Sei que esse assunto já foi debatido e rebatido várias vezes, por isso é possível que esse texto não
apresente nenhuma novidade para alguns irmãos. Entretanto, gostaria de compilar
aqui algumas das melhores razões para não usarmos o termo levita para
designar as pessoas que tocam e cantam no “período de louvor”. E mesmo que você
não use o termo, proponho que leia pelo prazer de ver a história da salvação se
desenrolando na figura do sacerdote.
1) Nem todos os levitas eram músicos
A Bíblia relata, é verdade,
que existiam levitas envolvidos com a música no antigo Israel. Vemos corais e
bandas formados por membros da tribo de Levi e voltados exclusivamente para
esse ministério. Entretanto, também lemos sobre levitas que cuidavam de outras
atividades cultuais, como o sacrifício, e aqueles que se envolviam em tarefas administrativas
e operacionais.
Sei que alguns defensores do termo levita sabem disso. (Por exemplo, o polêmico concurso “Promessas”
admite isso em seu site oficial). Ainda assim, preferiu ignorar todas as
outras funções associadas ao ministério levítico e concentrar-se apenas
nessa. Por quê?
Alguns entendem que é por
estrelismo dos músicos, mas prefiro pensar que há um motivo mais profundo – a
valorização medieval de funções “sagradas” em detrimento de funções
“seculares”. Varrer o chão, organizar culto, carregar coisas – qualquer um faz.
Adorar, somente os crentes. Há um fundo de verdade aí, mas também há uma
ignorância quanto ao chamado geral de Deus para humanidade. Tanto o
administrador quanto o zelador podem glorificar a Deus em suas respectivas
funções. Isso não é um culto público, mas é um culto.
Assim, alguém responsável por
assuntos cotidianos como arrumar cortinas do templo poderia “ser tão adorador”
quanto Asafe, o compositor. E um músico
no culto público pode estar profanando o nome de Deus – se seu alvo não for a
glória do Criador.
2) O chamado levítico originalmente envolvia toda a humanidade
Um dos assuntos mais
interessantes da Bíblia é a teologia do local de adoração. Quando Adão e Eva
foram criados, eles receberam um chamado de glorificar a Deus por meio do
casamento e da procriação, do domínio sobre a natureza e do descanso no sétimo
dia. E eles foram colocados em um Jardim, onde poderiam adorar o Criador e
exercer a função de guardar e cuidar do Éden.
Algo que passa despercebido
pela maioria dos cristãos é que Moisés e outros autores bíblicos repetiram
certas expressões e símbolos sobre o
Jardim do Éden quando falavam
sobre o tabernáculo e o templo. Ou seja,
o Éden era um “templo” que deveria ser guardado pelos primeiros levitas – Adão e Eva. Os termos “lavrar e guardar” (Gn 2.15) são os mesmos usados para as funções dos
levitas em Números 3.7-8, 8.26 e 18.5-6. O chamado de adoração e cuidado com o
“templo” é um chamado geral, dado a nossos primeiros pais, assim como o
casamento, a família, o trabalho e o descanso.
“Se o Éden é visto como um
santuário ideal, então talvez Adão deva
ser descrito como um Levita arquetípico”
(Gordon J. Wenham)1
3) O levita tinha um papel de mediador, assumido por Cristo
Como ungidos do Senhor, os
levitas tinham um papel de mediar a Aliança entre Yahweh e o povo de
Israel. Eles não eram simplesmente
pessoas que “ministravam a adoração” para a congregação. Muitos veem o
povo realizando sacrifícios e entendem que aquilo era o paralelo de nossos
momentos de louvor hoje. Há certa relação, mas os sacerdotes faziam muito mais.
Como mediadores, eles exerciam
o papel de representar Deus para o povo e representar o povo para Deus. É por
isso que esse era um cargo de extrema importância e perigo. Se o levita
chegasse contaminado na presença de Deus, ele estava dizendo que a nação estava
em pecado. Se ele chegasse maculado na
presença de Israel, era uma blasfêmia – “Deus” estava corrompido. Eles não
estavam simplesmente realizando cultos, eles tornavam o culto possível.
Hoje, esse papel é cumprido
perfeitamente por nosso sacerdote e cordeiro Jesus. Como perfeito Deus e
perfeito homem, ele pode posicionar-se como representante de Yahweh diante do
povo e representante da igreja diante de Deus. Como afirma o Apóstolo, há um só Deus e um só mediador entre Deus e os
homens, Jesus Cristo homem (1 Tm 2.5). Assim, o ministro de louvor hoje é
meramente alguém dependente do verdadeiro mediador, aquele que torna o culto
possível, o Senhor Jesus.
4) Jesus não é representante do sacerdócio levítico
Apesar de
sacerdote, Jesus não pode ser considerado um levita. Um motivo para isso é
biológico – ele não é descendente de Levi, mas de Judá. Como ele poderia
assumir a função sacerdotal? O segundo motivo é teológico. O autor de Hebreus
ensina que Jesus é sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (Hb
5.10).
