28 de maio de 2016

É possível Deus falar hoje fora das Escrituras? (4/4)


A Revelação Moderna e a Suficiência das Escrituras

1. A continuidade do cânon: conclusão coerente dos que admitem novas revelações

Um pregador carismático chamado Leroy Garret, escreveu um artigo sobre “o perfeito” de 1 Co 13:8, e nesse artigo, Garret chegou à conclusão que todas as pessoas que afirmam ter revelações modernas deveriam chegar se quisessem ser mais coerentes: o da continuidade do cânon.

Na verdade, Garret é mais sincero e coerente com seu ponto de vista teológico, porque, se ele admite que Deus ainda fala hoje verbalmente com seus filhos, nada impede de que Deus queira falar algo mais do que já foi escrito. Eis o que ele diz:

Esta opinião apresenta alguns problemas formidáveis desde o início. Um deles é que a conclusão do cânon, seja no tempo ou de fato, não pode ser aceita como um regra rígida e inalterável.3

A grande preocupação que os carismáticos têm com o cânon não é simplesmente com uma regra fixa de livros, pois nenhum deles sugere escrever livros sagrados. A questão é que o cânon valida o conteúdo da revelação como inspirado e inerrante, encerrando assim qualquer tentativa de uma comunicação verbal igual a dos livros Sagrados, pois trata-se de revelação divina. Se a revelação moderna não for validada nestes termos, ela descaracterizará a pessoa que fala: Deus. Nunca podemos imaginar que Deus fale algo sem inspiração e inerrância. Na verdade, os que se opõem ao cânon querem admitir que ele não pode ter encerrado a antiga maneira de Deus falar, visto que Deus ainda continua falando da mesma maneira que falou na época em que os livros do Novo Testamento estavam sendo escritos, mas ao mesmo tempo não querem admitir que Deus fale inspiradamente como foi no passado, o que consiste numa incoerência teológica. Os pentecostais são muito precipitados em dizer que Deus faz hoje as mesmas coisas que fez no passado, mas nunca levam este pensamento até às últimas consequências. Vejamos o que diz o prefácio da BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL:

Nestes dez anos, ao escrever as notas e estudos desta Bíblia, estou cada vez mais convicto de que o Espírito Santo não está limitado às páginas das Escrituras, e que Ele deseja operar hoje, como nos tempos bíblicos... O Espírito de Deus deseja operar na igreja e através dela, do mesmo modo que operou no ministério terreno de Jesus, e que continuou a operar na igreja apostólica do século I.”4

Mesmo depois de tal afirmação, nenhum pentecostal admite que Deus continua a escrever a Bíblia nos dias de hoje. Se admite-se que hoje o Espírito opera da mesma maneira que no passado, onde estão as profecias e os escritos inspirados dos profetas modernos? Onde estão as declarações infalíveis e autoritativas do Espírito para toda a igreja cristã do século XX? É evidente que depois da era apostólica o Espírito não continua a fazer as mesmas coisas que fez no passado, pois isso não é a vontade de Deus. O autor da BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL comentou apenas os escritos da época do Velho e Novo Testamentos, mas, por que não comenta as profecias e revelações modernas? Parece-me que, para ele, o que o Espírito fala e revela hoje não é tão importante quanto aquilo que falou no passado. Isto denuncia que hoje, nem mesmo os pentecostais levam a sério a ideia de uma revelação inspirada do Espírito igual ao que acontecia na era apostólica.

O maior de todos os problemas com este ponto de vista é ter que admitir que hoje, como no passado, temos entre nós profetas inspirados com os quais Deus ainda fala. Não há no Velho ou Novo Testamentos a ideia de que Deus fala verbalmente com qualquer pessoa. Deus, somente, falou com profetas ou com aqueles que tinham um dom especial de revelação, mas esses sempre falaram inspiradamente, (2 Pe 1:20-21). Ou eles terão de admitir que as mensagens recebidas pelas novas revelações não são inspiradas, nem autoritativas, nem infalíveis, sendo, portanto, opcional para a igreja crer nelas como verdade de Deus. Mas, como pode a palavra de Deus ser opcional para o seu povo, se os revelacionistas admitem que é tão necessário ouvir a voz de Deus extra Escrituras ainda hoje?

