18 de maio de 2016

É possível Deus falar hoje fora das Escrituras? (3/4)


9. A revelação na igreja de Corinto

Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro doutrina, este traz revelação, aquele outro língua, e ainda outro interpretação. Seja tudo feito para edificação. (1 Co 14:26)

Que tipo de revelação estava presente na igreja de Corinto?

Muitos pensam que a revelação está voltada para o uso particular, um tipo de adivinhação para solução de problemas particulares de cada um, ou um mistério que Deus tem para cada crente em suas vidas particulares para edificá-los ou designá-los para algum propósito especial. Essa estranha interpretação da revelação origina-se das mais variadas concepções pentecostais/carismáticas do nosso tempo, mas está muito longe de corresponder ao que ensina o Novo Testamento sobre revelação em 1 Coríntios.

Negamos que “revelação” em 1 Co 14 tenha um sentido moderno que é dado pelo movimento pentecostal, o qual já expus acima, por três razões:

A primeira é que o termo “APOKALYPSIS”, (revelação), nunca foi empregado em todo o Novo Testamento para um uso igual ao uso dos movimentos proféticos modernos. Já demonstrei com todos os textos do Novo Testamento que este termo não se aplica aos interesses particulares de cada um.

A segunda razão é que o contexto de 1 Co 14, no qual esta palavra está inserida, trata de conteúdo doutrinário que edifica a mente de seu auditório. O verso 6 inclui todos os dons que trazem palavra edificante. As revelações eram verdades que eram trazidas para a igreja, e não para indivíduos particularmente, assim como a profecia e a ciência. Havia uma diferença entre doutrina e revelação (v.6). A palavra doutrina, DIDAQUÊ, é o ensino que certamente era obtido pela reflexão das Escrituras do Velho Testamento e daquilo que os apóstolos já haviam ensinado à igreja, enquanto que a revelação, APOCALYPSIS, referia-se àquilo que Deus estava trazendo naquele momento sem um estudo prévio daquelas verdades (14:30). Em 1 Co 14:6, Paulo está referindo-se aos dons doutrinários da igreja quando ele cita revelação (APOKALIPSEI), ciência (GNÔSEI), profecia (PROFÊTEIA) e ensino (DIDACHÊ). É claro que se ele não tivesse em vista algo de natureza semelhante quanto à matéria edificante, a revelação não poderia fazer parte da lista dos dons de doutrina. Está evidente que neste contexto não há nenhuma indicação de algum dom que tenha sido dado com vistas ao benefício particular dos membros de Corinto. Toda ênfase do apóstolo recai especificamente sobre o proveito espiritual da igreja como um todo. Do contrário, a argumentação da analogia do corpo em 1 Co 12 não teria proveito nenhum para aquela igreja.

A terceira razão é que o conteúdo da revelação sempre foi a verdade sobre Cristo, o que podemos perceber com o uso que Paulo faz da palavra APOKALIPSIS, revelação, em Rm 16:25; Ef 3:3-5, e sua conexão com o mistério de 1 Tm 3:16. A revelação sempre foi a manifestação do mistério de Cristo. Em Corinto, a revelação que acontecia na Igreja sempre era uma mensagem revelada sobre a dispensação de Cristo para a Igreja e sobre os mistérios da Nova Aliança. Isto era muito comum entre os apóstolos e profetas (Ef 3:5).

Um outro fator que era matéria da revelação era a inclusão dos gentios no pacto da graça, o que, naquela época, constituía uma novidade tão dramática para os judeus que, certamente, a Igreja precisava ser acompanhada na explicação desse mistério todos os dias, até que ficasse definitivamente firmada como Escrituras Sagradas a verdade total sobre o mistério de Cristo. Quando uma palavra de revelação era trazida para a igreja, sem dúvida era uma palavra sobre os aspectos da obra redentora de Deus, manifestada agora (na época neotestamentária), e que esteve oculta aos crentes do Velho Testamento (Ef 3:5). Se, de fato, a revelação estivesse presente nos cultos pentecostais, eles deveriam exceder no conhecimento dos mistérios de Cristo sobre qualquer outro crente. Se os pentecostais/carismáticos de fato tivessem as revelações do Espírito, eles seriam o povo mais conhecedor das profundezas do evangelho de Cristo. Mas a verdade é o contrário. O movimento pentecostal, que se diz tão envolvido com as revelações do Espírito, está, na sua maioria, mergulhado em tão grande ignorância da Palavra de Deus que tem se tornado num dos berços das piores heresias do nosso tempo, além de carecer profundamente de base bíblica para suas doutrinas.

