9. A
revelação na igreja de Corinto
Que fazer, pois, irmãos? Quando
vos reunis, um tem salmo, outro doutrina, este traz revelação, aquele outro
língua, e ainda outro interpretação. Seja tudo feito para edificação. (1 Co
14:26)
Que tipo de revelação estava
presente na igreja de Corinto?
Muitos pensam que a revelação
está voltada para o uso particular, um tipo de adivinhação para solução de
problemas particulares de cada um, ou um mistério que Deus tem para cada crente
em suas vidas particulares para edificá-los ou designá-los para algum propósito
especial. Essa estranha interpretação da revelação origina-se das mais variadas
concepções pentecostais/carismáticas do nosso tempo, mas está muito longe de corresponder
ao que ensina o Novo Testamento sobre revelação em 1 Coríntios.
Negamos que “revelação” em 1 Co 14 tenha um sentido moderno que é dado pelo movimento pentecostal, o qual já expus acima, por três razões:
A primeira é que o termo “APOKALYPSIS”, (revelação), nunca foi empregado
em todo o Novo Testamento para um uso igual ao uso dos movimentos proféticos
modernos. Já demonstrei com todos os textos do Novo Testamento que este termo
não se aplica aos interesses particulares de cada um.
A segunda razão é que o contexto de 1 Co 14, no qual esta palavra
está inserida, trata de conteúdo doutrinário que edifica a mente de seu auditório.
O verso 6 inclui todos os dons que trazem palavra edificante. As revelações
eram verdades que eram trazidas para a igreja, e não para indivíduos
particularmente, assim como a profecia e a ciência. Havia uma diferença entre
doutrina e revelação (v.6). A palavra doutrina, DIDAQUÊ, é o ensino que certamente
era obtido pela reflexão das Escrituras do Velho Testamento e daquilo que os apóstolos
já haviam ensinado à igreja, enquanto que a revelação, APOCALYPSIS, referia-se àquilo
que Deus estava trazendo naquele momento sem um estudo prévio daquelas verdades (14:30). Em 1 Co 14:6, Paulo está referindo-se aos dons doutrinários da igreja quando
ele cita revelação (APOKALIPSEI), ciência (GNÔSEI), profecia (PROFÊTEIA) e ensino (DIDACHÊ). É claro que se ele não tivesse em vista algo de natureza
semelhante quanto à matéria edificante, a revelação não poderia fazer parte da lista
dos dons de doutrina. Está evidente que neste contexto não há nenhuma
indicação de algum dom que tenha sido dado com vistas ao benefício particular
dos membros de Corinto. Toda ênfase do apóstolo recai especificamente sobre o
proveito espiritual da igreja como um todo. Do contrário, a argumentação da analogia
do corpo em 1 Co 12 não teria proveito nenhum para aquela igreja.
A terceira razão é que o
conteúdo da revelação sempre foi a verdade sobre Cristo, o que podemos perceber
com o uso que Paulo faz da palavra APOKALIPSIS, revelação, em Rm 16:25; Ef
3:3-5, e sua conexão com o mistério de 1 Tm 3:16. A revelação sempre foi a manifestação
do mistério de Cristo. Em Corinto, a revelação que acontecia na Igreja sempre
era uma mensagem revelada sobre a dispensação de Cristo para a Igreja e sobre
os mistérios da Nova Aliança. Isto era muito comum entre os apóstolos e
profetas (Ef 3:5).
Um outro fator que era matéria
da revelação era a inclusão dos gentios no pacto da graça, o que, naquela
época, constituía uma novidade tão dramática para os judeus que, certamente, a
Igreja precisava ser acompanhada na explicação desse mistério todos os dias, até
que ficasse definitivamente firmada como Escrituras Sagradas a verdade total
sobre o mistério de Cristo. Quando uma palavra de revelação era trazida para a
igreja, sem dúvida era uma palavra sobre os aspectos da obra redentora de
Deus, manifestada agora (na época neotestamentária), e que esteve oculta aos crentes
do Velho Testamento (Ef 3:5). Se, de fato, a revelação estivesse presente nos
cultos pentecostais, eles deveriam exceder no conhecimento dos mistérios de
Cristo sobre qualquer outro crente. Se os pentecostais/carismáticos de fato
tivessem as revelações do Espírito, eles seriam o povo mais conhecedor das profundezas
do evangelho de Cristo. Mas a verdade é o contrário. O movimento pentecostal,
que se diz tão envolvido com as revelações do Espírito, está, na sua maioria,
mergulhado em tão grande ignorância da Palavra de Deus que tem se tornado num
dos berços das piores heresias do nosso tempo, além de carecer profundamente de
base bíblica para suas doutrinas.
