Texto
base: 1 Timóteo 2.5
Acerca da humanidade do nosso Redentor e
suas implicações, precisamos entender primeiramente a questão da unio personalis. Em suma, quero
enfatizar três termos que são a chave para o entendimento correto do tema em
pauta. Senão vejamos:
O
SIGNIFICADO DE UNIO PERSONALIS
A expressão unio
personalis significa “união hipostática”. É a união das duas
naturezas de Cristo, isto é, a natureza divina com a natureza humana, que se deram no
momento da encarnação do verbo, pela ação miraculosa do Espírito
Santo. A
segunda pessoa da trindade assumiu uma natureza humana que não existia, tendo que vir a existência nascendo do ventre de uma mulher chamada Maria,
independente da união com a natureza divina. Portanto,
“a união da pessoa divina (e sua natureza) com a natureza humana não resulta na
criação de uma pessoa dupla, mas numa pessoa divina, em que as duas naturezas,
a divina e a humana, estão unidas”.1
A palavra natureza denota substância ou essência. “São as propriedades de uma
substância que fazem parte do que ela é [mas], não a forma individual que ela
possa assumir”.2 Jesus “teve todas as propriedades essenciais para
que ele fosse humano e todas as propriedades essenciais para que ele fosse
divino”3. Jesus
foi um ser verdadeiramente divino com características exclusivas dele somente
como Deus que é (como os atributos incomunicáveis) e verdadeiramente humano,
com características exclusivas de um ser humano finito, como limitações físicas
e fraquezas, que veremos posteriormente.
O
SIGNIFICADO DE PESSOA
Uma pessoa é um ser individual autoconsciente
que possui quatro características essenciais da natureza humana: pensamento, sentimento, vontade e essência.
Todavia, estes quatro componentes não fazem parte da pessoa ou personalidade,
mas sim, da natureza humana. Os homens têm a mesma essência, isto é, a natureza humana, mas cada
um é uma pessoa separada e distinta da outra em vários aspectos. No caso de
Jesus, ele tem duas naturezas diferentes: a divina e a humana.
Contudo,
isso não quer dizer que existem duas pessoas separadas e diferentes nele, antes,
uma pessoa que possui propriedades essências de cada uma das naturezas em
virtude da união hipostática ou das duas naturezas. A confissão de Fé de
Westminster (8.2) ressalta:
As duas
naturezas, inteiras, perfeitas e distintas - a Divindade e a humanidade – foram
inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão composição ou confusão;
essa pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem...
1. A
diferença entre limitações e fraquezas
Jesus, como Deus homem que é, possuí
limitações e fraquezas humanas. Há uma grande diferença entre essas
características que fazem parte da natureza humana corrompida pelo pecado. É
de vital importância enfatizarmos que Jesus não assumiu uma natureza humana corrompida pelo pecado, mas uma natureza
humana afetada pelo pecado, o que é
diametralmente distinta da anterior.
As limitações são características que
fazem parte da essência do ser humano finito. Antes da queda, quando o pecado
não havia corrompido a humanidade, Adão, em seu estado de santidade, possuía
limitações. Adão
sentia fome, por isso Deus plantou árvores frutíferas no jardim do Éden para a
sua alimentação (Gn 2.16). Adão sentia sede e, obviamente, deveria beber das
águas do rio que saia do Éden para regar o jardim (Gn 2.10). Adão
sentia cansaço por causa do seu trabalho em lavrar e guardar o jardim, porém,
não um cansaço da mesma intensidade que ele passou a sentir após a queda, como
resultado da maldição de Deus pelo seu pecado. Embora o cansaço não seja uma
característica da natureza humana pecaminosa, todavia ele é agravado por ela.
Genesis
3.17 ...
em fadigas obterás dela o sustento
durante os dias de tua vida.
A
palavra fadiga traz a ideia de
sofrimento e dor. O trabalho que antes era feito com prazer, [não que ele não
seja mais uma benção de Deus], agora, depois da queda, “passou a ter uma
conotação que outrora não tinha para o homem. Esse passou a trabalhar com muito
mais dureza, esforço e aflição”.4 Sendo
assim, a fadiga premente que o trabalho proporciona é uma consequência devida
à imposição penal de Deus sobre o pecado de Adão que toda a humanidade herdou
por estar ligada pactualmente a ele, como nosso representante. Finalmente, Adão
também era limitado pelo espaço, podendo estar somente em um lugar ao mesmo
tempo, e, também, era limitado pelo tempo.
