4 de abril de 2016

Afinal, EU te repreendo ou O SENHOR te repreenda?


Judas 9  Mas quando o arcanjo Miguel, discutindo com o Diabo, disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar contra ele juízo de maldição, mas disse: O Senhor te repreenda! 

INTRODUÇÃO

O Brasil é o país das crendices, do sincretismo religioso, das religiões místicas e animistas. Muitos tupiniquins são fascinados pelo sobrenatural. São ávidos pelo mundo dos espíritos. Todavia, muitas pessoas que foram convertidas, que se tornaram evangélicas, faziam parte de alguma religião. Muitas vieram do Catolicismo, e outras de religiões místicas e animistas, como a umbanda, candomblé, espiritismo, entre outras. 

Contudo, independente da religião, a maioria dos brasileiros são adeptos de crendices populares. Dentre as muitas superstições, temos a crença no Trevo de Quatro Folhas e no Pé de Coelho – que são amuletos que trazem a sorte, o chinelo virado de cabeça para baixo faz mal, se perdermos algum coisa, basta solicitarmos ao famoso São Longuinho: o santo dos achados e perdidos; só não podemos esquecer que, assim que acharmos o que havíamos perdido, devemos lhe oferecer, como agradecimento, três pulinhos. Temos ainda a crença no famoso ritual supersticioso que faz cessar a chuva; é só jogarmos um pouco de sal pela janela de nossa casa.   
    
Diante das crendices supracitadas, podemos observar que muitos pastores e evangélicos ainda são influenciados por elas. Vários deles foram regenerados e convertidos, mas ainda assim necessitam de uma mudança de cosmovisão. Os evangélicos místicos precisam ter a visão de mundo esmerada pela Palavra de Deus. Com efeito, o analfabetismo bíblico é pomo do desinteresse de muitos cristãos pela leitura e pela teologia. Por isso são facilmente enganados por falsas doutrinas, equivocados teologicamente e eivados de crendices.      


EXPLANAÇÃO

Tendo em vista o sincretismo de religiões que há no Brasil e sua influência esmagadora sobre as pessoas e a cultura, não foi difícil o movimento de Batalha Espiritual se adentrar nas igrejas neopentecostais e pentecostais. EU te repreendo, diabo!, ou TÁ reprendido, Satanás!, são as famosas expressões de guerra desses evangélicos contra o exército espiritual maligno.  

A origem do conceito de repreender demônios 

O movimento herético de batalha espiritual alcançou grande popularidade mediante dois romances escritos por um novelista – Frank Perretti, chamados Este Mundo Tenebroso (vols. 1 e 2), os quais relatam o renhido confronto espiritual de um grupo de cristãos contra espíritos malignos territoriais que tentavam estabelecer domínio em pequenas cidades nos Estados Unidos. Todavia, o conceito de batalha espiritual [especificamente o da quarta linha, caracterizada pela terceira fase da atuação do Espírito, a saber, o neopentecostalismo] envolvendo a luta com demônios, ministério de libertação, quebra de maldições e mapeamento espiritual ganhou destaque, tendo maior popularidade no Brasil, através do seu maior precursor, o teólogo Peter Wagner, que escreveu vários artigos e livros sobre o tema.      
Não obstante, alguns dos “procedimentos” essenciais do movimento de batalha espiritual já era praticado no início do século 20. “Nas três primeiras décadas, o missionário inglês James O. Fraser, trabalhando em meio ao povo Lisu, na China, um povo envolvido com magia negra, espiritismo e animismo, utilizou estratégias como dar ordens em voz alta a Satanás e seus demônios para quebrar o domínio desses espíritos sobre os Lisu. Partindo de sua experiência no campo missionário, Fraser desenvolveu na base da “tentativa e erro” alguns métodos para combater, pela oração, a influência dos espíritos malignos que atormentavam esse povo tribal. O que convenceu Fraser de que estava no caminho certo foi que esse método “funcionava”. Ele foi um obreiro relativamente desconhecido, e sua prática permaneceu no desconhecimento até a publicação de sua biografia pela esposa de Howard Tayler em 1956.1

Apesar de existir 4 posições dentro do movimento de batalha espiritual que diferem umas das outras [os carismáticos, dispensacionalistas, batalha espiritual moderada e batalha espiritual popular da terceira fase], todas elas são unânimes nas premissas fundamentais de sua teologia” mística e herética.  

