As últimas décadas do século
XX têm sido caracterizadas por movimentos filosófico-teológicos que romperam
com tudo o que, historicamente, tem sido crido como verdade fundamental, da
qual não se poderia abrir mão. Esses movimentos têm tomado vários nomes como:
secularismo, relativismo, pós-modernismo e pluralismo.1 Eles são
movimentos que caminham juntos, cada um com as suas próprias características,
mas há alguns sentidos em que eles se confundem e se sobrepõem. Nenhum deles é
ofensivo ao outro. O secularismo é o guarda-chuvas sob o qual todos
convergem.2 O curioso é que todos esses ismos estão de alguma
forma amarrados à esfera temporal, sem qualquer noção de verdades eternas e
sobrenaturais. Não há a ênfase às verdades transcendentais. As coisas estudadas
nesses movimentos não ultrapassam a esfera das coisas mensuráveis e
verificáveis cientificamente. Embora o modernismo já esteja quase fora de cena,
ainda a filosofia Kantiana deixa os rastros do seu ensino de que o Eterno não
tem envolvimento no temporal. As coisas da metafísica não têm vez num mundo
dominado por um secularismo disfarçado com vários nomes.
Neste ensaio, poderemos ver como o pós-modernismo e o pluralismo se entrelaçam de várias formas. A abordagem deste ensaio será do pluralismo como um movimento ético, religioso e teológico.
Estamos vivendo num tempo de
muitas mudanças fundamentais. Portanto, precisamos obedecer a recomendação da
Palavra de Deus de conhecer os tempos, que já
é hora de vos despertardes do sono... (Rm 13.11).
1. As Origens do Pluralismo Pós-Modernista
A cultura ocidental tem
passado por muitas mudanças. Uma cosmovisão depois da outra tem aparecido. A
cosmovisão bíblica, isto é, a ideia de mundo, de criação, de Deus, de homem,
etc., através das lentes da Escritura, tem atravessado todos os períodos da
civilização ocidental. Contudo, depois da entrada do período moderno, essa
cosmovisão sofreu sérios embates e, com as lentes do racionalismo, fez com que
a cosmovisão bíblica viesse quase a desaparecer em alguns segmentos e regiões.
Com o advento dos tempos modernos, a cultura ocidental foi invadida pela
cosmovisão romântica e de um cientificismo materialista, do século XIX. No
século XX, ela foi invadida pelo marxismo, fascismo, positivismo e
existencialismo.3 Contudo, na
segunda metade deste século, o espírito do tempo "moderno" veio a
cair de moda. Entramos nos tempos pós-modernos. Esse tempo, segundo alguns, foi
iniciado com a falência do comunismo, com a derrocada do muro de Berlim, em
1989, e com o insucesso absoluto da economia do sistema materialista. O
modernismo foi substituído pelo pós-modernismo. Houve a queda dos padrões
morais anteriormente estabelecidos e começou a questionar-se de maneira muito
mais clara a necessidade de haver uma verdade objetiva.
Contudo, o pluralismo não
nasceu no período pós-moderno. Ele tem suas raízes já no período moderno. No
começo do século XIX, Schleiermacher começou a questionar a exclusivismo do
cristianismo, que dizia ser Jesus Cristo o único caminho para a vida. O problema
da diversidade religiosa estava levantado. O cristianismo começou a ser
questionado como a única saída para os problemas humanos. Schleiermacher
argumentava que Deus "está salvificamente disponível, em algum grau, a
todas as religiões, mas o evangelho de Jesus Cristo é o cumprimento e a mais
alta manifestação da consciência religiosa universal."4 O cristianismo do liberalismo teológico do
século passado começou a sustentar que o Deus imanente do cristianismo não
pertencia somente ao cristianismo, mas pertencia a todas as culturas religiosas
do mundo. Jesus Cristo era o exemplo máximo deste Deus imanente, mas não era a
única forma dele expressar-se. Mais tarde, já no final do século XIX, o
cristianismo liberal começou a questionar que Jesus Cristo era o cumprimento da
religião, ou a expressão máxima do Deus imanente. Ernst Troeltsch "esposou
o pluralismo." Mesmo confessando que o cristianismo possui "uma
verdade e poder espiritual" e até a "manifestação da vida divina em
si mesma," Troeltsch concluiu que esse julgamento tem "validade
somente para nós." Outras civilizações também possuem seu próprio acesso
salvífico à vida divina, independentemente do cristianismo.5 Por isso, no final do século passado e no
começo deste século, começou a haver o diálogo com as outras religiões e até uma tentativa de ecumenismo entre as várias religiões do mundo, incluindo as
não cristãs.