Todos os que creem que Deus fala hoje ao seu povo como falou no passado deveriam crer que nada impede a Deus de comunicar verdades infalíveis e autoritativas hoje, como foi no passado. Seria uma incoerência absurda não admitir isso!

2. A incoerência entre revelação moderna e fechamento do cânon

O que significa o fechamento do cânon?

O fechamento do cânon significa que Deus não continuará mais revelando sua Palavra de maneira inspirada e infalível. O cânon pôs fim definitivamente a comunicação verbal de Deus. A maior prova do que estou falando é o fato de que as revelações de hoje nada trazem de novidade, nem o Novo Testamento aponta para futuras revelações de mistério, além da volta de Cristo. Geralmente as novidades revelacionais modernas ou são heresias que confrontam as doutrinas das Sagradas Escrituras, ou são assuntos que já foram revelados nas Escrituras. Tenho ouvido muita gente contar o que Deus falou, e nada mais é do que uma fraca imitação da linguagem e das ideias da Bíblia. Se elas não trazem novidades, por serem proibidas nas Escrituras (Gl 1:7), e se não devem trazer contradições, então, o que restará é que elas trarão o que já está nas Escrituras. Dessa forma, é preferível ficar com as verdades já reveladas das Escrituras porque são inspiradas. 

Deus não poderia estar Se comunicando verbalmente com Seu povo hoje, porque houve uma tremenda fragmentação do Cristianismo. Muitas pessoas acham que Deus fala hoje do mesmo modo do passado, mas se esquecem que no passado Deus só falou no contexto de Israel ou da Igreja, e isso num contexto orgânico único, e não apenas espiritual. Hoje, isso é completamente impossível, pois não existe mais o contexto orgânico como havia em Israel e na Igreja da era apostólica. O contexto da igreja moderna é apenas espiritual, pois há milhares de denominações e igrejas espalhadas pelo mundo todo. Deus teria que ter milhares de mensagens para cada igreja, e esse nunca foi o modelo bíblico. A verdade era a mesma verdade para todo o povo de Deus. Não havia uma verdade para cada igreja, pois os princípios espirituais da vontade de Deus era para a igreja como um todo. Todas as verdades espirituais necessárias foram dadas a todo o povo de Deus, eis a razão porque tantas cartas enviadas a todas aquelas igrejas da era apostólica fazem parte do cânon para todo o povo de Deus hoje. É claro que isso, como foi no passado, não pode estar acontecendo hoje!

Uma outra questão que implica em incoerência dos revelacionistas é a busca de diretrizes fora do cânon. Isto atesta que o cânon não é suficiente para o povo de Deus hoje. Algo mais tem de ser buscado. Mas devemos perguntar ainda: Que peso de autoridade têm os princípios de direção para o povo de Deus trazidos pelas novas revelações? Muitos defendem que as novas revelações não ameaçam em nada a autoridade e suficiência das Escrituras. Mas, como pode não ameaçar a autoridade das Escrituras se toda revelação moderna requer que creiamos que Deus está falando tão verdadeiramente quanto falou no passado? Se admitirmos que as novas revelações têm um certo peso em autoridade para o povo de Deus, vamos ter que admitir que as Escrituras Sagradas, em algum lugar, deixaram brecha para uma nova revelação com um mesmo peso de credibilidade da Palavra escrita. A prova do que estou falando está no fato de que, se essas novas revelações não tivessem um certo peso de autoridade igual às Escrituras Sagradas, ninguém as levaria a sério, nem as tomaria para sua vida. Vale salientar que os pentecostais aceitam uma certa dose de autoridade da revelação moderna, mas ao mesmo tempo não consideram-na como inspirada. No entanto, todos os revelacionistas querem nos forçar a crer nas novas revelações usando sempre o exemplo de que Deus também falou no passado. Isso nada mais é do que reivindicar a mesma autoridade das Escrituras Sagradas (que foram comunicadas inspiradamente no passado) para suas modernas revelações. Se eu disser que não acredito numa revelação que alguém teve hoje, muitos se precipitarão em me condenar por minha incredulidade. Por que isso? Porque eles exigem que eu creia naquela revelação da mesma forma como eu creio nas Escrituras.

Mas, se Deus fala hoje como falou no passado, por que Ele então não falaria inspiradamente como fez no passado (2 Pe 1:20-21)? Por que então os revelacionistas não escrevem suas revelações inspiradas e tornam-nas em milhares de Bíblias?