A Moderna Confusão Entre Revelação e Iluminação

O que normalmente se diz da revelação hoje é que alguém ouviu a voz de Deus. Isto consiste numa grande confusão, pois os que assim dizem, muitas vezes não nos dão detalhes de como ouviram. A voz era um grito ou um cochicho? A voz veio de dentro da mente ou veio de fora? A voz falou somente dentro dos ouvidos ou veio do alto? A voz veio em êxtase ou como quem fala com um amigo? Qual é o timbre da voz de Deus? Muitos têm dito que ouvem a voz de Deus. Parece-me que até agora ninguém que tentou dizer com que tipo de voz a de Deus se parece tenha sido levado a sério. Se juntássemos hoje cinco pessoas que ouviram a voz de Deus para darem o relato sobre o timbre da voz, certamente teríamos cinco timbres diferentes. Aliás, foi algo que ainda não ouvi alguém dizer, com que a voz de Deus se parece.

Ora, não basta apenas alguém dizer que ouviu uma voz. A questão é saber se aquela pessoa conhece a voz de Deus. Mesmo que diga que ouviu alguma coisa, nada nos garante que ela conheça a natureza do que tenha ouvido. O interessante é perceber que hoje muitas pessoas se julgam tão familiarizadas com a voz de Deus, como se os nossos dias fossem a mesma época dos tempos bíblicos, quando Abraão, Moisés, Samuel, Paulo e outros ouviram Deus falar. Muita gente quer imitar esses personagens bíblicos, mas esquecem-se que o fenômeno foi inspirado.

O maior de todos os problemas nos dias de hoje é a tremenda confusão feita entre iluminação e revelação. O fato de não fazermos distinção teológica entre essas duas palavras nos levará a erros gravíssimos sobre o método de Deus falar hoje.

O que era a revelação nos tempos bíblicos? A revelação diz respeito a algo que estava oculto e foi trazido às claras; era algo que vinha de fora. Ela era voluntária e soberana, pois sempre era operada por Deus diretamente no profeta que trazia a mensagem. A mensagem da revelação não era preparada pelo homem, mas por Deus. O profeta era apenas a boca de Deus, pois ele não falava as coisas que achava, mas aquilo que Deus colocava na sua boca para falar.

A iluminação não corresponde a algo que estava oculto, mas a algo que já foi revelado. O mensageiro não tem algo novo, mas uma compreensão nova do que já foi revelado. Ele prepara-se estudando o texto, acompanhado de oração e humildade. O Espírito de Deus faz-lhe entender profundezas da Palavra que um incrédulo jamais alcançaria. A iluminação não é algo que Deus está trazendo novamente à realidade escriturística, pois ela já está lá. Mas é algo que Deus está fazendo a mente apreender e compreender. O único caso que poderíamos chamar ainda de revelação é a compreensão da verdade salvadora por um pecador. Ao pecador foi revelada a verdade salvadora. Em Teologia, chamamos de verdade revelada, mas ainda assim, esse tipo de revelação não corresponde à típica revelação profética inspirada dos tempos bíblicos. Ela está mais para uma iluminação dos olhos da alma, para que o pecador veja sua profunda necessidade do Salvador.

Muitos têm confundido a iluminação com a revelação. Têm chamado de profecia ou revelação certos insights que um pregador tem ao fazer uma exposição da Bíblia. Outros acham que determinados palpites, fortes emoções, certos discernimentos, e até mesmo atitudes que nem sequer alguém tinha consciência do que estava fazendo, corresponde à revelação, quando tudo isso faz parte da iluminação.

Deus não diz hoje audivelmente: “Meu filho, faça isso!“, mas Ele dirige os pensamentos e dá discernimento espiritual da Sua Lei para que os crentes tomem decisões certas. Quão imaturo se revelaria um crente que a todo tempo Deus tivesse que falar-lhe tudo o que ele deveria fazer em sua vida! Se fosse assim, nem mesmo erraríamos nas nossas decisões porque elas não seriam nossas, mas seriam as decisões de Deus. Também não precisaríamos de fé, pois andaríamos pelo que ouvíamos. Não tenho visto crentes que afirmam ser dirigidos à base de revelações terem uma vida melhor do que os que têm que tomar suas próprias decisões. Ao contrário, o que constatamos é que esses crentes são os mais problemáticos porque refletem uma personalidade infantil e imatura, que têm errado muito ao longo de suas vidas seguindo decisões que nunca foram revelações, nem poderiam ser, mas apenas palpites de pecadores falíveis, que nem ao menos sabem direito discernir a vontade de Deus para suas vidas nas Escrituras Sagradas. Se tais crentes, de fato, estivessem sendo guiados à base da revelação infalível de Deus, eles nunca falhariam. O que estou dizendo não é que eles até tenham acertado em alguma coisa, não! O que quero dizer é que se eles estivessem sendo guiados pela revelação de Deus em toda a sua vida, nunca poderiam errar; do contrário, Deus estaria errando.