As repreensões de demônios no ministério de Jesus 

O argumento popular utilizado pelos adeptos do movimento de batalha espiritual para repreender os demônios que atacam maleficamente a vida das pessoas é que o próprio Jesus, o Deus filho encarnado, repreendeu os demônios, pois ele veio a este mundo para desfazer as obras do diabo (1Jo 3.8).

Indubitavelmente, Jesus repreendeu demônios em seu ministério terreno. Se estudarmos no Novo Testamento o verbo repreender έπιπιμάω (epitimaõ), especificamente nos Evangelhos, iremos perceber que ele está limitado nas repreensões aos demônios realizadas somente por Jesus. Ele repreendeu um tipo de doença apenas uma vez, quando curou a sogra de Pedro, a qual estava com uma febre altíssima (Lc 4.39). Repreendeu a tempestade [o vento e o mar], que imediatamente cessou (Mt 8.26; Mc 4.39). Repreendeu os demônios para que não revelassem aos outros que ele era o Filho de Deus (Mt 12.16; Mc 3.12) e, em outras circunstâncias, nos exorcismos, para que ficassem calados e saíssem da vida de suas vítimas (Mt 17.18; Mc 1.25; 9.2).  

No livro de Atos e nas cartas de Paulo, Pedro, João, Judas e Hebreus, não encontramos qualquer um dos apóstolos usando o termo repreender ou ensinando que os cristãos devem repreender os demônios. Houve poucos exorcismos no ministério dos apóstolos em comparação ao ministério de Jesus. Com a vinda do Deus Filho encarnado, o mundo espiritual foi de certa forma abalado. Por isso Jesus realizou bem mais exorcismos do que os apóstolos. Embora vemos descrito no livro de Atos o ríspido confronto de Paulo com o falso profeta Barjesus ou Elimas, ainda assim ele não disse EU te repreendo, diabo!, ou TÁ repreendido! (At 13.4-12), conforme fazem os pastores e cristãos pentecostais e neopentecostais quando realizam exorcismos. 

Análise teológica do termo Repreender 

Os dois motivos pelos quais não podemos estender o ato de repreender aos cristãos para cercear a ação dos demônios é (1) por conta da falta de evidências explícitas nas Escrituras para este hábito e (2) porque repreender os demônios é uma prerrogativa exclusiva de Cristo, apenas, pois foi Jesus quem venceu Satanás, os demônios e os expôs publicamente a derrota, triunfando sobre eles na cruz pela sua morte e ressurreição (Cl 2.15). Jesus é Deus e Senhor sobre toda sua criação. Se os cristãos usam-no como exemplo de vida e aquele quem lhes deu autoridade para repreender demônios e doenças, via de regra eles deveriam também repreender tempestades, furacões e tsunamis, uma vez que possuem autoridade e que Jesus, conforme vimos, também repreendeu a fúria destes elementos naturais. Contudo, ninguém na história foi capaz de fazer isso, nem mesmo os apóstolos, somente Jesus.

Por outro lado, muitos cristãos podem tentar refutar essa premissa recorrendo ao Evangelho de Marcos 16.17, onde o próprio Jesus diz, segundo os cristãos pentecostais e neopentecostais:

E estes sinais acompanharão os que creem: em meu nome [no nome de Jesus] expulsarão demônios”[com isso temos o famoso clichê neopentecostal e pentecostal: “EU te repreendo, demônio”!; nota do autor]. (Almeida Século 21)

Embora possa ser interpretado como uma referência aos apóstolos, é importante destacar que, tendo em vista os problemas textuais que levantam dúvidas quanto a sua autenticidade, os versículos 9-20 do capítulo 16 do Evangelho de Marcos não constam em alguns manuscritos antigos. Existem também finais diferentes para este trecho do Evangelho em outros manuscritos importantes. Portanto, devemos ser cautelosos antes de fazer uso desta passagem como prova irrefutável de que os cristãos podem repreender os demônios, uma vez que receberam autoridade do próprio Jesus para este exercício.