Devemos concluir que a maior incoerência entre aqueles que acham que Deus faz as mesmas coisas hoje como fez no passado é não admitir que Deus esteja escrevendo Bíblia hoje. Por que não? Por que necessariamente Deus estaria Se comunicando verbalmente hoje, como fez no passado, mas sem inspiração? Se as revelações modernas são para serem cridas e obedecidas como Deus falando ao seu povo, por que não colocá-las no papel e enviá-las às igrejas de Cristo espalhadas em todos os lugares do mundo? Ou elas não têm peso para isto? Se não têm, para que servem, afinal? 

3. Jack Deere: o carismático mais sincero do século XX

Jack Deere é um pregador americano, membro da sociedade Vineyard de John Wimber, um dos mais recentes movimentos proféticos de nossa época. Jack Deere escreveu vários livros, dentre eles o que se chama SURPREENDIDO PELA VOZ DE DEUS. Deere, hoje, conta com o descrédito da comunidade teológica histórica americana por uma teologia pervertida a partir de suas errôneas interpretações das Escrituras e de suas próprias experiências. Entre os vários erros de Deere, está a atribuição da doutrina da Suficiência das Escrituras sagradas a uma doutrina demoníaca. Eis o que ele diz:

A fim de cumprir os mais altos propósitos de Deus para nossas vidas, nós devemos ser capazes de ouvir a Sua voz tanto na palavra escrita, quanto na palavra fresca falada dos céus... Satanás entende a importância estratégica dos crentes ouvirem a voz de Deus, portanto, ele tem lançado vários ataques contra nós nesta área. Um dos seus mais vitoriosos ataques tem sido o desenvolvimento de uma doutrina que ensina que Deus não nos fala mais, exceto, através da palavra escrita. Afinal, essa doutrina é demoníaca, muito embora, teólogos crentes têm sido usados para aperfeiçoa-la.” (Deere’s response to The Briefing- sight na internet) Esta citação está em seu livro SURPREENDIDO PELA VOZ DE DEUS, publicado em português pela editora Vida.

Jack Deere é sincero em chegar a essa conclusão. Para ele, a ideia de Suficiência das Escrituras amarra a Deus de continuar falando ainda hoje. Este pensamento deveria estar na mente de todos aqueles que admitem novas revelações e novas comunicações verbais de Deus hoje. Um verdadeiro crente reformado nunca admitiria novas revelações, pois a primeira coisa que ele teria de abandonar seria a doutrina da Suficiência das Escrituras. Desde o início venho chamando-o de “o carismático mais sincero” porque ele crê em novas revelações em detrimento da doutrina da Suficiência das Escrituras, enquanto muitos estão dentro das igrejas reformadas afirmando que creem em novas revelações e ainda afirmam que creem na Suficiência das Escrituras. Isso consiste em uma contradição absurda. Todos os que começaram ouvindo a voz de Deus acabaram por abandonar a Sua Palavra escrita em algum ponto. Jack Deere é uma prova disso.

Todas as pessoas envolvidas com revelações, dificilmente terão maturidade para decidir entre uma nova revelação e as Escrituras Sagradas quando entrarem em contradição e houver jogo de interesses por parte dos que trazem as revelações. Por esse motivo, eles nunca deveriam falar em Suficiência das Escrituras. Aquilo que é suficiente não necessita nunca de algo mais.

Um ponto de vista tremendamente bizarro é o de Wayne Grudem, um erudito batista, que se diz reformado e que tem sido criticado por muitos eruditos modernos, pelo fato de tentar afirmar a suficiência das Escrituras5 e, ao mesmo tempo, admitir um tipo de profecia revelacional não inspirada para os dias de hoje. É ele quem recomenda o livro de Jack Deere na contra capa de SURPREENDIDO PELA VOZ DE DEUS.6 Isto é prova de que a soma de um ponto de vista revelacionista com um ponto de vista reformado sempre causará uma terrível confusão de ideias. Como Jack Deere, ninguém poderá ser reformado e revelacionista moderno ao mesmo tempo.

