INTRODUÇÃO
O conceito de imortalidade da
alma surgiu nas religiões de mistério na Grécia antiga, sendo desenvolvido e
recebendo grande expressão nos escritos de Platão (427-347 a.C), que foi um dos
maiores filósofos da história. No século XVIII, todavia, a ideia de
imortalidade da alma foi rigorosamente defendida pela elite intelectual que
compunha o iluminismo europeu. Apesar de não ser uma doutrina distintivamente
cristã, a imortalidade da alma foi considerada uma doutrina superior e distinta
do Cristianismo, na época. Contudo, mesmo assim, ela se adentrou tenazmente nos
recônditos da fé cristã e influenciou, de certa forma, o pensamento de muitos
teólogos que trataram deste tema em seus epítomes teológicos.
EXPLANAÇÃO
EXPLANAÇÃO
Platão
e a imortalidade da alma
Segundo o filósofo, a alma e o
corpo são substâncias que diferem entre si. A alma é a parte imortal do homem.
Sua origem é divina e desceu do céus onde desfrutava, em sua pré existência, de
uma alegria indizível para vir habitar no corpo, especificamente na “cabeça”. O
corpo, por sua vez, é constituído de matéria e, sendo assim, é uma substância
inferior e de valor pífio em relação à alma. Na morte, o corpo se desintegra,
mas a alma, que é a parte racional do homem, retorna ao céu, caso suas ações,
enquanto esteve presente na terra vivendo num corpo tenham sido honoráveis. Do
contrário, com a morte do corpo na qual habitava, a alma, que é indestrutível,
retorna para habitar em outro homem ou em um animal.
Para Platão, a imortalidade da
alma está ligada à metafísica racionalista que enfatiza aquilo que é racional como algo verdadeiro e
superior, e o que não é racional é reputado como algo inferior. Desse modo, a
alma é considerada como uma substância superior, indestrutível e, portanto,
imortal, enquanto o corpo é uma substância inferior, mortal e passível de ser
destruído. Platão considerava o corpo como um túmulo para a alma que,
indubitavelmente, é mais feliz sem ele. De acordo com esse
conceito, a ressurreição e a glorificação do corpo, que acontecerão no último
dia, na segunda vinda de Cristo, não são necessários, uma vez que o próprio
Platão não acreditava neste evento final.
Não obstante, será que vemos
nas Escrituras o conceito de imortalidade da alma? As Escrituras
utilizam essa expressão? Vejamos, pois:
1) As distinções de significado do termo imortalidade
Nas Escrituras, o termo
imortalidade aparece somente no Novo Testamento por três vezes. Esse termo é
usado exclusivamente por Paulo, e aparece duas vezes em 1 Coríntios 15.53-54 e
uma vez em 1 Timóteo 6.16. Todavia, devemos observar que o termo imortalidade
não tem o mesmo sentido em cada uma dessas duas passagens em que aparece. Em
cada uma delas há um sentido diferente.
No grego, existem duas palavras
que são traduzidas pela maioria das versões bíblicas por imortalidade; elas são
αθανασια (athanasia) e αφθαρσια (aphtharsia). Athanasia é a palavra grega
utilizada em 1 Coríntios 15.53-54. Desse
modo, vejamos, então, o significado do termo imortalidade baseado no contexto
de cada uma das passagens supramencionadas.
1.1 A imortalidade em relação ao homem
Análise
do texto
1 Coríntios 15.53-54 - Pois é
necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e
aquilo que é mortal, se revista de αθανασια (athanasia) imortalidade. Quando,
porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal,
de αθανασια (athanasia) imortalidade, então se cumprirá a palavra que está
escrita: A morte foi destruída pela vitória! (NVI)
Paulo ressalta o que vai
acontecer não com todos os homens, mas especificamente com os cristãos que
estiverem vivos, bem como os cristãos que já haviam morrido por ocasião da
segunda vinda de Cristo (vs.52), que é um evento designado para o futuro. O apóstolo
se refere necessariamente ao efeito da transformação que ocorrerá não somente
nos corpos dos cristãos [vivos e mortos] em virtude da glorificação, mas na
natureza constitucional deles num todo; tanto a parte material [corpo] bem como
a imaterial [espírito] serão transformadas e revestidas da imortalidade pelo
poder Deus.
