesmo mentirosos, ainda são considerados profetas
verdadeiros e continuam no meio do povo dizendo assim diz o Senhor, quando o Senhor nada lhes falou. Se este é o Deus que Se revela
na revelação moderna, é preferível ficar o Deus da velha revelação: A
ESCRITURA.
NOTAS:
3. O que é o Perfeito, p. 1
4. Bíblia de Estudo Pentecostal, prefácio do autor, Casa Publicadora das Assembleias de Deus.
5. Wayne Grudem. Systematic Theology, p. 128, Zondervan, Michingan,
1994.
6. O que me faz achar no
mínimo sintomático é que Wayne Grudem (que se diz reformado e aceito por muitos
autores reformados) recomenda a leitura dos livros de Jack Deere.
7. Esta é a tese de Wayne
Grudem, em seu livro The gift of Prophecy in The New Testament and Today, que
tenta validar o movimento profético moderno como o mesmo do Novo Testamento.
Autor:
Moisés Bezerril
Fonte:
Monergismo