Jesus, como nosso Redentor, era finito no que tange a sua
humanidade. Jesus sentia fome, sede, cansaço e era limitado pelo espaço. Estas
limitações humanas de Jesus como homem que era veremos adiante.
Por outro lado, uma segunda
característica que faz parte da essência do ser humano são as fraquezas. Embora
as limitações não tenham a ver com o pecado em si, mas com a finitude humana,
contudo, as fraquezas são o resultado da maldição do pecado sobre a humanidade.
Adão, em seu estado de santidade, não possuía fraquezas, mas apenas limitações.
As
fraquezas são características próprias de pecadores. Jesus, entretanto, não
possuía fraquezas porque era plenamente santo, mas assumiu as fraquezas dos
pecadores no estado de humilhação ao encarnar-se, sentindo dores, angústias,
temores e tristezas para que efetuar o processo da redenção,
libertando-os do poder, da punição do pecado e da morte eterna.
Mesmo no estado de glória, com os corpos
glorificados, nós, seres humanos, ainda teremos limitações devido ao fato de
sermos finitos. Contudo, não teremos mais fraquezas, visto que elas fazem parte
da essência humana pecaminosa que ainda afetam os crentes. Porém, no estado de
glória, não estaremos mais nessa condição.
Entendido a diferença entre limitações e
fraquezas, vejamos, pois, as limitações de Jesus em virtude da sua humanidade.
2. As limitações humanas de Jesus
2.1 JESUS SENTIA CANSAÇO
João
4.6 – Havia
ali o poço de Jacó. Jesus, cansado da
viagem, sentou-se à beira do poço. Isto se deu por volta do meio-dia.
(NVI)
Jesus fazia longas caminhadas por dias pelas estradas da Galileia e Judéia evangelizando. A Judéia era uma região extremamente desértica. Não obstante Jesus era passível de limitações referente ao vigor físico. Certa vez, após uma viagem sob o sol causticante do meio dia, Jesus, cansado, senta-se à beira de um poço de água para descansar. As viagens que Jesus fazia exigiam bastante esforço físico. Ele não poderia beneficiar-se dos confortos da sociedade moderna de sua época e viajar a cavalo ou em carruagens. Ele não tinha dinheiro para um conforto desse naipe, que, por sinal, só as pessoas bem sucedidas financeiramente poderiam usufruir. As viagens evangelísticas de Jesus e dos discípulos eram feitas a pé.
Embora Jesus fosse verdadeiramente Deus,
todavia, ele também era verdadeiramente homem, e, portanto, sentia cansaço
sempre que se esforçava fisicamente em alguma atividade quotidiana.
Marcos
4.35-38a – Naquele dia, ao anoitecer, disse ele aos seus discípulos:
"Vamos atravessar para o outro lado". Deixando
a multidão, eles o levaram no barco, assim como estava. Outros barcos também o
acompanhavam. Levantou-se um forte vendaval, e as ondas se lançavam sobre o
barco, de forma que este foi se enchendo de água. Jesus estava na popa, dormindo com a cabeça sobre um travesseiro. (NVI)
Jesus, em sua divindade, é um ser
espiritual. Sendo assim, por assumir na encarnação os atributos pertencentes à
natureza humana, também precisava dormir. Depois de um dia extenuado de
trabalho ensinando, pregando, curando e operando milagres, Jesus, no barco
mesmo, longe das multidões, aproveitou a noite, que era o único período que
tinha para dormir e descansar. Portanto, o cansaço não é produto do estado de
humilhação de Jesus, mas de sua limitação humana.
2.2 JESUS TINHA SEDE
João 4.7 – Então veio uma mulher samaritana tirar água. E Jesus lhe disse: Dá-me um pouco de água. (Almeida Século 21)
Após um longo período de caminhada por estradas poeirentas sob o sol escaldante do meio dia, Jesus senta-se à beira de um poço para descansar da viagem. Em seguida, uma mulher aparece para tirar água do poço e, vendo-a, diz: Dá-me um pouco de água.
A sede é o resultado natural e direto do cansaço provocado por alguma atividade física intensa no qual o corpo se expôs. Nesse caso, Jesus sentiu sede porque viajou a pé com seus discípulos por longas horas em estradas poeirentas sobre um calor descomunal.
A sede é o resultado natural e direto do cansaço provocado por alguma atividade física intensa no qual o corpo se expôs. Nesse caso, Jesus sentiu sede porque viajou a pé com seus discípulos por longas horas em estradas poeirentas sobre um calor descomunal.