Contudo, embora o pluralismo
não tenha nascido no período pós-moderno, ele floresceu e desenvolveu-se de
maneira impressionante no período pós-moderno, porque este é o período das
contestações, do abandono e da rejeição dos padrões e das crenças anteriores. O
pluralismo teve as suas portas destravadas no período moderno, e elas foram
escancaradas no período pós-moderno. Com essas coisas em mente, fica mais fácil
entender porque o pluralismo cresceu assustadoramente, mesmo em alguns círculos
chamados "cristãos," como veremos mais adiante. Foi no período
pós-moderno, portanto, que a cultura ocidental assimilou bem a ideia de outras
alternativas aceitáveis além do cristianismo.
2. As Diversas Formas do Pluralismo Pós-Modernista
A. Pluralismo Intelectual
As fontes do pluralismo
intelectual estão claramente relacionadas com o pós-modernismo, que se
evidencia numa cultura sem os seus absolutos. O modernismo capitulou diante do
pós-modernismo. Com este último, houve um colapso geral da confiança no
Iluminismo, no poder da razão para proporcionar os fundamentos para um
conhecimento universalmente válido do mundo, incluindo Deus. A razão falha em
libertar a moralidade correspondente ao mundo real no qual vivemos. E com este
colapso da confiança nos critérios universais e necessários da verdade, têm
florescido o relativismo e o pluralismo.6
Uma das ilustrações do pluralismo intelectual pode ser vista na abordagem dos textos e de sua linguagem. Trata-se de um método crítico do texto chamado Desconstrucionismo, que virtualmente declara que a identidade e as intenções do autor de um texto são irrelevantes para a interpretação do texto, antes de insistir que em qualquer caso, nenhum significado pode ser encontrado nele. Todas as interpretações são igualmente válidas ou igualmente destituídas de significado (dependendo do ponto de vista de quem o analisa).7 Todas as pessoas podem ter as suas próprias ideias com respeito ao texto lido. Ninguém pode reivindicar exclusividade de verdade na sua interpretação.
O pós-modernismo afirma que a
linguagem não pode expressar verdades a respeito do mundo de um modo objetivo.
"A linguagem, por sua própria natureza, dá forma ao que pensamos. Visto
que a linguagem é uma criação cultural, o significado é, em última análise, uma
construção social."8 Os valores do pós-modernismo não são
pessoais, mas sociais, da cultura. O verdadeiro significado das palavras é
parte de um sistema fechado de uma cultura, que não faz sentido para uma outra
cultura.
Como seres humanos, não
podemos escapar da linguagem. Nossa linguagem está presa à nossa cultura, e não
podemos pensar por nós mesmos. As palavras pensam por nós. Portanto, para os
desconstrucionistas todos nós vivemos encarcerados na "prisão da
linguagem."9 A linguagem
humana não contém qualquer verdade absoluta. Então, tirando vantagem desse
conceito, os pós-modernistas procuram minar os muros dessa prisão, a fim de
poder derrubá-los. Como fazem isso? A única forma é tornar as palavras
destituídas de sentido absoluto, dizendo que elas expressam ideias
escorregadias e mutáveis. Por essa razão, um texto não pode conter uma verdade
absoluta, pois o sentido que o autor quis dar a ele não é importante. O
importante é como quem lê o entende. Pessoas podem ter as mais diferentes
interpretações do mesmo texto, sem que isso constitua uma contradição. A
contradição existe se há a verdade absoluta, mas como não há, não há
contradição.
