25 de abril de 2016

Submissão às Autoridades


1 Pedro 2.13-17

Tendo admoestado os cristãos a rejeitarem os prazeres carnais (vs.11), e a manterem um comportamento irrepreensível perante a sociedade ímpia (vs.12), Pedro, agora, foca sua atenção naqueles que foram investidos com autoridade para governar o povo. Ele reitera a mesma instrução que Paulo havia dado aos cristãos Romanos acerca da importância de serem submissos às autoridades (veja Rm 13.1-7; Tt 3.1-2). Desse modo, Pedro exorta os cristãos a obedecerem as pessoas que foram nomeadas para governá-los (vs17). Eles devem submeter-se às leis da terra desde que estejam em harmonia com as leis de Deus estabelecidas nas Escrituras; do contrário não devem ser obedecidas (veja At 4.1-20; 5.12-29).   

2.13 Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja rei, como soberano, 14 quer as autoridades, como enviados por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o mal.

Pedro inicia o tema da submissão às autoridades com o verbo sujeitar.9 Além de ser a chave do versículo 13, é também o verbo principal de todo o trecho de imperativos acerca da submissão, o  qual se estende até o capítulo 3.5.       

A palavra sujeitai-vos,10 no grego Yποτάγητε (hypotagete), é um termo militar que traz a ideia de dispor-se às ordens do comandante como fazem os militares; significa “colocar-se debaixo de alguém, subordinar-se a uma autoridade”. Os cristãos, portanto, são orientados a submeter-se de modo voluntario às autoridades públicas sem subserviência. Concordo com Hernandes Dias Lopes, que diz que a submissão não é uma opção, mas um mandamento. Um cristão não pode ser anárquico nem rebelde. Ele pode e deve discordar de uma autoridade constituída sempre que ela exorbitar em suas funções e for além de sua competência, mas jamais pode insurgir-se contra o princípio de autoridade.11 Nessa mesma linha de pensamento, Simon Kistemaker complementa, declarando que a implicação não é de que a pessoa que se sujeita à autoridade perde sua dignidade, mas que ela reconhece a autoridade que foi instituída por Deus.12

Não obstante Pedro começa abordando sobre as autoridades de forma geral, e em seguida mais detidamente. Vejamos, pois:

1) A extensão da submissão

Pedro exorta os cristãos a se subordinarem a toda instituição humana. No grego, o termo instituição κτισεί (ktisis), significa “criação”. Essa expressão, como um todo, denota um conjunto de governo criado por Deus através dos homens. Refere-se às organizações sociais e civis que foram estabelecidas por Deus, e abarca o governo estatal, o trabalho e a família. Assim, é dever dos cristãos submeter-se às pessoas que fazem parte destas organizações. No âmbito do governo, os cristãos devem subordinar-se às autoridades políticas, públicas, a polícia e aos juízes; no âmbito trabalhista, aos patrões e seus representantes, e, no âmbito familiar, ao cônjuge, aos pais, avós e tios. 

2) O motivo para a submissão

Os cristãos devem sujeitar-se a todos quantos foram revestidos de autoridade por causa do Senhor. A razão da submissão é a obediência a Deus. Ênio Mueller acentua que a submissão “por causa do Senhor” já começa um processo de relativização e “desdivinização” das autoridades e instituições públicas. Não é por causa delas (como se fossem divinas) que o cristão se submete, mas por uma causa externa a elas, Jesus Cristo. Uma vez, pelo exemplo que ele deu (veja 2.21-25), e outra vez pelo interesse na salvação dos outros (veja 2.12).13 Portanto, com a expressão por causa do Senhor, Pedro afirma que os cristãos devem submeter-se às autoridades humanas neste mundo por amor a Jesus e para que ele seja glorificado através deste tipo de obediência (Rm 13.1; Tt 3.1).  

3) As classes de autoridade

Pedro, adiante, especifica os tipos de autoridade as quais os cristãos devem subordinar-se (vs.13b-14a). Senão vejamos:

3.1 Os cristãos devem submeter-se ao rei

O título rei era usado com frequência para o “imperador” no mundo mediterrâneo do século l (veja, como exemplo, Lc 23.2; At 17.7).14 Esta era a posição mais elevada da época. Todavia, Pedro escreveu esta carta durante o reinado do imperador Nero, que assumiu o poder em 54 d.C., aos 17 anos de idade. O perverso imperador cometeu suicídio 14 anos depois, em 68 d.C. Foi durante o reinado de Nero que Pedro foi morto. Conforme sabemos pela história, Nero foi um homem extremamente perverso. Por isso ele não era digno de exercer o cargo de imperador romano. Contudo, mesmo assim, Pedro reconhece Nero como uma autoridade “suprema” na terra e adverte seus primeiros leitores a honrá-lo como rei.