Embora o foco da passagem
esteja na ressurreição do corpo, ainda assim não há qualquer alusão sobre a
imortalidade da alma. Paulo não descreve a imortalidade aqui como uma característica
isolada, restrita a alma do cristão; antes, ele enfatiza a imortalidade da
pessoa completa do cristão.
Se Adão não tivesse pecado
contra Deus, provavelmente viveria para sempre. Não que ele possuísse em sua natureza a
imortalidade, mas que Deus o conservaria pelo seu poder no estado de
imortalidade (Gn 2.16-17). Nessa linha de pensamento, Berkhof escreve:
O termo “imortalidade” é
empregado na teologia para destacar o estado do homem no qual ele está
inteiramente livre das sementes da decadência e da morte. Nesse sentido, o
homem era imortal [conservado por Deus nesse estado - minha ênfase] antes da
Queda. Esse estado evidentemente não excluía a possibilidade do homem se tornar
sujeito à morte. Embora o homem, no estado de retidão não estivesse sujeito à
morte, todavia, estava propenso a ela. Era inteiramente possível que, mediante
o pecado, ele se tornasse sujeito à lei da morte; e o fato é que ele caiu
vítima dela.1
É importante ressaltarmos que
o homem é uma totalidade, isto é, uma unidade psicossomática, um ser
unipessoal, e não um ser dividido em duas ou três partes, conforme a dicotomia
e a tricotomia atestam.
Não obstante, a outra palavra
grega que geralmente é traduzida por imortalidade é aphtharsia, que denota
“ausência de morte, e se refere a plenitude de vida”.2 Traz a ideia
de algo que é imperecível. Essa palavra aparece sete vezes em todo o Novo
Testamento. Em Romanos 2.7, aphtharsia é usada para indicar o alvo e o motivo
da perseverança dos cristãos em buscar viver uma vida piedosa que glorifica a
Deus.
Em 2 Timóteo 1.10, essa mesma
palavra mostra que a obra da redenção dos pecadores eleitos já estava planejada
antes da criação, na eternidade (vs.9), e que em sua primeira vinda Cristo a
executou trazendo a salvação e a imortalidade ou αφθαρσια (aphtharsia)
“imperecibilidade” a todos quanto o Pai escolheu nele. Em 1 Coríntios 15,
aphtharsia aparece quatro vezes nos versículos 42, 50, 53-54. Porém, em nenhuma destas passagens, essa
palavra é usada como se referindo a parte imaterial do homem.
O adjetivo grego derivado da
palavra aphtharsia αφθαρτος (aphthartos), é também usado sete vezes no Novo
Testamento. Aphthartos é usado na maioria dos casos por Paulo. Em Romanos 1.23
e 1 Timóteo 1.17, essa palavra é usada para descrever Deus; em 1 Coríntios
15.52 para descrever a ressurreição do corpo e a sua glorificação, que o
tornará incorruptível ou, numa tradução mais exata, αφθαρτος (aphthartos) –
“impericível ou indestrutível”. Em 1 Coríntios 9.25, a mesma palavra grega é
usada para descrever a coroa incorruptível, a saber, a vida.
Nas três ocasiões restantes,
αφθαρτος (aphthartos) aparece em 1 Pedro 1.4, onde se refere a herança
incorruptível ou “imperecível” da
salvação, que é sem mácula, imarcescível e está guardada nos céus para os
eleitos. Em 1.23, esse adjetivo realça a semente incorruptível ou
“imperecível”, da qual os eleitos nasceram de novo. Em 3.4, aphthartos salienta
a beleza interior “imperecível” de um espírito manso e tranquilo, que é de
grande valor perante Deus. Portanto, concluímos que as Escrituras não utilizam
o termo “imortalidade da alma”.