O trecho final do Evangelho de Marcos faz parte da Escritura inspirada, inerrante e infalível. Entretanto, é duvidoso que Marcos o tenha escrito, pois, além do estilo diferente do evangelista, muitos manuscritos, como o Vat. e o Sin, omitem o final clássico. Em vez da conclusão tradicional, um manuscrito tem o final mais breve, que dá continuidade ao versículo 8. Quatro manuscritos esboçam dois finais  um breve e um longo. Outros manuscritos, porém, demonstram um final mais longo, que se intercala entre o versículo 14 e 15. Com relação ao final original, é muito provável que tenha desaparecido de alguma forma que desconhecemos. Tendo em vista os vários finais, entendemos que existe continuidade entre o versículo 8 e 9. Por isso é improvável que a conclusão do Evangelho terminasse no versículo 8. Assim, o final que temos na Escritura, além de já ser conhecido no século 2 por Taciano e Irineu, e tendo o endosso da maioria dos manuscritos gregos, foi escrito para preencher essa lacuna.     

O exemplo de Miguel perante Satanás  

Em Judas 9 é relatado que o arcanjo Miguel, discutindo e disputando com o diabo sobre o corpo de Moisés, não foi ousado em pronunciar contra ele injúrias, e nem disse Eu te repreendo em nome de Jesus nem tampouco EU te repreendo, Satanás! Pelo contrário, Miguel disse: “O SENHOR te repreenda”!

O arcanjo Miguel é o mais poderoso dos anjos de Deus. Ele é o chefe do exército dos anjos de Deus. É um ser sem pecado, poderoso e está na presença de Deus. Na ocasião em que se deparou em um confronto com o diabo acerca do corpo de Moisés [é bem provável que Satanás queria roubar o corpo de Moisés para incitar Israel a idolatria], o arcanjo Miguel não conversou nem se atreveu a proferir palavras infames contra ele como muitos pastores e cristãos o fazem devido a ausência de conhecimento. Eles costumam dizer, além de entrevistar demônios, quando a suposta manifestação não é uma fraude, o seguinte: 

“Você não vale nada, Diabo! Seu desgraçado”! Você é um leão sem dentes! Você é um cabeça rachada [clichê popular no meio pentecostal e neopentecostal], etc. Ou EU te repreendo, diabo, em nome de Jesus!, como muitos evangélicos fazem. Eles colocam o EU em primeiro lugar, e o em nome de Jesus em último lugar na expressão de guerra. Miguel não foi audacioso como são muitos evangélicos pentecostais e neopentecostais. Antes, ele entende que somente Cristo Jesus e Deus Pai podem repreender Satanás, e se limitou apenas em dizer O SENHOR te repreenda!  
       
CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi proposto, entendemos pelas Escrituras três coisas:

(1) Os cristãos não podem repreender Satanás e os demônios.

(2) O ato de repreender o diabo é uma obra exclusiva de Jesus que ocorreu no passado, em seu ministério, morte, ressurreição e ascenção aos céus. 

(3) Os cristãos podem repreender as atuações demoníacas, mas ao invés de utilizarem expressões equivocadas e insolentes como EU te repreendo, Satanás!, ou em nome de Jesus, EU te repreendo, demônio!, devemos simplesmente enunciar o conceito bíblico: O Senhor Jesus te repreenda, Satanás! Oh, Senhor, anule a ação do Diabo! Meu Deus, que o Cristo todo-poderoso suprima a influência maligna desta vida!   

Quando se viram ameaçados pelos lideres religiosos em Jerusalém, os cristãos da igreja primitiva em Atos não repreenderam algum demônio que poderia estar por trás da oposição que estavam enfrentando [o que pode ter acontecido, uma vez que o diabo se opõe aos que evangelizam e ensinam o verdadeiro evangelho, mas nem sempre], como fazem os pentecostais e neopentecostais, quando se deparam com as adversidades da vida, pois imaginam que todo o mal é de origem maligna. Pelo contrário, eles se voltaram para Deus em oração, rogando que Ele olhasse para as ameaças que receberam para não mais anunciar o evangelho (At 4.29-31). 



NOTA:

1. Augustus Nicodemus Lopes. O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual, pág 31.  



Autor: Leonardo Dâmaso
Divulgação: Reformados 21