A
Moderna Confusão Entre Revelação e Iluminação
O que normalmente se diz da
revelação hoje é que alguém ouviu a voz de Deus. Isto consiste numa grande
confusão, pois os que assim dizem, muitas vezes não nos dão detalhes de como
ouviram. A voz era um grito ou um cochicho? A voz veio de dentro da mente ou
veio de fora? A voz falou somente dentro dos ouvidos ou veio do alto? A voz veio
em êxtase ou como quem fala com um amigo? Qual é o timbre da voz de Deus?
Muitos têm dito que ouvem a voz de Deus. Parece-me que até agora ninguém que
tentou dizer com que tipo de voz a de Deus se parece tenha sido levado a sério.
Se juntássemos hoje cinco pessoas que ouviram a voz de Deus para darem o relato
sobre o timbre da voz, certamente teríamos cinco timbres diferentes. Aliás, foi
algo que ainda não ouvi alguém dizer, com que a voz de Deus se parece.
Ora, não basta apenas alguém
dizer que ouviu uma voz. A questão é saber se aquela pessoa conhece a voz de
Deus. Mesmo que diga que ouviu alguma coisa, nada nos garante que ela conheça a
natureza do que tenha ouvido. O interessante é perceber que hoje muitas pessoas
se julgam tão familiarizadas com a voz de Deus, como se os nossos dias fossem a
mesma época dos tempos bíblicos, quando Abraão, Moisés, Samuel, Paulo e outros
ouviram Deus falar. Muita gente quer imitar esses personagens bíblicos, mas esquecem-se
que o fenômeno foi inspirado.
O maior de todos os problemas
nos dias de hoje é a tremenda confusão feita entre iluminação e revelação. O
fato de não fazermos distinção teológica entre essas duas palavras nos levará a
erros gravíssimos sobre o método de Deus falar hoje.
O que era a revelação nos
tempos bíblicos? A revelação diz respeito a algo que estava oculto e foi
trazido às claras; era algo que vinha de fora. Ela era voluntária e soberana,
pois sempre era operada por Deus diretamente no profeta que trazia a mensagem.
A mensagem da revelação não era preparada pelo homem, mas por Deus. O profeta
era apenas a boca de Deus, pois ele não falava as coisas que achava, mas aquilo
que Deus colocava na sua boca para falar.
A iluminação não corresponde a
algo que estava oculto, mas a algo que já foi revelado. O mensageiro não tem
algo novo, mas uma compreensão nova do que já foi revelado. Ele prepara-se
estudando o texto, acompanhado de oração e humildade. O Espírito de Deus faz-lhe
entender profundezas da Palavra que um incrédulo jamais alcançaria. A
iluminação não é algo que Deus está trazendo novamente à realidade escriturística,
pois ela já está lá. Mas é algo que Deus está fazendo a mente apreender e compreender.
O único caso que poderíamos chamar ainda de revelação é a compreensão da
verdade salvadora por um pecador. Ao pecador foi revelada a verdade salvadora.
Em Teologia, chamamos de verdade revelada, mas ainda assim, esse tipo de
revelação não corresponde à típica revelação profética inspirada dos tempos
bíblicos. Ela está mais para uma iluminação dos olhos da alma, para que o
pecador veja sua profunda necessidade do Salvador.
Muitos têm confundido a
iluminação com a revelação. Têm chamado de profecia ou revelação certos
insights que um pregador tem ao fazer uma exposição da Bíblia. Outros acham que
determinados palpites, fortes emoções, certos discernimentos, e até mesmo atitudes
que nem sequer alguém tinha consciência do que estava fazendo, corresponde à revelação,
quando tudo isso faz parte da iluminação.
Deus não diz hoje audivelmente: “Meu filho, faça isso!“, mas Ele dirige os pensamentos e dá discernimento
espiritual da Sua Lei para que os crentes tomem decisões certas. Quão imaturo
se revelaria um crente que a todo tempo Deus tivesse que falar-lhe tudo o que
ele deveria fazer em sua vida! Se fosse assim, nem mesmo erraríamos nas nossas
decisões porque elas não seriam nossas, mas seriam as decisões de Deus. Também não
precisaríamos de fé, pois andaríamos pelo que ouvíamos. Não tenho visto crentes
que afirmam ser dirigidos à base de revelações terem uma vida melhor do que os
que têm que tomar suas próprias decisões. Ao contrário, o que constatamos é que
esses crentes são os mais problemáticos porque refletem uma personalidade infantil
e imatura, que têm errado muito ao longo de suas vidas seguindo decisões que
nunca foram revelações, nem poderiam ser, mas apenas palpites de pecadores
falíveis, que nem ao menos sabem direito discernir a vontade de Deus para suas
vidas nas Escrituras Sagradas. Se tais crentes, de fato, estivessem sendo
guiados à base da revelação infalível de Deus, eles nunca falhariam. O que
estou dizendo não é que eles até tenham acertado em alguma coisa, não! O que quero
dizer é que se eles estivessem sendo guiados pela revelação de Deus em toda a sua vida, nunca poderiam errar; do contrário, Deus estaria
errando.