Em contraposição, alguns
teólogos reformados do passado, como Calvino, Charles Hodge, A.A. Hodge,
William G.T. Shedd e Berkhof, utilizaram e defenderam a expressão imortalidade
da alma. Em suma, esses teólogos afirmaram em seus compêndios teológicos a imortalidade da alma como um tipo de conceito que não prejudicava em nada o
que as Escrituras ensinavam sobre o assunto, mesmo que tal expressão não exista
nas mesmas.
Charles Hodge, por exemplo, acentua que a doutrina protestante acerca do estado da alma depois da morte
inclui, sobretudo, a existência contínua da alma depois da dissolução do corpo.
Isso se opõe não só a doutrina de que a alma é meramente uma função do corpo e
com ele perece, mas também à doutrina do sono da alma durante o intervalo entre
a morte e a ressurreição.3
Calvino, por sua vez,
mencionou nas Instituas a imortalidade da alma como um tipo de doutrina,4
porém, ele também admite que o estado de imortalidade não provém da própria
natureza da alma em si; antes, é Deus quem conserva a alma imortal pelo seu
poder.5 Também, em seu Comentário Bíblico expositivo de 1 Coríntios,
Calvino afirma na interpretação dos versículos 45 e 47 do capítulo 15, que o
homem [Adão] tem uma alma imortal.6
Por outro lado, Berkouwer
rejeita a imortalidade da alma como um tipo de doutrina cristã defendida por
esses teólogos citados. Ele escreve:
As Escrituras nunca se ocupam
de um interesse independente na imortalidade como tal, não mencionando a
imortalidade de uma parte do homem que despreza e sobrevive à morte sob todas
as circunstâncias e sobre a qual podemos refletir bem à parte da relação do
homem com o Deus vivo.7
Embora não haja certa
unanimidade entre os teólogos reformados
do passado acerca da imortalidade da alma, como, então, entender essa questão?
A imortalidade da alma é um tipo de doutrina mesmo que tal expressão não
apareça nas Escrituras? A ideia de imortalidade da alma está em harmonia com o
que as Escrituras ensinam sobre o homem? Em que sentido o homem, no caso o
cristão, é imortal? Vejamos a resposta para essas perguntas de forma mais
ampla a seguir:
1.2 A imortalidade em relação a Deus
Análise
do texto
1 Timóteo 6.16 - “O único que
possui αθανασια (athanasia) imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem
homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém!” (ARA)
Essa é a segunda passagem em
que o termo imortalidade aparece em todo o Novo Testamento. Paulo diz que
Deus é o único que possui a imortalidade em sua natureza, ou seja,
essencialmente, Ele é o único ser imortal que habita em luz inacessível e que
nenhum homem o viu e jamais poderá vê-lo. Acerca disso, Hendriksen escreve:
A ideia de vida, implícita na
imortalidade, naturalmente leva a ideia de luz. Nele [em Jesus] estava a vida,
e a vida era a luz dos homens (Jo 1.4). Esta luz é como o sol. Necessitamos dele
para ver, porém, não podemos fitá-lo, porque seu brilho é por demais intenso.