Os desconstrucionistas do
pós-modernismo procuram desenvolver uma "hermenêutica de suspeição"
quando leem um texto. Eles abordam o texto não para encontrar a verdade
absoluta nele, uma verdade objetivamente descrita, mas para desmascarar o texto, procurando descobrir o que está escondido nele. Entendendo que a linguagem é
detentora de todo o poder, os desconstrucionistas procuram a libertação desse
poder por romper a autoridade da linguagem. "A hermenêutica da suspeição, referida acima, vê cada texto como
uma criação política usualmente designada para funcionar como propaganda para o
status quo."10 A ideia
dos desconstrucionistas é tirar o poder das palavras que formaram a civilização
ocidental criando os preconceitos de racismo, sexismo, patriarcalismo,
homofobia, imperialismo e a opressão econômica. A fim de quebrar com essa
sociedade doentia, o desconstrucionismo procura retirar das palavras o seu
significado objetivo, dando-lhes uma interpretação subjetiva, dependendo do
entendimento de quem as lê.
Dá para imaginar o caos
teológico quando se aplica este método desconstrucionista aos textos da
Escritura. Os desconstrucionistas podem fazer o que quiserem para destruir o
sentido que o autor sacro quis dar às suas palavras, e, assim, acabam por
desautorizá-las, tirando-lhes o sentido de uma verdade objetiva. Cada leitor
dos textos bíblicos dá a sua própria interpretação, já que as palavras não
possuem o significado que o autor quis dar, uma vez que este, no pensamento dos
desconstrucionistas, é irrelevante. A interpretação está sujeita ao
entendimento que o leitor tem das palavras, de acordo com a sua própria
formação cultural, já que palavras são matéria de formação cultural.
B. Pluralismo Religioso
O pluralismo religioso vigente
na sociedade contemporânea ocidental teve a sua origem em outros ismos
filosófico-teológicos nestas últimas décadas. Ele tem a ver intimamente com o
relativismo e com um pós-racionalismo do Iluminismo, que é o chamado
pós-modernismo, além das influências do orientalismo religioso.
Os pluralistas cristãos têm
recebido profundas influências das religiões orientais, especialmente do
Budismo. Para justificar suas ideias, os pluralistas cristãos usam uma parábola
contada pelos budistas sobre seis homens cegos e um elefante. Cada um desses
homens cegos apalpou o elefante vindo a conceber uma ideia diferente dele. O
primeiro cego, após apalpar o lado musculoso do elefante, chegou à conclusão de
que ele era como um muro. O segundo cego, após apalpar as pernas grossas e
roliças do elefante, protestou, dizendo: "Não, o elefante tem uma forma
diferente. Ele se parece com uma coluna. O terceiro abordou o elefante de uma
forma diferente. Após apalpar a tromba, disse: "Vocês dois estão
enganados. O elefante se parece com uma grande cobra." E, assim, cada um
dos seis teve uma concepção diferente do mesmo elefante. Todos falavam coisas
bem diferentes, mas todos estavam falando do mesmo elefante.
Os pluralistas cristãos têm
usado esse tipo de parábola para ilustrar a relação que tem havido entre o
cristianismo e as outras religiões não cristãs. Todas elas têm abordagens
diferentes a respeito de Deus, mas todas estão falando da mesma coisa, sob
perspectivas diferentes. Todas têm óticas diferentes, mas estão falando do
mesmo Deus. Se um cristão afirmar que somente a forma do cristianismo oferecer
a salvação é correta, e não a das outras religiões, ele está se portando como
um dos cegos da história que diz que somente a visão dele é correta e não a dos
outros.
Portanto, a voz pluralista
dentro de alguns círculos cristãos é esta: nós devemos afirmar que Jesus Cristo
é Salvador, mas não podemos afirmar que Ele é a única forma de o homem alcançar
salvação. Ele é uma entre as muitas outras formas de o Deus infinito
revelar-se. Todas as tradições religiosas do mundo possuem aspectos reveladores
de Deus, que tomam vários nomes e conceitos nos mais variados recantos do
mundo. A Realidade Infinita (que é Deus) tem recebido várias conotações: entre
muitos do oriente ela é chamada de o grande Brahma, que é mediado através de
escrituras sacras; para os budistas, Nirvana, é o caminho ensinado por Buda;
para os muçulmanos, Allah é a realidade final ensinada pelo grande e
autoritativo Maomé; a Realidade Infinita para os judeus é Yahweh, que se
revelou maravilhosamente na Torá; para os cristãos, é Deus, que se revelou em
Jesus Cristo. E a lista não termina por aqui. Muitas outras formas da realidade
infinita poderiam ser mostradas nas demais religiões orientais.
