1 Pedro 2.13-17
Tendo admoestado os cristãos a rejeitarem os
prazeres carnais (vs.11), e a manterem um comportamento irrepreensível perante
a sociedade ímpia (vs.12), Pedro, agora, foca sua atenção naqueles que foram investidos
com autoridade para governar o povo. Ele reitera a mesma instrução que Paulo
havia dado aos cristãos Romanos acerca da importância de serem submissos às
autoridades (veja Rm 13.1-7; Tt 3.1-2). Desse modo, Pedro exorta os cristãos a
obedecerem as pessoas que foram nomeadas para governá-los (vs17). Eles devem
submeter-se às leis da terra desde que estejam em harmonia com as leis de Deus
estabelecidas nas Escrituras; do contrário não devem ser obedecidas (veja At
4.1-20; 5.12-29).
2.13 Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja
rei, como soberano, 14 quer as autoridades, como enviados por ele, tanto para
castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o mal.
Pedro inicia o tema da submissão às autoridades
com o verbo sujeitar.9 Além
de ser a chave do versículo 13, é também o verbo principal de todo o trecho de
imperativos acerca da submissão, o qual se
estende até o capítulo 3.5.
A palavra sujeitai-vos,10
no grego Yποτάγητε (hypotagete), é um termo militar que traz a ideia de
dispor-se às ordens do comandante como fazem os militares; significa
“colocar-se debaixo de alguém, subordinar-se a uma autoridade”. Os cristãos,
portanto, são orientados a submeter-se de modo voluntario às autoridades
públicas sem subserviência. Concordo com Hernandes Dias Lopes, que diz que a
submissão não é uma opção, mas um mandamento. Um cristão não pode ser anárquico
nem rebelde. Ele pode e deve discordar de uma autoridade constituída sempre que
ela exorbitar em suas funções e for além de sua competência, mas jamais pode
insurgir-se contra o princípio de autoridade.11 Nessa mesma linha de
pensamento, Simon Kistemaker complementa, declarando que a implicação não é de
que a pessoa que se sujeita à autoridade perde sua dignidade, mas que ela
reconhece a autoridade que foi instituída por Deus.12
Não obstante Pedro começa abordando sobre as
autoridades de forma geral, e em seguida mais detidamente. Vejamos, pois:
1) A
extensão da submissão
Pedro exorta os cristãos a se subordinarem a
toda instituição humana. No grego, o termo instituição
κτισεί (ktisis), significa “criação”. Essa expressão, como um todo, denota um
conjunto de governo criado por Deus através dos homens. Refere-se às
organizações sociais e civis que foram estabelecidas por Deus, e abarca o
governo estatal, o trabalho e a família. Assim, é dever dos cristãos submeter-se
às pessoas que fazem parte destas organizações. No âmbito do governo, os
cristãos devem subordinar-se às autoridades políticas, públicas, a polícia e aos
juízes; no âmbito trabalhista, aos patrões e seus representantes, e, no âmbito
familiar, ao cônjuge, aos pais, avós e tios.
2) O
motivo para a submissão
Os cristãos devem sujeitar-se a todos quantos
foram revestidos de autoridade por causa
do Senhor. A razão da submissão é a obediência a Deus. Ênio Mueller acentua
que a submissão “por causa do Senhor” já começa um processo de relativização e
“desdivinização” das autoridades e instituições públicas. Não é por causa delas
(como se fossem divinas) que o cristão se submete, mas por uma causa externa a
elas, Jesus Cristo. Uma vez, pelo exemplo que ele deu (veja 2.21-25), e outra
vez pelo interesse na salvação dos outros (veja 2.12).13 Portanto,
com a expressão por causa do Senhor,
Pedro afirma que os cristãos devem submeter-se às autoridades humanas neste
mundo por amor a Jesus e para que ele seja glorificado através deste tipo de
obediência (Rm 13.1; Tt 3.1).
3) As
classes de autoridade
Pedro, adiante, especifica os tipos de
autoridade as quais os cristãos devem subordinar-se (vs.13b-14a). Senão
vejamos:
3.1 Os
cristãos devem submeter-se ao rei
O título rei
era usado com frequência para o “imperador” no mundo mediterrâneo do século l
(veja, como exemplo, Lc 23.2; At 17.7).14 Esta era a posição mais
elevada da época. Todavia, Pedro escreveu esta carta durante o reinado do
imperador Nero, que assumiu o poder em 54 d.C., aos 17 anos de idade. O
perverso imperador cometeu suicídio 14 anos depois, em 68 d.C. Foi durante o
reinado de Nero que Pedro foi morto. Conforme sabemos pela história, Nero foi
um homem extremamente perverso. Por isso ele não era digno de exercer o cargo
de imperador romano. Contudo, mesmo assim, Pedro reconhece Nero como uma autoridade
“suprema” na terra e adverte seus primeiros leitores a honrá-lo como rei.