Nesse sentido, Deus habita na luz inacessível. A metáfora é ainda mais forte
que aquela empregada no Salmo 104.2 (“coberto de luz como de um manto”). Como
uma casa que protege os seus moradores e os esconde ainda mais quando a luz é
inacessível, assim é a própria essência de Deus em virtude do que ela é, o
protege. Daí, o termo luz, como aqui usado, reenfatiza sua incomparável
grandeza.8
John Stott ratifica, acrescentando que Deus, por ser invisível, está fora da capacidade de visão
humana e totalmente além da compreensão dos homens, pois Ele é aquele que
ninguém viu nem pode ver. O máximo que seus olhos humanos tiveram a permissão
de contemplar foi a sua glória (Êx 24.9-11; Is 6.1-5; Ez 1.28), suas costas,
mas não a sua face (Ex 33.18-23), e suas aparições em teofanias (Gn 16.7-14) ou
a sua imagem em seu Filho encarnado (Jo 1.18; 14.6, 8-9; Cl 1.15).9
Mesmo na eternidade, com os
corpos glorificados e livres da presença do pecado, ainda assim os cristãos não
verão a Deus (Jo 1.18). No entanto, veremos a Deus por meio de Cristo (Ap 22.4;
1Jo 3.2). Quando a terra for restaurada, não haverá templo para cultuarmos; o templo será o próprio Deus (Ap 21.22). Chegará o dia em que não
seremos mais habitados pelo Espírito Santo e que o papel de Cristo como o nosso
mediador entre Deus cessará, pois habitaremos em Deus. A nova Jerusalém é tanto
uma cidade que desce do céu bem como a igreja que habitará dentro do próprio
Deus!
Contudo, o fato de que
habitaremos em Deus na eternidade, não significa que iremos penetrar ou
compartilhar dos seus atributos incomunicáveis que fazem parte da sua natureza
singular e que são restritos a Ele. Não teremos a nossa natureza finita
transformada em infinita. Mesmo na eternidade e com os corpos transformados
pela glorificação, não teremos em nós mesmos a capacidade de nos mantermos
neste estado para sempre. Pelo contrário, seremos mantidos ou preservados pelo
Espírito Santo [veja Ap 22.1-2] neste estado de glorificação habitando em Deus.
Portanto, habitaremos em Deus no sentido de que Ele irá residir com o seu povo
na nova Jerusalém [a terra restaurada] que será um "templo" (Ap
21.22-24).
Simon Kistemaker corrobora que
a presença de Deus e de Cristo serve como o templo da nova Jerusalém. Deus será
o soberano e Senhor, o todo poderoso, o qual habita com os eleitos na nova
Jerusalém. O templo e a cidade são um e o mesmo.10 Habitaremos em
Deus e o veremos mediante a face de Cristo, que é a imagem exata do seu ser (Cl
1.14-15; Hb 1.3).
Retomando ao assunto da
imortalidade, todos os seres que Deus criou [homens e anjos] não possuem em sua
natureza a imortalidade; antes, são mortais e passíveis de serem separados de
Deus, como no caso dos anjos que se rebelaram. No entanto, há um sentido em que
o homem é imortal, porém não no sentido essencial como Deus.
A imortalidade faz parte da
natureza de Deus. Logo, a questão da imortalidade deve ser entendida no sentido
de que o homem vai existir para sempre. Ele nunca deixará de existir mesmo
depois da morte, pois viverá eternamente com Deus, salvo, ou viverá eternamente
perdido em condenação. Dessa perspectiva, o homem é imortal.
Seria um equívoco entendermos
a questão da imortalidade no sentido de que o homem não morre literalmente e
possui uma natureza imortal, uma vez que o homem morre literalmente devido ao
pecado (Rm 6.23). Sendo assim, os homens não são mortais somente porque são
separados de Deus por causa de seus pecados, mas são separados de si mesmos,
quando o corpo [que é o homem] se separa do espírito [que também é o homem] na
morte.
Conforme vimos anteriormente,
o homem não é um ser constitucional dividido em duas ou três partes; ele é um
ser unipessoal composto de duas partes [material e imaterial] que formam a sua
constituição psicossomática. Existem casos de homens mortos espiritualmente que
não foram vivificados ou regenerados e morreram fisicamente. Esses, depois da
ressurreição [uma vez que os ímpios também ressuscitarão para serem julgados],
continuarão mortos espiritualmente para sempre, visto que serão lançados no lago
de fogo vivos e conscientes para sofrerem a condenação (Ap 20.11-15).