Quando o corpo é exposto a grandes esforços, ele precisa dessedentar-se. A água é a mais importante substância que o homem ingere para continuar a viver. O ser humano pode ficar um tempo maior sem comer, mas não sem beber. A sede não é simplesmente o produto do cansaço; a água é necessária para a manutenção do nosso corpo. Deus nos fez com essa característica que aponta para a nossa limitação.5
Por outro lado, a sede também é muito comum quando nos expomos a um intenso sofrimento físico e emocional.
João
19.28 – Depois, vendo Jesus que tudo já
estava consumado, para cumprir-se a Escritura (Sl 69.21), disse: Tenho sede.
Depois de sofrer fisicamente e
emocionalmente, Jesus sentiu muita sede nos últimos momentos de sua vida, na
cruz. As dores que lhe sobrevieram por causa de ter sido espancado
violentamente pelos soldados romanos fizeram com que o seu organismo
necessitasse intensamente de água.
Assim
como Jesus, sendo Deus, se abdicou do uso de seus atributos incomunicáveis em
grande parte de sua vida, contudo, quando foi entregue para sofrer duramente, a
natureza divina conferiu suporte à natureza humana para que essa suportasse
todo o sofrimento que lhe estava proposto desde a fundação do mundo. Sem
a intervenção da natureza divina, Jesus não suportaria tamanho sofrimento e
morreria mesmo antes de ir para a cruz, como qualquer outro ser humano não
suportaria.
Porém, não podemos incorrer no erro de
separar as duas naturezas de Jesus numa tendência “adocionista” [heresia que
afirmava que Jesus era simplesmente um homem virtuoso, tão submisso ao Pai que
esse o adotou como o salvador dos homens] e “monofisista” [heresia que ensinou
que Jesus tinha apenas uma única natureza, a humana, que foi absolvida pela sua
divindade], afirmando que foi a natureza humana que sofreu. A pessoa de Jesus
foi quem sofreu antes e no momento da cruz.
Não podemos anular essa característica da sede em Jesus Cristo, pois, do contrário, estaríamos atribuindo a sua humanidade características que são inerentes e exclusivas a sua divindade. Se fosse assim, a natureza humana de Jesus não precisaria de alimento e água, sendo independente, ou seja, não precisaria de nada para manter-se viva, porque ela mesma se bastaria. Acreditar assim é ter um entendimento errôneo, pois, assim, estaríamos aniquilando a humanidade de Jesus, considerando apenas a sua divindade. Isso seria divinizar a humanidade de Cristo como o docetismo sustenta.
Não podemos anular essa característica da sede em Jesus Cristo, pois, do contrário, estaríamos atribuindo a sua humanidade características que são inerentes e exclusivas a sua divindade. Se fosse assim, a natureza humana de Jesus não precisaria de alimento e água, sendo independente, ou seja, não precisaria de nada para manter-se viva, porque ela mesma se bastaria. Acreditar assim é ter um entendimento errôneo, pois, assim, estaríamos aniquilando a humanidade de Jesus, considerando apenas a sua divindade. Isso seria divinizar a humanidade de Cristo como o docetismo sustenta.
2.3 JESUS SENTIA FOME
Mateus
4.2 – E depois de jejuar quarenta dias e
quarenta noites, teve fome.
A fome é um sintoma fisiológico pelo qual o corpo percebe que necessita de alimento para manter-se vivo. “Todos os movimentos dos nossos órgãos, sejam eles voluntários ou involuntários, gastam energia e, consequentemente, exigem alimento para que a energia gasta seja reposta. O gasto de energia tem de ser reposto somente em seres com a natureza finita”.6
Indelevelmente, Jesus, além de sentir sede, também sentia
fome porque possuía uma natureza humana que é finita. Após permanecer em jejum
durante quarenta dias, mesmo não fazendo nenhum tipo de exercício físico que
exigisse esforço de sua parte, Jesus [o que é bem provável] já havia perdido
quase todas as suas forças.
Os próprios movimentos
dos órgãos interiores (que geralmente executam movimentos involuntários, como o
batimento do coração, o esforço do músculo diafragma ao encher os pulmões de
ar, e outros) consumiam a energia do nosso Redentor. Some-se a isso o movimento
dos membros exteriores (como braços, pernas etc.) que são voluntários; sem dúvida,
a energia que se gasta todos os dias para a subsistência do corpo humano requer
uma boa alimentação.7
A semelhança de Jesus,
Moisés ficou quarenta dias e quarenta noites sem comer e sem beber água no
monte Horebe (Êx 34.28). Elias também caminhou quarenta dias sem comer e sem
beber água até o mesmo monte (1 Rs 19.8). Desse modo,
entendemos que Jesus, no deserto, não precisou do suporte da natureza divina
para aguentar os quarenta dias e quarenta noites sem comer. Moisés e Elias
também ficaram todo esse tempo sem comer, sem beber água e sobreviveram,
que, segundo a medicina, são fatos raros de acontecer e que depende muito da
resistência de cada um.