4. Os Mórmons, os Adventistas e as Testemunhas de Jeová levaram mais a sério a ideia de revelação moderna do que o profetismo dos nossos dias

Os grupos heréticos como o Mormonismo e os Adventistas do Sétimo Dia entenderam melhor a natureza da revelação do que os movimentos proféticos modernos dentro da cristandade protestante. Os Mórmons entenderam tão bem que uma nova revelação implica em canonicidade, que formaram mais dois livros proféticos para completarem a Bíblia: Doutrina e Convênios, que são profecias de Joseph Smith, e Pérola de Grande Valor, também escritos proféticos (segundo eles) que tratam da história de Abraão no Egito. Para os Mórmons, esses escritos têm peso de Escritura porque são revelações, e eles não admitem que Deus tenha dado revelação sem canonicidade.

O mesmo se pode dizer dos Adventistas do Sétimo Dia com os escritos proféticos de Ellen G. White. O livro das profecias de White acompanham o pregador sempre que ele sobe ao púlpito, juntamente com a Bíblia. Os escritos dela são considerados como escritos inspirados. Eles levaram tão a sério a profecia que várias vezes profetizaram o fim do mundo e o advento de Cristo. Eis a razão por que foram chamados de Adventistas. A postura deles estava certo em relação à concepção que eles tinham da revelação. Toda profecia era Deus falando e toda revelação era inspirada. Essa foi a razão dos Adventistas serem conhecidos como um movimento profético do século XIX.

Com as Testemunhas de Jeová já foi um pouco diferente. Eles não escreveram livros sagrados, mas levaram a sério as profecias de seus líderes de tal maneira que, ao estilo dos Adventistas, esperaram várias vezes o fim do mundo e o Armagedom. Isso só foi possível por causa da concepção que eles tinham da revelação profética.

É incrível que grupos heréticos tenham entendido tão bem o papel da revelação, enquanto que os pentecostais/carismáticos de nosso tempo têm desqualificado o conceito da revelação e da profecia. Para essas seitas, a revelação e a profecia têm caráter inspirado porque são divinos. Já para os pentecostais, esse caráter de inspiração não existe. Revelação e Profecia é algo tão comum quanto cantar um hino ou fazer uma oração. Eles mudaram e desqualificaram o termo “profecia” e “revelação”. No movimento pentecostal, “profecia” e “revelação” não têm o mesmo sentido do Velho e Novo Testamentos em termos de inspiração, mesmo afirmando que Deus está falando por intermédio de uma pessoa.

Para os pentecostais/carismáticos do nosso tempo, tanto revelação quanto profecia é algo tão corriqueiro que Deus fala com os pecadores como dois homens que conversam sobre qualquer assunto. Para eles, a revelação nada tem a ver com inspiração ou comunicação divina, como entenderam os grupos heréticos já citados.

Sobre esse assunto, vejamos mais uma incoerência de Jack Deere sobre a maneira de Deus falar hoje com Seu povo:

Assim, numa leitura prima facie das Escrituras, qualquer pessoa esperaria Deus continuando a comunicar-Se com seus filhos durante toda a era da igreja com a mesma variedade de métodos que Ele sempre usou. (Deere’s response to The Briefing- sight na internet)

Esta é a marca registrada da incoerência da maioria dos pentecostais/carismáticos de nossa época. Como pode alguém admitir que Deus fala ainda hoje utilizando os mesmos métodos que ele sempre usou, sem levar em consideração o método inspirado de revelar as verdades que ficaram escritas no Velho e Novo Testamentos? Se perguntarmos aos pentecostais/carismáticos se eles têm profecias e novas revelações, eles afirmam positivamente, porém se perguntarmos se essas profecias e revelações são inspiradas, eles negam. Assim, nem os pentecostais admitem realmente que Deus esteja utilizando os mesmos métodos do passado.

Uma outra grande incoerência e falta de evidências conclusivas está ainda nas palavras de Deere:

Nós também cremos que Deus nunca pretendeu que a Sua comunicação com o homem fosse finalizada pela Sua palavra escrita; tal doutrina não é ensinada, nem pelo exemplo, nem pelos preceitos no Velho ou Novo Testamento.” (Deere’s response to The Briefing-sight na internet)

Com essa afirmação, Deere diz que Deus nunca cessou de falar por causa da Palavra escrita, no entanto, ele não mostra sequer um pedaço de Bíblia que tenha sido escrita pela continuação da comunicação verbal de Deus com o homem. Parece que o método continuou, mas a natureza do conteúdo mudou radicalmente. Se Deus não cessou sua comunicação verbal, onde estão os escritos dos profetas modernos? Não afirma Deere que tudo continua da mesma forma como era antes? Onde, pois, estão as grandes revelações e profecias inspiradas trazidas para o povo de Deus como um todo?