Uma outra anomalia que a ideia de revelação hoje produz é perverter o verdadeiro princípio do Cristianismo: O justo viverá por fé (Rm 1:17). A revelação indica que sobre os assuntos que estão sendo revelados não há o exercício da fé, pois, ninguém procurará crer nas promessas de Deus reveladas nas Escrituras, mas sempre procurará andar, não por fé, mas pelo o que ouve. Os que buscam revelações hoje estão sempre dizendo também que “veem”. Não somente “ouvem a voz de Deus”, mas também tem “visões de Deus”. O princípio maior do Cristianismo deixado por Jesus é o mesmo que foi dito pelo apóstolo Paulo em 2 Co 5:6-7: Temos, portanto, sempre bom ânimo, sabendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor; visto que andamos por fé, e não pelo o que vemos. Quando Paulo falou isso, ele ainda vivia numa época de revelação, a era apostólica. Mas Ele já está apontando, com essas palavras, para o desvanecimento da revelação, ou seja, para uma época em que os crentes deverão apenas crer na verdade que foi revelada, e não buscar “ver” e “ouvir” a vontade de Deus.

Interpretação do texto da Confissão de Fé de Westminster: as Escrituras como o cânon da vida

Todo conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da palavra, que sempre devem ser observadas. (CFW, cap 1, seção VI).

O que os teólogos de Westminster quiseram dizer com as expressões “vida do homem”, “novas revelações do Espírito” e “iluminação do Espírito”. Consultemos, pois, o comentário de A. A. Hodge sobre esta seção da Confissão de Fé de Westminter:

Esta seção nos ensina o seguinte:

1) Que as Sagradas Escrituras do Velho e Novo Testamentos são uma completa regra de fé e prática: elas abraçam toda a totalidade de tudo aquilo que a revelação sobrenatural de Deus tem para os homens, e são abundantemente suficiente para todas as necessidades práticas dos homens e das comunidades.

Podemos tirar a prova disso:

a) Do desígnio das Escrituras. As Escrituras professam nos conduzir a Deus. Tudo o que necessário para esse fim, elas nos ensinam. Se algum conhecimento complementar é necessário, elas apontam para isto. Declarar que elas não são completas é falsidade.

b) Enquanto Cristo e os apóstolos constantemente referiam-se às Escrituras como uma regra autoritativa, nem eles, nem as Escrituras em si mesmas jamais se referiram a uma outra fonte de divina revelação qualquer quer seja. As Escrituras sempre afirmaram todas as prerrogativas de plenitude. Jo 20:31; 2 Tm 3:15-17

c) As Escrituras ensinam um perfeito sistema de doutrina e todos os princípios, os quais são necessários para o regulamento prático das vidas dos indivíduos, comunidades e igrejas.

2) Nada, durante a presente dispensação, deve ser acrescentada a esta completa regra de fé, ou por novas revelações do Espírito ou por tradições dos homens. Nenhuma nova revelação do Espírito deve ser esperada hoje.

a) Porque ele já nos tem dado uma completa e toda suficiente norma.

b) Porque, enquanto o Velho Testamento faz predição da nova dispensação, o Novo Testamento não faz referência a nenhuma outra revelação que deva ser esperada antes da segunda vinda de Cristo; o único evento a ser esperado é a segunda vinda de Cristo.

c) Desde a era apostólica, nenhuma pretensa revelação do Espírito tem apresentado as marcas nem tem sido acompanhada com os sinais de uma revelação sobrenatural; ao contrário, tudo o que tem vindo à público, como os Mórmons, é inconsistente com a verdade das Escrituras, diretamente se opõe à autoridade das Escrituras, e ensina uma péssima moral. As revelações privadas têm sido professadas somente por vãs entusiastas, e são impossíveis de serem verificadas. (The Confession of Faith, A.A. Hodge, p.37-38)

Para os teólogos de Westminster, a igreja não deve esperar nenhuma outra revelação do Espírito para os dias atuais, pois as Escrituras do Novo Testamento não fazem menção a elas. Eles entendiam que tudo o que era necessário para a vida comum do povo de Deus já estava revelado. As Escrituras Sagradas são o único e suficiente cânon da vida do povo de Deus.





Autor: Moisés Bezerril
Fonte: Monergismo