Como no pluralismo não existe
a verdade absoluta, nem existe uma religião verdadeira, o pluralismo religioso
cristão vigente em nossos dias manifesta-se de várias maneiras práticas com relação
às religiões não cristãs.
Um pastor evangélico e
professor de um seminário protestante no sul da Índia, participando do funeral
de seu amigo hindu, que ele chamou de "um funeral cristão hindu,"
disse: "Em meu breve discurso, eu me referi à sua vida (do amigo morto)
como um marido, pai, avô e amigo, mencionando que, embora tenha vivido na
companhia de uma família cristã, ele permaneceu fiel à sua herança hindu. Eu
mencionei que, assim como nós cristãos estamos comprometidos com a nossa fé,
assim nossos vizinhos hindus estão comprometidos com a deles, e que, portanto,
deveríamos respeitar as crenças e convicções uns dos outros."11
Nessa cerimônia os hindus participaram lendo as suas convicções religiosas,
totalmente opostas às do cristianismo; mas num ambiente pluralista ninguém pode
reivindicar que está com a verdade absoluta. Todos têm as verdades, mesmo que
elas se contradigam. Assim é o pluralismo.
C. Pluralismo Teológico
Em virtude da
"mega mudança" havida no pós-modernismo em relação ao cristianismo
pré-moderno, vários pressupostos teológicos foram modificados no cristianismo
pluralista. Eles são evidentes nos vários ramos da teologia cristã, mas
especialmente na cristologia e na soteriologia (doutrina da salvação):
1. Na Soteriologia
O Deus do cristianismo, na
soteriologia pluralista, é um Deus de amor, e não poderia excluir da salvação
os não cristãos pelo simples fato de eles não serem cristãos. O particularismo
soteriológico dos cristãos durante séculos tem sido questionado, porque agora
tem sido ensinado que a graça de Deus está disponível em todas as culturas que
não foram evangelizadas à moda antiga. A salvação vem através de outras formas
reveladoras de Deus, além daquela que veio em Cristo. As perguntas que os
pluralistas fazem são: Se a salvação está disponível apenas através de um
conhecimento de Jesus Cristo, isso implica que alguns povos possuem mais privilégios
que outros? É este o tipo de Deus misericordioso e amoroso que vemos em Cristo
Jesus? Nós não deveríamos ser mais otimistas a respeito da graça salvífica de
Deus, mesmo fora da proclamação da igreja?12
Com essas asserções, o grande
axioma de Cipriano, extra ecclesiam nulla salus ("fora da igreja não há
salvação"), defendido historicamente por católicos e protestantes, fica
destituído de significado, e a fé em Cristo deixa de ser o único meio para o
homem ser salvo.
2. Na Cristologia
Dentro da teologia dos
pluralistas, a cristologia fica na dependência da soteriologia. O grande
pressuposto é que a salvação tem outros caminhos, além do proposto pelo
cristianismo tradicional. Ora, se Jesus Cristo é apenas um caminho no processo
da salvação da humanidade, o elemento preponderante é a soteriologia, e a
cristologia vem cumprir apenas um dos propósitos redentores de Deus.
Jesus Cristo não pode ser a
revelação especial de Deus no sentido de a salvação depender dele unicamente.
Há outras revelações de Deus que são igualmente soteriológicas. Há outras
formas de salvação que não são concentradas em Jesus Cristo, segundo o ensino
da cristologia pluralista.
Esta segunda ideia está
enraizada na primeira, porque um Deus de amor não poderia deixar de fora outras
nações não evangelizadas. Por essa razão, outras formas de salvação são
possíveis, conforme o argumento pluralista.