Na verdade, afirmar que Deus está realizando as mesmas coisas do passado consiste numa maneira grosseira de se querer validar algo no presente que nada tem a ver com o que Deus já realizou no passado.

5. A ausência de qualquer evidência moderna de profetismo escriturístico é a maior prova de iluminação e não de revelação

Que tipo de revelação temos hoje que Deus nada mais revela ao seu povo, além de casamentos, negócios e interesses particulares? A revelação moderna é tipicamente egoística. Ela gira em torno de pessoas e de pequenos grupos que a utilizam para um consumo particular e interesseiro. Já vimos anteriormente que esse modelo de revelação não é natural da igreja da era apostólica. A revelação da igreja apostólica era para a igreja, e destinava-se à igreja. Todo uso particular dos dons era proibido. Os termos revelação e profecia eram entendidos na igreja de Corinto como eram entendidos pelos apóstolos, pois aquela era a era apostólica da revelação e da profecia. Além do mais, é Paulo, o apóstolo das revelações, que trata dos assuntos de revelação e profecia. Nunca podemos imaginar que o apóstolo Paulo, apóstolo inspirado, esteja falando de um outro tipo de revelação e profecia quando escreveu à igreja de Corinto, pois isso causaria tamanha confusão, pois ele mesmo incluiu-se entre aqueles que profetizavam, porque em parte conhecemos e em parte profetizamos (1 Co 13:9). Ora, se Paulo disse que profetizava em parte como os profetas de Corinto, então ele não podia estar falando de profecia sem ser inspirada. Como poderíamos imaginar um apóstolo profetizando sem inspiração? Além desse argumento, o Novo Testamento não faz nenhuma distinção entre dois tipos de profecia. Jamais encontraremos provas bíblicas para que os apóstolos tivessem em mente dois tipos de revelação e dois tipos de profecia.

Se a profecia da era apostólica está presente hoje, onde estão os profetas inspirados? O que a igreja moderna produziu até os dias atuais com as revelações e profecias? Parece-me que, depois da era apostólica, em dois mil anos, nada significante foi escriturado para as igrejas de Cristo. Isso significa que a revelação moderna tem atendido muito mais a interesses particulares do que à igreja, como foi no passado.

A verdade é que a revelação moderna não é inspirada, por isso ela nunca produzirá nada de novo na igreja de Cristo. A profecia moderna corresponde a um mar de subjetivismo não averiguável. Eis o que diz Jack Deere contra toda a realidade do que podemos presenciar nos nossos dias:

Alguém que acredita que Deus fala hoje, não acredita em nada diferente de Jesus e os apóstolos. Eles foram capazes de ouvir Deus falar numa variedade de maneiras ao longo das Escrituras. São eles que demonstram que é possível ouvir a voz de Deus fora da Palavra escrita, e sem ser lançado à deriva num puro mar subjetivo de sentimentos alheios. (Deere’s response to The Briefing- sight na internet)

Aqui faltou uma pitadinha de sinceridade em Deere, pois ele mesmo não deveria se enganar, já que convive tanto com o revelacionismo da Vineyard, onde se vê que o profetismo moderno é puro subjetivismo. Com tão pouco envolvimento, qualquer cristão descobrirá isso. Por que aqui Deere tem que ser tão insincero?

6. O engano da idoneidade

É muito comum ouvirmos o argumento de que não podemos duvidar de pessoas idôneas que tiveram revelações e ouviram a voz de Deus. Quem usa este argumento para crer em tudo o que lhe aparece às vistas não leva em conta que os melhores homens dentre a humanidade podem errar. A história mostra que as piores heresias saíram do meio de homens piedosos e de oração. As grandes heresias da história da igreja surgiram depois que alguém desceu a um bosque para orar, ou depois de uma reunião de oração domiciliar. A sociedade Vineyard de John Wimber também começou assim. A maioria dessas pessoas sempre foi reconhecida pelo bom caráter e pela sua idoneidade. Conheço vários irmãos que não posso nem sequer pensar em duvidar de sua integridade moral e espiritual, mas infelizmente estão no caminho dos piores erros teológicos modernos. A verdade é que tem muita gente sincera enganada. Também nunca devemos nos esquecer que mesmo que as pessoas pareçam ser honestas para conosco, elas podem ser desonestas para com Deus. Essa é a razão pela qual, em matéria de revelação, nunca podemos acreditar em homens falíveis. Isso significa que não pode haver credibilidade hoje nas pessoas, mesmo as mais idôneas, que dizem ter tido revelações, porque elas não têm credenciais de profeta inspirado.