Finalmente, os homens morrem
porque recebem vida e a vida lhes é tirada. A imortalidade não faz parte da
essência humana. Por outro lado, a vida é essencial em Deus. Se Deus pode
morrer, Ele perde a sua própria essência. Por isso Ele é o único que é imortal.
A imortalidade de Deus consiste no fato de Ele também ser infinito, espiritual,
independente, soberano, etc.
2) A revelação geral denota a existência eterna do homem
A revelação geral é o meio no
qual Deus se revela aos homens através da criação, consciência e história, além
de Jesus Cristo pelas Escrituras. Existem várias passagens na Escritura que
falam acerca da revelação geral (veja Sl 19.1-4; 1Co 1.21; Hb 1.1-2 dentre
outras). Bavinck escreve:
A revelação geral, apesar de
estar contida na natureza, é, contudo, extraída da Sagrada Escritura, pois, sem
ela, nós, seres humanos, por causa da escuridão de nosso entendimento, nunca
teríamos sido capazes de encontrá-la na natureza. Sendo assim, a Escritura
lança luz sobre nosso caminho através do mundo, e coloca em nossas mãos a
verdadeira compreensão da natureza e da história. Ela nos faz ver Deus onde
nós, de outra forma, não o veríamos. Iluminados por ela nós contemplamos as
excelências de Deus em toda a expansão das obras de Suas mãos.11
A revelação geral não tem o
poder de salvar ou gerar a fé salvadora numa pessoa. Por outro lado, alguns
teólogos entendem a revelação geral como uma espécie de “graça comum” sobre os
ímpios. Contudo, em Romanos 1.18-20, Paulo declara que a revelação geral é
meramente uma revelação da ira de Deus sobre o ímpio, cuja função é deixá-lo
sem desculpa perante Cristo no dia do julgamento final.
Ronald Hanko diz:
A manifestação de Deus nas
coisas que foram criadas é a razão pela qual ninguém será capaz de se queixar
no dia do juízo que não conhecia a Deus. Se considerarmos Romanos 1, não existe
nenhum ateu. [...] O único resultado dessa manifestação de Deus, no que diz
respeito ao ímpio, é que eles recusam glorificar a Deus, continuam a serem
ingratos, e transformam a glória de Deus, manifesta a eles e neles, em imagens
de coisas corruptíveis (vs. 21-25). [...] Eles, de acordo com Romanos 1, não
estão procurando a verdade, mas suprimindo-a (v. 25). A sua filosofia e
religião não representam um pequeno princípio da verdade ou um amor pela
verdade, mas a verdade recusada e abandonada. [...] A revelação geral,
portanto, serve somente para aumentar a culpa daqueles que não ouvem ou não
creem no evangelho.12
Por meio desses aspectos que
formam o pilar da revelação geral (criação, consciência, história), Deus não
somente revela-se ao homem como um ser superior incriado, supremo, eterno,
infinito, mas, sobretudo, que a vida não cessa após a morte; pelo contrário, existe
vida após a morte.
Quero analisar cinco
argumentos concernentes à revelação geral baseados na criação, consciência e
história [com exceção de Jesus Cristo, pelas Escrituras] não apenas acerca da
existência de Deus, mas também sobre a existência eterna do homem.
2.1 O argumento ontológico
Alguns estudiosos têm
argumentado que não existe no mundo pessoas que são céticas ou descrentes. Eles
dizem que a noção absoluta da religião é universal. Por mais depravados que
sejam diante de Deus, todos os homens , sem exceção, possuem o conhecimento da
existência de Deus e da vida após a morte pela consciência, ainda que este
conhecimento esteja obscurecido pelo pecado. Para os que não acreditam nisso,
existem duas opções: Ou a humanidade está mergulhada numa superstição tola e
absurda da existência de Deus e da vida após a morte ou o conhecimento da
existência de Deus e da vida após a morte, ainda que distorcido pelo pecado, é
presente na consciência de todos os homens. A segunda opção parece ser a mais
coerente de acordo com a fé Crista.