O Salmo 110 (não sem motivo o
texto do Antigo Testamento mais citado no Novo) nos fala de um rei-sacerdote
que se assenta no trono de Davi. De fato, o próprio Davi cumpriu certas funções
sacerdotais sem ser realmente um levita. Como isso seria possível? Isso
acontece porque esse sacerdote é da mesma ordem de um misterioso personagem de
Gênesis 14, um rei de Salém (note as sílabas finais de uma tal Jerusalém)
chamado Melquisedeque.
Esse personagem, por estar
envolto em tanto mistério, é considerado uma figura de Cristo. Ele era “sem
pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas
sendo feito semelhante ao Filho de Deus”
(Hb 7.3) e tanto rei de justiça quanto de paz (7.2). Assim, valorizar
demais o sacerdócio levítico pode nos levar a renegar uma ordem superior, a de
Melquisedeque, por quem vem a perfeição
(Hb 7.11).
5) A Nova Aliança, da qual fazemos parte, tornou o sacerdócio levítico
caduco
O autor de Hebreus vai mais
além e diz que o sacerdócio da ordem de Arão foi revogado. Diante da
superioridade de um sacerdote que é eterno (Hb 7.24), mediador de uma Aliança superior
(Hb 8.6), ele conclui que o sistema anterior era fraco e não podia aperfeiçoar
(7.18,19).
Usando o relato sobre Abraão e
Melquisedeque, o autor de Hebreus mostra que, quando o Patriarca entregou seus
dízimos ao Rei de Salém, estava ali comprovado que o sacerdócio levítico era inferior
ao sacerdócio de Jesus. Como assim? Ele
explica que a tribo de Levi era
responsável pelo recolhimento do dízimo no antigo Israel. Mas o que
vemos em Gênesis? Um antepassado dos levitas entregando as ofertas e sendo
abençoado por outro sacerdote! Levi, ainda nos lombos de Abraão (7.10),
colocou-se debaixo da autoridade de Melquisedeque. Como sabemos, somente o maior abençoa o menor
(7.7). Assim, depois dessa
interpretação pouco usual (mas inspirada), o autor de Hebreus conclui – a Nova
Aliança envelheceu a primeira, que está velha e prestes a acabar (8.13). Fazer referência a essa instituição em cultos neotestamentários é exaltar as
sombras que passaram, que não aperfeiçoam (10.1) e são fundadas no que é
terrestre e passageiro (8.2).
6) Em Cristo, todos somos sacerdotes
Unidos a Cristo, somos
tratados como portadores de sua perfeita vida de obediência e, assim, podemos
ser considerados sacerdotes. Um dos chamados de Israel era ser um reino de
sacerdotes (Êx 19.6) – justamente a posição que Adão falhou em cumprir. O apóstolo
Pedro aplica essa expressão à igreja e afirma que somos sacerdócio real (1 Pe
2.9).
Da mesma forma que a humanidade foi chamada no primeiro Adão para guardar o Éden, a nova humanidade,
no último Adão, é chamada a ministrar na Nova Criação. Todos os crentes são chamados a adorar e
oferecer sacrifícios (Rm 12.1), não apenas uma classe especial de pessoas. É isso que chamamos de sacerdócio
universal dos crentes.
7) Cria uma divisão entre crentes “levitas” e “não levitas”
A última razão é mais prática
que teológica. Em muitas igrejas, essa separação entre “ministros de louvor” e
a congregação gera uma perigosa classificação de espiritualidade. É claro que
pessoas que se colocam à frente da congregação (e, de certa forma, ensinam e
lideram o rebanho) devem tomar um cuidado especial em relação as suas atitudes e
serão responsabilizados mais rigorosamente.
Entretanto, isso não coloca necessariamente os cantores e músicos em algum tipo de posição diferente,
como alguém mais consagrado, um foco maior
de ataques do inimigo, imune à críticas, etc. Tanto pastores quanto músicos e “leigos” são
aceitos por Deus por meio da fé em Cristo, porque ele viveu e morreu de forma
perfeita por nós. Diante de Deus, todos têm 100% de aprovação.
Ao mesmo tempo em que músicos e cantores devem estar atentos para que não caiam, eles precisam se lembrar de que a cruz nivela tudo – somos todos merecedores da ira eterna, somos todos considerados perfeitos por Deus. Em Cristo, não em Levi, todos somos templo, sacrifício e sacerdotes. Se Deus nos uniu assim, quem somos nós para separar?
NOTA:
1. Para uma tabela que mostra a ligação ente o Éden e o
Templo/Tabernáculo, ver God’s Glory in Salvation through Judgment: a Biblical
Theology, de James M. Hamilton. Boas
informações também em From Eden to the New Jerusalém, de T. Desmond
Alexander.
Autor: Josaías
Ribeiro Júnior
Fonte:
Reforma 21