Um fato muito esquecido atualmente é que, no Velho e Novo Testamento, todas as pessoas que disseram que receberam “uma palavra revelada de Deus” para alguém, ou foi profeta ou foi apóstolo, ou alguém ligado aos apóstolos. Hoje, a igreja tornou a ideia de revelação algo tão corriqueiro que, em qualquer esquina e a qualquer hora, qualquer pessoa pode ter uma “palavra revelada de Deus” para alguém.

Um outro fator muito importante que tem sido esquecido é a questão da fé no subjetivo. No mundo dos homens não podemos acreditar em qualquer coisa, sem que haja objetividade (verdades científicas e fatos evidentes do cotidiano) ou condições de averiguação. Por que com respeito à revelação de Deus tem que ser diferente? Quando alguém diz que recebeu uma revelação e uma outra pessoa contesta, muitos protestam e até chamam o irmão questionador de “incrédulo”. Mas se a pessoa que trouxe a revelação não é profeta inspirado e nem infalível na revelação que traz, por que então sua palavra tem que ser crida indiscutivelmente como se fosse uma verdade inspirada? É pura tolice acreditar em alguém simplesmente porque ela afirma: Assim diz o Senhor. Nunca podemos acreditar no subjetivo religioso, a menos que seja inspirado. Qual a credencial que alguém tem para me fazer acreditar que Deus está falando por ele? Como posso acreditar que Deus esteja dando Suas palavras para mim através de alguém sem credenciais de profeta inspirado? Ora, se a palavra que alguém traz de Deus para mim não é inspirada, nem infalível, então é mero palpite ou sugestão. Só podemos crer no subjetivo religioso, sem averiguação, pela fé. Mas só podemos ter fé naquilo que é inspirado e infalível.

A ideia de uma revelação falível da parte de Deus é teologicamente errada, pois ela implica em um retrocesso na maneira de Deus falar ao Seu povo. Como entender o fato de Deus ter falado ao Seu povo, no passado, de maneira inspirada e autoritativa, e agora falar de forma não inspirada? Mudou Deus sua maneira de falar? Isso certamente implicaria em uma involução no processo da comunicação de Deus com o homem. Não dizem os revelacionistas que Deus está fazendo hoje as mesmas coisas do passado? Por que então não reabrir o cânon e continuar escrevendo a Bíblia até a volta de Cristo? Exatamente porque a maneira revelacional de Deus falar já cessou na era apostólica. Hoje a igreja depende da iluminação das Sagradas Escrituras pelo Espírito de Deus.

O teste do profeta - Dt 18:20-22

No Velho Testamento, o julgamento do profeta era entre o falso profeta e o profeta verdadeiro. Esse julgamento não consistia de julgamento de determinados conteúdos de certas profecias que porventura viessem a falhar, como é proposto hoje pelo profetismo moderno. Bastava uma profecia não se cumprir e aquele era o falso profeta que deveria morrer. Isso significa que os profetas de Deus nunca disseram uma palavra profética errada, caso contrário, morreriam. Nunca podemos imaginar Isaías, Jeremias e Daniel, ora falando coisas inspiradas e ora falando coisas de suas próprias ideias para o povo. Essa era a única e verdadeira credencial do verdadeiro profeta de Deus: ele nunca errava porque Deus nunca erra.

Mudou Deus Seu critério de avaliação do verdadeiro profeta no Novo Testamento e hoje? É evidente que não! Primeiramente, se este fosse o caso, Deus estaria mudando Sua maneira de lidar com o pecado. No Velho Testamento o profeta não era credenciado pela quantidade de verdade ou falsidade que viesse a profetizar, e sim por uma única e simples palavra que não fosse verdadeira. Falsa profecia é pecado. Deus já tratou desse tipo de pecado em sua lei moral, (Dt 18:20-22), e não podemos crer que Ele mudou Sua lei moral no Novo Testamento. Em segundo lugar, a avaliação do profeta sempre foi entre o falso e o verdadeiro profeta, e não entre uma palavra falsa e outra verdadeira de um mesmo profeta. Essa última avaliação é o que tem sido usado muito hoje em dia nas igrejas carismáticas, e é a proposta de muitos eruditos modernos sobre as revelações e profecias do nosso tempo.7 Esse tipo de avaliação tem feito com que muitos “profetas” permaneçam ainda com credibilidade nos meios eclesiásticos, mesmo depois de cometer os mais absurdos erros proféticos do nosso tempo. Enquanto o profeta em Israel deveria morrer por causa do erro profético, nos nossos dias eles são até idolatrados, mesmo depois de terem errado até sobre a pretensa data do fim do mundo.