Bavinck corrobora que há na
consciência de todos os homens alguma noção de um ser supremo sobre o qual não
se pode conceber algo que seja mais elevado, e que é auto existente. Se tal ser
não existe, a maior, mais perfeita e mais inevitável ideia seria uma ilusão, e
o homem perderia sua confiança na validade de sua consciência.13
2.2 O argumento cosmológico
Este argumento parte do
pressuposto de que, se algo existe, com base nesse algo concluímos que há uma
causa primária e suficiente que causou a existência desse algo. Sendo assim,
tudo que tem um começo ou veio a existir tem uma causa primária por detrás.
Thomás de Aquino disse que o nada não pode causar a si mesmo, caso contrário
teria de conferir existência a si mesmo [isto é, causar a sua própria
existência], o que é impossível. Tudo o que é causado, portanto, é causado por
alguma outra coisa.14
Sendo assim, o mundo não veio
a existir do nada nem tampouco se auto causou. Com base na lógica racional da
fé, entendemos e cremos que o mundo foi criado por Deus.
2.3 O argumento histórico
Ao longo dos anos, sempre
houveram pessoas, eruditos e filósofos descrentes que negavam a existência de
Deus e da vida após a morte. Contudo, de forma geral, a crença na existência
disso é estabelecida em várias religiões e entre pessoas do mundo todo. Esta
“crença comum” na existência de Deus e da vida após a morte é baseada em
argumentos históricos que foram passados de geração para geração através de
pessoas e da literatura.
2.4 O argumento teológico
Este argumento acentua que
Deus, pela sua providência, poder e sabedoria, governa com equidade toda a sua
criação, onde nada acontece fora da sua vontade e sem que Ele tenha
predeterminado todas as coisas pela sua Soberania Absoluta. Bavinck enfatiza:
O mundo, em suas leis e
ordenanças, em sua unidade e harmonia e na organização de todas as suas
criaturas, exibe um propósito cuja explicação seria ridícula na base da
casualidade, e que, portanto, aponta para um ser todo abrangente e todo
poderoso que com mente infinita estabeleceu esse propósito, e por seu poder
infinito e onipresente age para alcançá-lo.15
2.5 O argumento moral
Este argumento é uma consequência
do argumento ontológico, e trata do homem como um ser racional e moralmente
responsável pelos seus atos. O homem “sente em sua consciência que é limitado
por uma lei que está acima de si mesmo e que requer obediência incondicional de
sua parte. Tal lei pressupõe um Santo e Justo legislador que pode preservar e
destruir”;16 ou seja, fazer o que quiser (Sl 115.3).
Hoekema, em seu livro A Bíblia e o futuro, aduz quatro
argumentos acerca da expressão imortalidade da alma. Vejamos, pois:
1) As Escrituras não utilizam a
expressão “imortalidade da alma”. A palavra imortalidade é aplicada a
Deus, à existência total do homem na hora da ressurreição, e a coisas tais como
a coroa e a semente incorruptível da Palavra, mas nunca para a alma do homem.
2) As Escrituras não ensinam a
existência continuada da alma devido a sua indestrutibilidade inerente.
Este argumento está relacionado com a visão metafísica do homem. Na filosofia
de Platão, por exemplo, a alma é considerada indestrutível porque ela faz parte
de uma realidade metafísica superior à do corpo. A alma é considerada como uma
substância não criada, eterna e, por causa disso, divina. Mas as Escrituras não
ensinam esse tipo de conceito da alma. De acordo com as Escrituras, o homem foi
criado por Deus e continua a ser dependente de Deus para sua existência, não
podemos indicar no homem nenhuma qualidade ou qualquer aspecto do homem que o
faça indestrutível.