Na maioria dos casos, o corpo humano suporta a falta de água por cinco dias. Após esse período podem ocorrer graves problemas de saúde que
podem levar a pessoa ao óbito. Certamente, Moisés, Elias e o próprio Jesus
receberam algum tipo auxílio divino para suportarem ficar sem comer e beber
durante 40 dias no monte e no deserto. Portanto, Jesus sentiu fome após um período
significativo de abstinência de alimento, o que é absolutamente normal, pois
ele possuía limitações como qualquer outro ser humano possui.
2.4 JESUS É LIMITADO PELO ESPAÇO
Todo ser corpóreo está limitado a um
espaço, não podendo fugir ou se locomover dele para outro espaço ao mesmo
tempo. Se Jesus fosse somente divino, ele, então, não seria limitado pelo
espaço, porque antes de o espaço vir a existir ele já existia.
Quando
o verbo, que é Jesus, se encarnou, assumindo a natureza humana, não tivemos um
Redentor Divino e Humano, mas um
Redentor Divino-Humano. A natureza
humana de Jesus possui um corpo e um espírito humano com características próprias
de um ser finito. Tanto a natureza divina quanto a natureza
humana, depois de unidas pela encarnação, ocupam espaço de forma limitada, como
é próprio de seres finitos. Contudo, vale a pena reiterar, que Jesus não possui
duas personalidades por conta da união das duas naturezas, mas que ele é um ser
unipessoal; é uma pessoa com duas naturezas unidas.
Lc
24.31 – Então, se lhes abriram os olhos,
e o reconheceram (os dois discípulos);
mas ele (Jesus) desapareceu da
presença deles.
Muitos
evangélicos que são inclinados ao docetismo podem demonstrar oposição à humanidade
de Jesus, utilizando o texto supracitado como base para falácias perniciosas.
Lucas relata que, depois que ressuscitou, Jesus caminhou com dois discípulos
até uma aldeia distante de Jerusalém, chamada Emaús. Quando chegaram a aldeia (vs.29), decidiram faziam uma refeição. Quando
se assentaram na mesa, Jesus toma o pão, dá graças, o parte entre eles, e
dá-lhes de comer (vs.30). No
mesmo instante, os olhos desses discípulos se abriram e reconheceram que aquele
homem que havia caminhado com eles e que estava à mesa era Jesus, porém ele
desapareceu de suas vistas (vs.31).
Embora a natureza humana de Cristo possa
ter adquirido certas propriedades que desconhecemos, todavia, ela ainda se
movia no espaço. Jesus se deslocava de um lugar para outro. É por causa disso
que ele não somente aparecia como
também desaparecia. Podemos chamar
este fato de deslocamento espacial (veja
Jo 20.26).
É
absolutamente natural e próprio de seres finitos moverem-se no espaço. Os seres espirituais, como anjos e demônios,
também se locomovem no espaço, uma vez que não possuem o atributo de
onipresença, a capacidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Deus
não é limitado nem tampouco encerrado pelo espaço. Ele, como um espírito
infinito, é o único que possui esta capacidade de estar em todos os lugares ao
mesmo tempo com todo o seu ser.
Jesus não é somente Deus, mas também é
homem. Sendo assim, ele estará para sempre limitado pelo espaço, conforme a sua
natureza humana que está localizada no céu, a direita do Pai. Apesar de ser um lugar invisível e imaterial – onde
seres espirituais e intangíveis habitam – o céu também é um lugar físico, porque
Cristo está presente lá com a sua natureza humana, e a sua natureza divina
presente em todos os lugares do espaço ao mesmo tempo.
NOTAS:
1 Muller, op.
Cit, pág 316.
2 W.G.T.Shedd, Dogmatic Theology, Nashiville: Thomas
Nelson Publishers, vol 2, pág 291.
3 Heber Carlos de Campos. A União das Naturezas do Redentor, pág
88.
4 Heber
Carlos de Campos. O Habitat Humano. O
Paraíso perdido, pág 235.
5 Heber Carlos de Campos. As Duas naturezas do Redentor, pág 495.
6 Ibid, pág 496.
7 Ibid.
Autor:
Leonardo Dâmaso
Divulgação:
Reformados 21