Enquanto os profetas do Velho Testamento deveriam morrer pela falsidade que levantaram dizendo que Deus disse, quando na verdade Ele não disse, hoje os falsos profetas estão nas igrejas imunes a qualquer repreensão por suas loucuras revelacionais. Acaso Deus mudou o tratamento para com aqueles que afirmam que Deus falou, quando Ele não falou?

No passado, sempre que Deus falava com um profeta, ele tinha impressão que ia morrer. A experiência era tão contrastante entre um Deus santíssimo e um homem pecador que o profeta pensava que era chegado o seu fim. Na presença de Deus os homens devem “ir ao chão”. Mas hoje as coisas estão tão diferentes que as pessoas conversam com Deus, veem a Cristo e ouvem Sua voz como se estivessem conversando com outro pecador. Muitas pessoas contam suas conversas com Deus com o maior orgulho de terem conversado com ele.

O critério para avaliar e julgar qualquer experiência

Em 2 Pedro 1:16-21, o apóstolo nos ensina como devemos avaliar alguma experiência que, porventura, alguém tente nos fazer crer.

Nos versos 16-18, o apóstolo nos diz que o seu conhecimento de Cristo não foi uma fábula engenhosamente inventada. Ele mesmo teve uma experiência do Cristo vivo no Monte da Transfiguração. Pedro, de fato, ouviu a voz de Deus quando estava com Jesus, (v.18). Mas ele nos diz que somente o fato dele contar sua experiência não é suficiente para validá-la como uma verdade firme, para isso é necessário que haja um teor profético inspirado (vv.19-21). O que Pedro está dizendo, afinal? Ele quer dizer que nós nunca devemos dar ouvidos a alguma experiência de revelação, a menos que seja de caráter profético inspirado. Além disso, ele afirma que a palavra profética das Escrituras é mais segura do que a mera experiência contada por alguém.

Se Pedro estava comparando sua experiência com as Escrituras, e afirmando um grau de credibilidade maior para as Escrituras, por que hoje teríamos que dar mais ouvido às experiências do que às Escrituras? É exatamente isso que os movimentos revelacionistas fazem: eles acabam dando mais crédito às experiências do que às Escrituras. Se fosse o contrário, não haveria tanta ênfase na busca de revelações por parte dos crentes carismáticos. A verdade é que a experiência da revelação moderna nada vale para nós se não tiver um caráter inspirado, o que é impossível hoje.

Parece-me que o Deus que Se revela hoje não é mais aquele que revelou-se a Moisés e aos profetas da antiguidade.

O Deus de hoje não mais revela coisas tão grandes como no passado. Além disso, não fala mais a toda igreja como um organismo, nem fala mais inspirado, nem autoritativamente. Seus profetas de hoje, mesmo mentirosos, ainda são considerados profetas verdadeiros e continuam no meio do povo dizendo assim diz o Senhor, quando o Senhor nada lhes falou. Se este é o Deus que Se revela na revelação moderna, é preferível ficar o Deus da velha revelação: A ESCRITURA.






NOTAS:

3. O que é o Perfeito, p. 1
4. Bíblia de Estudo Pentecostal, prefácio do autor, Casa Publicadora das Assembleias de Deus.
5. Wayne Grudem. Systematic Theology, p. 128, Zondervan, Michingan, 1994.
6. O que me faz achar no mínimo sintomático é que Wayne Grudem (que se diz reformado e aceito por muitos autores reformados) recomenda a leitura dos livros de Jack Deere.
7. Esta é a tese de Wayne Grudem, em seu livro The gift of Prophecy in The New Testament and Today, que tenta validar o movimento profético moderno como o mesmo do Novo Testamento.



Autor: Moisés Bezerril
Fonte: Monergismo