3.2 Os cristãos devem submeter-se às autoridades

A palavra grega ηγεμόσιν (hegemon), traduzida pela a ARA por autoridades, enfatiza os “governadores” (ARC, Almeida Século 21, BJ) ou “governantes” (NVI) das províncias romanas nomeados pelo imperador ou pelo senado.  
  
O Novo Testamento dá uma relação de nomes de três governadores da Judéia: Pilatos, Félix e Festo. Esses três governadores foram indicados pelo imperador romano e reportavam-se diretamente a ele. Governavam em favor de Roma. Pedro escreve que essas autoridades são enviadas por ele, e, assim, indica que o imperador costumava comissionar governadores. Porém ele usa o termo com certa flexibilidade. O apóstolo não faz distinção entre os governadores que eram enviados pelo senado romano e os governadores que eram indicados pelo imperador durante um período indeterminado de tempo. Os governadores indicados pelo senado romano serviam durante um determinado mandato como “legados” ou “procônsules”, tais como Quirino (Lc 2.2); Sérgio Paulo (At 13.6-7) e Gálio (At 18.12). Os governadores enviados pelo imperador costumavam servi-lo em regiões problemáticas. Pedro, no entanto, não está interessado na posição dos governadores, mas, sim, em sua função.15    

APLICAÇÃO PRÁTICA

Não importa o sistema de governo — monarquia, presidencialismo ou parlamentarismo, devemos prestar obediência. Não importa se a autoridade é um rei, presidente ou primeiro ministro; nosso dever é sujeitar-nos a ela. Esse respeito e essa obediência não são à pessoa, mas a função que ela ocupa.16  

Warren Wiersbe escreve:

É possível desobedecer às leis e, ainda assim, se sujeitar às instituições. Ao se recusarem a adotar as regras alimentares do rei, Daniel e seus amigos desobedeceram à lei; mas a maneira de fazê-lo provou que honravam o rei e que respeitavam as autoridades (Dn 1).  Não se mostraram rebeldes; tomaram todo o cuidado para não envergonhar o funcionário encarregado deles nem colocá-lo em apuros e, no entanto, se mantiveram fiéis a seus princípios. Glorificaram a Deus e, ao mesmo tempo, honraram a autoridade do rei.

Pedro e os outros apóstolos enfrentaram um desafio semelhante logo depois de Pentecostes (At 4 e 5). O conselho judeu ordenou que parassem de pregar em nome de Jesus, mas Pedro e seus companheiros recusaram-se a obedecer (veja At 4:19; 5:29). Não provocaram uma rebelião nem questionaram ou negaram de forma alguma a autoridade do conselho. Sujeitaram-se à instituição, mas se recusaram a parar de pregar. Demonstraram respeito por seus líderes, apesar de eles se oporem ao evangelho.

É importante respeitar o cargo, mesmo que não seja possível respeitar a pessoa que o ocupa.  Na medida do possível, é preciso procurar colaborar com o governo e obedecer à lei; mas não se deve jamais permitir que a lei nos leve a ofender nossa consciência ou a desobedecer à Palavra de Deus.17
       
4) A obrigação das autoridades

Pedro destaca que os governantes instituídos por Deus possuem um duplo dever: reprimir e punir os malfeitores – “aqueles que fazem o mal” – bem como elogiar aqueles que fazem o que é bom (vs.14b; Rm 13.3).

Como representante do imperador, o governador tinha o poder de determinar o castigo de criminosos condenados. O governador recebia seu poder do imperador, e o imperador o recebia de Deus. Jesus disse a Pilatos: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada (Jo 19.11).18 Sendo assim, o Estado, com sua ordem e leis, é o ministro de Deus competente para promover a justiça social e o bem  geral da sociedade; ao mesmo  tempo  é investido de autoridade para  refrear  o  mal,  punindo  exemplarmente  os  culpados.19 




NOTAS:  

9. Este verbo aparece mais cinco vezes nesta carta, nos capítulos 2.18; 3.1, 5, 22; 5.5.                
10. O verbo sujeitar pode ser traduzido no sentido ativo – “fazer com que uma pessoa seja submissa”, no sentido passivo – “um pessoa que é levada à submissão por outra pessoa”, ou no sentido reflexivo – “uma pessoa que é submissa”. Destarte, o imperativo passivo aoristo do verbo deve ser entendido aqui no sentido reflexivo: “uma pessoa que se submete”.   
11. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 83-84.
12. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 135.
13. Ênio Mueller. 1 Pedro – Introdução e Comentário, pág 149.   
14. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 136.
15. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 137.
16. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 85.
17. Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo. Novo Testamento 2, pág 522-523.
18. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 137.
19. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 86.




Autor: Leonardo Dâmaso
Trecho extraído do Comentário Expositivo de 1 Pedro do autor
Divulgação: Reformados 21