Uma outra anomalia que a ideia
de revelação hoje produz é perverter o verdadeiro princípio do Cristianismo: O
justo viverá por fé (Rm 1:17). A revelação indica que sobre os assuntos que
estão sendo revelados não há o exercício da fé, pois, ninguém procurará crer
nas promessas de Deus reveladas nas Escrituras, mas sempre procurará andar, não
por fé, mas pelo o que ouve. Os que buscam revelações hoje estão sempre dizendo
também que “veem”. Não somente “ouvem a voz de Deus”, mas também tem “visões de
Deus”. O princípio maior do Cristianismo deixado por Jesus é o mesmo que foi
dito pelo apóstolo Paulo em 2 Co 5:6-7: Temos, portanto, sempre bom ânimo,
sabendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor; visto que andamos
por fé, e não pelo o que vemos. Quando Paulo falou isso, ele ainda vivia numa
época de revelação, a era apostólica. Mas Ele já está apontando, com essas
palavras, para o desvanecimento da revelação, ou seja, para uma época em que os
crentes deverão apenas crer na verdade que foi revelada, e não buscar “ver” e
“ouvir” a vontade de Deus.
Interpretação
do texto da Confissão de Fé de Westminster: as Escrituras como o cânon da vida
Todo conselho de Deus
concernente a todas as coisas necessárias para glória dele e para a salvação,
fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser
lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo
algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens;
reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus
para a salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e que há algumas
circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações
e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela
prudência cristã, segundo as regras gerais da palavra, que sempre devem ser observadas. (CFW, cap 1, seção VI).
O que os teólogos de
Westminster quiseram dizer com as expressões “vida do homem”, “novas revelações
do Espírito” e “iluminação do Espírito”. Consultemos, pois, o comentário de A. A.
Hodge sobre esta seção da Confissão de Fé de Westminter:
Esta seção nos ensina o
seguinte:
1) Que as Sagradas Escrituras
do Velho e Novo Testamentos são uma completa regra de fé e prática: elas
abraçam toda a totalidade de tudo aquilo que a revelação sobrenatural de Deus
tem para os homens, e são abundantemente suficiente para todas as necessidades práticas
dos homens e das comunidades.
Podemos tirar a prova disso:
a) Do desígnio das Escrituras.
As Escrituras professam nos conduzir a Deus. Tudo o que necessário para esse
fim, elas nos ensinam. Se algum conhecimento complementar é necessário, elas
apontam para isto. Declarar que elas não são completas é falsidade.
b) Enquanto Cristo e os
apóstolos constantemente referiam-se às Escrituras como uma regra autoritativa,
nem eles, nem as Escrituras em si mesmas jamais se referiram a uma outra fonte
de divina revelação qualquer quer seja. As Escrituras sempre afirmaram todas as
prerrogativas de plenitude. Jo 20:31; 2 Tm 3:15-17
c) As Escrituras ensinam um
perfeito sistema de doutrina e todos os princípios, os quais são necessários
para o regulamento prático das vidas dos indivíduos, comunidades e igrejas.
2) Nada, durante a presente
dispensação, deve ser acrescentada a esta completa regra de fé, ou por novas
revelações do Espírito ou por tradições dos homens. Nenhuma nova revelação do
Espírito deve ser esperada hoje.
a) Porque ele já nos tem dado
uma completa e toda suficiente norma.
b) Porque, enquanto o Velho
Testamento faz predição da nova dispensação, o Novo Testamento não faz
referência a nenhuma outra revelação que deva ser esperada antes da segunda
vinda de Cristo; o único evento a ser esperado é a segunda vinda de Cristo.
c) Desde a era apostólica,
nenhuma pretensa revelação do Espírito tem apresentado as marcas nem tem sido
acompanhada com os sinais de uma revelação sobrenatural; ao contrário, tudo o
que tem vindo à público, como os Mórmons, é inconsistente com a verdade das
Escrituras, diretamente se opõe à autoridade das Escrituras, e ensina uma péssima
moral. As revelações privadas têm sido professadas somente por vãs entusiastas,
e são impossíveis de serem verificadas. (The Confession
of Faith, A.A. Hodge, p.37-38)
Para os teólogos de
Westminster, a igreja não deve esperar nenhuma outra revelação do Espírito para
os dias atuais, pois as Escrituras do Novo Testamento não fazem menção a elas.
Eles entendiam que tudo o que era necessário para a vida comum do povo de Deus já
estava revelado. As Escrituras Sagradas são o único e suficiente cânon da vida
do povo de Deus.
Autor: Moisés Bezerril
Fonte: Monergismo