3) As Escrituras não ensinam que uma
simples existência contínua após a morte seja supremamente desejável, porém,
insistem que uma vida em comunhão com Deus é o maior bem do homem. O
conceito de imortalidade da alma, como tal, não diz nada acerca da qualidade de
vida após a morte; ele simplesmente afirma que a alma continua a existir. Mas
isto não é o que as Escrituras enfatizam.
A Escritura enfatiza que viver
separado de Deus é morte, e que relação e comunhão com Deus é vida verdadeira.
Esta vida verdadeira já é desfrutada por aqueles que creem em Cristo (Jo 3.36;
5.24; 17.3). A vida em comunhão com Deus continuará a ser desfrutada pelos
crentes após a morte, conforme Paulo ensina em Filipenses (1.21-23) e em 2
Coríntios (5.8). É esse tipo de existência após a morte que as Escrituras nos
apresentam como um estado a ser anelado. Elas ensinam que mesmo aqueles que não
têm esta vida verdadeiramente espiritual, continuarão a existir após a morte; sua
existência continuada, entretanto, não será uma existência feliz, mas de
tormento e angústia (2Pe 2.9; Lc 16.23,25).
4) A mensagem das Escrituras acerca do futuro do homem é a ressurreição do
corpo. (...) De acordo com as Escrituras, o corpo não é menos real do que a
alma; Deus criou o homem em sua totalidade, corpo e alma. Nem o corpo é
inferior à alma, nem é não-essencial à verdadeira existência do homem; se fosse
assim, Jesus nunca poderia ter assumido uma natureza humana genuína, com um
corpo humano genuíno.
No ensino bíblico, o corpo não
é um túmulo para a alma [conforme acreditava Platão e outros], mas um templo do
Espírito Santo; o homem não é completo sem o corpo. Por causa disso, o futuro
estado da bênção do crente não é simplesmente a existência continuada de sua
alma, mas inclui, como seu aspecto mais rico, a ressurreição de seu corpo. Esta
ressurreição será, para os crentes, uma transição para a glória, na qual nossos
corpos deverão tornar-se semelhantes ao corpo glorioso de Cristo (Fp
3.21).17
CONCLUSÃO
Diante de tudo, entendemos que
o conceito de imortalidade da alma não pode ser considerada uma doutrina
legitimamente cristã. Pelo contrário, o ponto central que rege a escatologia
bíblica correta é o conceito da ressurreição do corpo. A imortalidade,
portanto, deve ser aplicada não a alma de forma isolada, mas ao homem num todo
[especificamente ao cristão]. Visto que o ímpio também existirá para sempre, porém condenado ao lago de fogo, os cristãos é que são considerados imortais, porque
somente eles possuem a vida eterna em Jesus Cristo. Os corpos dos cristãos ainda
serão transformados pela glorificação para o desfrute pleno da imortalidade com
Deus na terra restaurada em toda a sua constituição.
NOTAS:
1. Berkhof. Teologia Sistemática, pág 668.
2. William Hendriksen.
1, 2 Timóteo e Tito, pág 260.
3. Charles Hodge. Teologia
Sistemática, pág 1547.
4. Calvino. As Institutas I, capítulo XV, 2, pág 186.
5. Ibid. III, capítulo XXV, 6, pág 454-455.
6. Calvino. 1 Coríntios, pág 496-499.
7. Antony Hoekema citando Berkouwer em A Bíblia e o Futuro,
capítulo 8.
8. William Hendriksen. 1, 2 Timóteo e Tito, pág 261.
9. John Stott. A mensagem de 1 Timóteo e Tito, pág 163.
10. Simon Kistemaker. Apocalipse, pág 719-720.
11. Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág
40.
12. Ronald Hanko. Doctrine
according to Godliness. Reformed Free Publishing Association, pág. 8-9.
13. Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág 42.
14. William Lane Craig citando Tomás de Aquino em Apologética
Contemporânea, pág 93.
15. Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág 42.
16. Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág 43.
17. Antony Hoekema. A Bíblia e o Futuro, capítulo 8.
Autor:
Leonardo Dâmaso
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