3.2 Os
cristãos devem submeter-se às autoridades
A palavra grega ηγεμόσιν (hegemon), traduzida
pela a ARA por autoridades, enfatiza
os “governadores” (ARC, Almeida Século 21, BJ) ou “governantes” (NVI) das
províncias romanas nomeados pelo imperador ou pelo senado.
O Novo Testamento dá uma relação de nomes de
três governadores da Judéia: Pilatos, Félix e Festo. Esses três governadores
foram indicados pelo imperador romano e reportavam-se diretamente a ele. Governavam
em favor de Roma. Pedro escreve que essas autoridades são enviadas por ele, e,
assim, indica que o imperador costumava comissionar governadores. Porém ele usa
o termo com certa flexibilidade. O apóstolo não faz distinção entre os
governadores que eram enviados pelo senado romano e os governadores que eram
indicados pelo imperador durante um período indeterminado de tempo. Os
governadores indicados pelo senado romano serviam durante um determinado
mandato como “legados” ou “procônsules”, tais como Quirino (Lc 2.2); Sérgio
Paulo (At 13.6-7) e Gálio (At 18.12). Os governadores enviados pelo imperador
costumavam servi-lo em regiões problemáticas. Pedro, no entanto, não está
interessado na posição dos governadores, mas, sim, em sua função.15
APLICAÇÃO
PRÁTICA
Não importa o sistema de governo — monarquia,
presidencialismo ou parlamentarismo, devemos prestar obediência. Não importa se
a autoridade é um rei, presidente ou primeiro ministro; nosso dever é
sujeitar-nos a ela. Esse respeito e essa obediência não são à pessoa, mas a
função que ela ocupa.16
Warren Wiersbe escreve:
É possível desobedecer às leis e, ainda assim,
se sujeitar às instituições. Ao se recusarem a adotar as regras alimentares do
rei, Daniel e seus amigos desobedeceram à lei; mas a maneira de fazê-lo provou
que honravam o rei e que respeitavam as autoridades (Dn 1). Não se mostraram rebeldes; tomaram todo o
cuidado para não envergonhar o funcionário encarregado deles nem colocá-lo em
apuros e, no entanto, se mantiveram fiéis a seus princípios. Glorificaram a Deus
e, ao mesmo tempo, honraram a autoridade do rei.
Pedro e os outros apóstolos enfrentaram um
desafio semelhante logo depois de Pentecostes (At 4 e 5). O conselho judeu
ordenou que parassem de pregar em nome de Jesus, mas Pedro e seus companheiros
recusaram-se a obedecer (veja At 4:19; 5:29). Não provocaram uma rebelião nem
questionaram ou negaram de forma alguma a autoridade do conselho. Sujeitaram-se
à instituição, mas se recusaram a parar de pregar. Demonstraram respeito por
seus líderes, apesar de eles se oporem ao evangelho.
É importante respeitar o cargo, mesmo que não
seja possível respeitar a pessoa que o ocupa.
Na medida do possível, é preciso procurar colaborar com o governo e
obedecer à lei; mas não se deve jamais permitir que a lei nos leve a ofender
nossa consciência ou a desobedecer à Palavra de Deus.17
4) A
obrigação das autoridades
Pedro destaca que os governantes instituídos
por Deus possuem um duplo dever: reprimir e punir os malfeitores – “aqueles que fazem o mal” – bem como elogiar aqueles
que fazem o que é bom (vs.14b; Rm 13.3).
Como representante do imperador,
o governador tinha o poder de determinar o castigo de criminosos condenados. O
governador recebia seu poder do imperador, e o imperador o recebia de Deus.
Jesus disse a Pilatos: Nenhuma autoridade
terias sobre mim, se de cima não te fosse dada (Jo 19.11).18 Sendo assim, o Estado, com sua ordem e leis, é o ministro de Deus competente para
promover a justiça social e o bem geral
da sociedade; ao mesmo tempo
é investido de autoridade para
refrear o mal,
punindo exemplarmente os
culpados.19
NOTAS:
9. Este verbo aparece mais cinco vezes nesta
carta, nos capítulos 2.18; 3.1, 5, 22; 5.5.
10. O verbo sujeitar
pode ser traduzido no sentido ativo – “fazer com que uma pessoa seja submissa”,
no sentido passivo – “um pessoa que é levada à submissão por outra pessoa”, ou
no sentido reflexivo – “uma pessoa que é submissa”. Destarte, o imperativo
passivo aoristo do verbo deve ser entendido aqui no sentido reflexivo: “uma
pessoa que se submete”.
11. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 83-84.
12. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 135.
13. Ênio Mueller. 1 Pedro – Introdução e Comentário, pág 149.
14. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 136.
15. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 137.
16. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 85.
17. Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo. Novo Testamento 2, pág 522-523.
18. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 137.
19. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 86.
Autor: Leonardo Dâmaso
Trecho extraído do Comentário Expositivo de 1
Pedro do autor