D. Pluralismo Ético-Moral
Este aspecto do pluralismo é o
resultado de todos os outros. A ética é a prática da teologia. E o pluralismo
do pós-modernismo não evita os tropeços dos anteriores. As últimas
conseqüências do pluralismo recaem sobre a ética.
Um dos maiores expoentes do
pós-modernismo intelectual de nossos tempos é Michel Foucault. Seu
pós-modernismo é refletido nas suas concepções éticas. Para Michel Foucault, a
"verdade" do pré-modernismo e do modernismo sempre vem em favor do
poderoso. A "verdade" dá suporte aos sistemas de repressão por
identificar os padrões aos quais as pessoas podem ser forçadas a se conformar.
As coisas que são más ou
criminosas não dependem de um critério objetivo, mas dos padrões e interesses
daqueles que estão em autoridade, diz Foucault. Segundo o seu pensamento, "cada sociedade tem a sua ‘política geral de verdade’ que serve a seus interesses
pessoais. A ‘verdade’, dessa forma, serve os interesses da sociedade em
perpetuar a sua ideologia e em proporcionar uma justificação racional para a
prisão ou eliminação daqueles que vem a contradizer sua perspectiva
geral."13 Foucault se
insurge contra esse tipo de moralidade porque, segundo pensa, foi essa
moralidade que governou o mundo até há pouco. E o resultado é o caos moral em
que vivemos. No mundo pré-moderno e no moderno essa foi a ética, segundo
Foucault. Por causa desses fatores, Foucault crê que a ideia da verdade objetiva
ou moralidade deve ser desafiada. Não pode mais haver uma verdade objetiva.
Contudo, como podemos saber o
que é certo, dentro do conceito pós-modernista? Obviamente, a verdade não pode
ser deduzida de um conjunto de crenças definidas a respeito do que é certo ou
do que é errado. Os pós-modernistas possuem uma aversão aos padrões normativos
gerais de comportamento. A raiz do pensamento ético do pós-modernista se evidencia
nestas palavras de Rorty:
Não há nada bem profundo dentro
de nós, a menos que nós mesmos o tenhamos colocado; não há nenhum critério que
nós mesmos não tenhamos criado no curso de formar uma prática; não há nenhum
padrão de racionalidade que não seja um apelo a tal critério; não há nenhuma
argumentação rigorosa que não seja a obediência às nossas próprias convenções.14
Os pós-modernistas rejeitam
não somente as leis objetivas de moral, como as leis morais interiores gravadas
por Deus em nossos corações, conforme Paulo menciona em Romanos 2.11-15. Nessa
concepção pós-modernista, o homem acaba sendo amoral. Não existe nada nele que
o leve a reconhecer o certo ou o errado. As leis da "segunda tábua"
não são conhecidas do homem. Tudo o que ele faz em termos morais tem nascedouro
no meio em que ele vive e nas decisões morais que faz. Contudo, essas decisões
não têm nada a ver com o que ele é, mas sim, com o que ele deseja e resolve ser.
A ausência dos padrões
objetivos que determinam o que é certo ou errado tem causado um enorme caos
moral nesta nossa sociedade. Por causa da ausência de paradigma objetivo, as
mudanças éticas têm sido mega-mudanças:
1. Ética Sexual
A homossexualidade não tem
sido mais concebida como um problema psicológico-moral; a homofobia, sim.15
Convencidos de que não há uma verdade objetiva, os pós-modernistas ensinam que
os valores devem ser criados pelas próprias pessoas. Dessa forma, os princípios
éticos pós-modernistas passam a seguir a "norma" estabelecida pelo
líder do conjunto de Rock "Sex Pistols," Johnny Rotten: "Se nada
é verdadeiro, tudo é possível."16 Onde não há as leis básicas de Deus, os
homens entram numa situação anárquica ética e moralmente. Por essa razão,
Dostoievsky disse: "Se Deus está morto, tudo é permitido."17
Com isso, o sexo praticado
fora do casamento e nas formas mais deturpadas tem sido estimulado como uma
aventura a ser experimentada, uma espécie de variação daquilo que
tradicionalmente é feito. Desde a década de 60, com a revolução sexual, a
permissividade tomou conta da juventude, e veio a tornar-se um "direito"
aquilo que antes era considerado uma transgressão moral.
A inversão dos padrões morais
têm acontecido não somente no mundo secular, mas também dentro das igrejas
evangélicas de linha conservadora. Muitos cristãos solteiros têm praticado sexo
fora do casamento e antes do casamento. Em recente pesquisa feita entre
"fundamentalistas" e "liberais", verificou-se que a prática
de sexo fora e antes do casamento era de 56% entre os primeiros e 57% entre os
últimos.18 Fica claro que as
convicções religiosas não alteraram muito o resultado da pesquisa. O que
importa aqui é o espírito do pós-modernismo de tolerância ética que tem
invadido o mundo evangélico.
2. Aborto
Nos tempos pré-modernos e na
modernidade, o aborto era uma questão praticamente fechada. A provocação da
morte de uma criança no ventre materno era considerada uma coisa horrível, um
mal simplesmente inadmissível. Com o advento do pós-modernismo, onde a verdade
absoluta está ausente, o aborto se tornou não somente legal em muitos países,
como também uma prática aceitável, como um direito constitucional que a mulher
tem sobre o seu corpo. Ela é quem decide abortar ou não. É o direito
individual, sem a preocupação com qualquer verdade moral pré-estabelecida. A
verdade de Deus não é levada em conta. Essa é a ética que tem sido assimilada.
Cerca de 49% de protestantes e 47% dos católicos nos Estados Unidos aceitam a
prática do aborto.19 No
Brasil, a lei ainda impede o aborto (exceto em casos onde a saúde da mãe está em
jogo e em caso de estupro), mas a prática tem mostrado que nosso país tem sido
campeão no número de abortos.
Os programas de entrevistas
mais assistidos de nossa televisão refletem exatamente essa ética permissiva.
Cada um pensa o que quer eticamente porque não há padrões estabelecidos. O
"correto" eticamente depende do seu ponto de vista que deve ser
respeitado. Ninguém tem o direito de dizer o que é ética ou moralmente correto.
NOTAS:
1. Sobre este assunto verificar
o excelente artigo de Ricardo Quadros Gouvêa, "A Morte e a Morte da
Modernidade: Quão Pós-moderno é o Posmodernismo?" em Fides Reformata, 1/2
(Julho-Dezembro 1996) 59-70.
2. R.C. Sproul, Classical Apologetics (Grand Rapids:
Academie Books, 1984) 7.
3. Gene Edward Veith, Jr., Postmodern Times (Illinois:
Crossway Books, 1994) 19.
4. Dennis L. Okholm, ed., Four Views on Salvation in a
Pluralistic World (Grand Rapids: Zondervan, 1996) 8.
5. Ibid., 9.
6. Alister McGrath, "The Challenge of Pluralism
for the Contemporary Christian Church," em Journal of the Evangelical
Theological Society, 35/3 (1992) 364.
7. Ibid.
8. Veith, Postmodern Times, 51.
9. Ibid., 53.
10. Ibid., 54.
11. Stanley J. Samartha, "Church in the World: A
Hindu-Christian Funeral," em Theology Today (Janeiro 1988) 481. Este
artigo mostra
o resultado das crenças pluralísticas, sem mencionar uma vez sequer a palavra
"pluralismo."
12. Okholm, Four Views, 12.
13. McGrath, "The Challenge of Pluralism,"
367.
14. R. Rorty, Consequences of Pragmatism (Minneapolis:
University of Minneapolis, 1982), xlii; (citado por McGrath, "The
Challenge of Pluralism," 368).
15. A palavra homofobia quer
dizer a aversão pelo igual. Em outras palavras, os homófobos são aqueles que
não possuem preferência por pessoas do mesmo sexo. Portanto, em alguns setores
da ética pluralista, os doentes são aqueles que possuem aversão pelo mesmo
sexo.
16. Citado por Veith,
Postmodern Times, 59.
17. Citado por Veith,
Postmodern Times, 238, nota 21.
18. Informações retiradas de
Veith, Postmodern Times, 17.
19. Ibid.
Autor: Heber Carlos de Campos
Fonte: Mackenzie